O: Bom dia! Acordei meditando na
percepção que Raul Seixas tornou comum numa de suas músicas... Ah! Eu devia
estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso
uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente por ter
conseguido tudo o que eu quis mas confesso abestalhado que eu estou
decepcionado. Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado, macaco,
praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco. É você olhar no
espelho, se sentir um grandessíssimo idiota, saber que é humano, ridículo,
limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal...
F: Sim, e que tenta quebrar o
tédio, pagando caro, pela milionésima vez, pra poder dar pipoca aos macacos...
O: Alguma sugestão inteligente?
F: Hoje é sábado! Tenta novamente,
pão com mortadela... Imaginal não perdoa, enquanto escovava os dentes, já veio
com o looping de sempre: “A Vida não pode ser só isso”, “Larga o serviço”, “O Viver
é essa bosta”, “Se divorcia”... Mas a observação pega tudo isso, e nada fica,
tudo vai pelo ralo... Só rindo! A estrutura é lazarenta; dela não sai nada bom,
só loopings de delírio dramatizado, sendo que a única coisa que realmente está
ocorrendo é a escovação dos dentes...
O: A estrutura diz que o sentido da
vida está em algum fazer diferente e não em ser diferente no sentir de ser.
F: É bem isso! Sempre se comparando
com os outros, com o padrão de comportamento condicionado socialmente
estruturado.
O: Você pode cultuar a cultura, o
padrão de comportamento condicionado socialmente estruturado, o politicamente
correto, enquanto não desperta a inteligência da observação; depois disso, tudo
isso se mostra enfadonho e sem sentido.
F: A observação estrangula a
antiga e ilusória identificação com o modus operadis.
O: As conversas, as notícias, as
convenções, os cânticos, as instituições, os programas de entretenimento...
tudo se mostra altamente enfadonho.
F: É exatamente o que sinto neste
exato momento: livros, músicas, esportes, filmes, tudo...
O: Sim, tudo carece de real
sentido, e isso é sentido sem qualquer depressão, raiva ou coisa do gênero, trata-se
de uma constatação sóbria, onde se percebe claramente, que isso tudo, na
verdade, nunca preencheu de fato nossa necessidade de sentido. Muito disso foi alimentado
por nós, ao longo dos anos, devido nossa imatura necessