29/01/2021

Renunciando à simulação de compaixão e aceitação

B: Fala Out, como é que você está? Logo cedo, antes mesmo de me levantar, ocorreu-me o percebimento desse falso da estrutura, que compõem desde nossos grupos familiares inseridos dentro do jogo social, que estão dentro do sistema, que operam nesse jogo, nessa ilusão, e nesse percebimento surge o lance do "limbo", onde você se sente sozinho, enfim, observando o falso, muitas vezes tendo que operar o falso. Aí eu percebo que já angustiei muito mais por estar nisso; cansei de ficar angustiado, cansei da minha reação ser essa angústia, ser esse sentimento. Estou sozinho? Estou sozinho, beleza! Não sei se agora é o lance de eu exercitar, seria da estrutura também, mas eu tento "exercitar a compaixão", sabe? É o mesmo que te disse ontem quanto ao lance de eu trabalhar com vendas: é o que eu tenho para fazer hoje! Eu não tenho outro modo de sobreviver e, mesmo se eu tivesse, eu não sei outra forma de viver a não ser observando e reconhecendo o falso, muitas vezes operando no falso. Mas eu sei dessa quietude que a gente sente... Essa solidão traz uma quietude, muitas vezes um descanso desse fardo que é entidade, essa energia, essa estrutura, essa personalidade que vem muitas vezes reagindo e que funciona sozinha. E aí eu... não sei se essa seria a forma; não é nem questionando se é certo ou não, mas, eu percebo assim que quando eu "aceito o outro" operando ali na ilusão dele, eu sei que aí também, se ele está na ilusão e ele me faz algo que a minha estrutura pega como pessoal, eu sei que eu estou me relacionando não com ele mas, com essa imagem que se levanta dele. Essa reação em que me causou, eu vou estar me relacionando com essa reação, e não com ele propriamente, sabe? E não com a própria pessoa. E quando eu identifico isso, parece que a coisa se acalma, e aí parece que entra uma compreensão, uma compaixão por esses seres que estão nessa ilusão. E aí também pode ser o meu ego, “querendo ter compaixão”, não é? Talvez seja o meu ego, a estrutura... Eu não consigo identificar até que ponto as coisas são nossas, de fato, coisas do ser humano. O ser humano, por si, é esse animal, sei lá, que tem essa capacidade de analisar, de botar sentido nas paradas, entende? Então, se essa compaixão vem da estrutura, ou é algo além... ou é característica ou qualidade do além, de certa forma, é vazio, não é nada em si. Essa compaixão também produz uma consequência de inquietação, mas há o percebimento, sabe?... Há o percebimento dessa compaixão se levantando, também. Entende?

O: A família inserida no sistema, está facultando a possibilidade de você observar esse senso de solidão, a percepção da nossa ausência de autonomia psíquica. Quanto a questão da compaixão, a meu ver, tentar ter compaixão é prática da hipocrisia. Se olhar bem, pelo menos aqui, o que ocorre é um "aguentar mesmo na forçada"... um "aturar" do que não se pode modificar... Não temos aceitação real do momento do outro, essa aceitação fica só no nível do nosso intelecto, que, durante anos, colheu a ideia de que temos que ter compaixão e aceitação do outro como ele é. Mas, com olhar mais apurado, vemos que não sabemos nada disso... Se nossa inquietude está baixa, até dá pra ficar nos ambientes condicionados, mas, se a inquietude está alta, impossível, acabamos explodindo na intolerância reprimida.

B: Cara, é exatamente isso! Aturar o que não se pode mudar. Compaixão aí é hipocrisia.

O: Quando você pega algo que o outro faz como sendo pessoal, você não está sendo você na relação, mas sim, a própria imagem que tem de si. Nesse caso, são duas imagens se relacionando.

No fim do filme "TheWalk", depois que o personagem principal faz a travessia através do cabo de aço da observação, de um prédio do estado condicionado de ser, para a outra dimensão incondicionada que se apresenta do outro lado do cabo, é que ele diz conhecer pela primeira vez a gratidão, a leveza, a compaixão. Antes disso, gratidão, compaixão, amor, felicidade, são apenas conceitos que simulamos vivenciar como realidade interna, pois, como fomos condicionados desde cedo, precisamos manter uma imagem, zelar pelo nosso nome. Esse lance de compaixão, de aceitação, é mais um truque da estrutura que foi condicionada a “ter que ter” compaixão e aceitação, entre outros "teres" mais.

B: Claro. O fardo diminui quando simulamos compaixão. Pimba!

O: Nosso cálculo autocentrado, que trabalha para sustentar nossa imagem de “bonzinho”, nossa imagem de “politicamente correto”, nos força a engolir a reação, você sabe como é... Aquele sapo entalado na garganta, disfarçado com aquele sorriso forçado. Como diz outro confrade, “É cada um com esse corpo estranho, com essa estrutura louca, tentando mudar o que não muda a toa, pois é isso que é... Estrutura não tem que ser mais mudada, pois ela é isso, é essa inquietude e esse jogo de simulação. A reação só fica entalada, subindo até o talo da goela. Não adianta. Não tem escolha. O outro está na ilusão e não sabe. Nós estamos na ilusão e sabemos... Apesar de querermos ser bons, aqui ainda não temos. Mas tudo isso ainda é a nossa vaidade, tudo isso está muito claro, algo inegável. Isso está 100% claro. Veja as conversas... Todos saem falando, falando, falando sobre o falso... Falando... No final é assim, e não tem o que fazer, nos resta apenas observar nossa impaciência, nossa intolerância, nosso esforço de aceitação, nosso sutil sentimento de superioridade por nos acharmos não mais iludidos pelo sistema.”

Esquece esse lance de aceitação — o que não significa sair rejeitando a tudo e a todos... Quando chegamos aqui, nessa qualidade de observação, vemos que tudo isso é balela, parte do enredo da compartilhada estrutura social condicionada... Aqui ficamos nos vendo como realmente somos, e não como fomos programados para imaginar que somos. A observação passiva e não reativa do que realmente somos, arranca tudo isso, nos deixa com o que é e não mais com o que imaginamos que temos que ser. Ela nos dá condição de nos vermos pelo avesso, de ver essa constante tentativa de mudar o que é, de tentar fugir para o que não é. A observação nos capacita a ver, sem qualquer mimimi, o nosso fingimento, a nossa simulação, seja ela de bem-estar, de compaixão... Ela escancara nossa falsa moralidade forçosa. Com a observação, tudo fica mais leve... Não precisamos mais fingir ter o que não temos, não precisamos mais viver o que não vivenciamos em nossas estranhas, não precisamos mais encobrir para nós mesmos, o que de fato sentimos.

É tudo isso que existe de fato, mas que o condicionamento coletivo não quer expor, não deixa expor. Você sabe, crescemos com aquele condicionamento de que “roupa suja se lava em casa”... “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. A compartilhada estrutura social condicionada só quer saber de mais e mais pessoas sorrindo, ganhando os prêmios de melhores do dia, do mês, do ano... Ela quer que todos queiram seus rostos expostos no quadro de melhor funcionário, seu quadro no corredor do capitólio ou suas mãos e pés na calçada da fama. Por meio desse condicionamento, alimentando pelos gurus, padres, pastores, sacerdotes, políticos, e outros mais, vamos fingindo que no final, nossa vidinha vai se ajeitar, se não for nessa terra, no nosso imaginado “lar espiritual”, em qualquer lugar sentado a direita de Deus pai todo poderoso. Isso não se trata de uma observação ácida... Nada disso! Observe por si mesmo! Fomos condicionados para a simulação, para alimentar uma vida de segredos e mentiras hermeticamente fechadas... Quem sabe, se conseguir mantê-las desse modo, no final, tudo ficará bem. Esse é o grande truque, o tão esperado “Gran finale”, o “The End”, onde todos viveram felizes para sempre. Se observar bem, verá que isso é tão certo, quanto o calor do fogo: todos guardamos nosso lado político dentro do armário do imaginal.

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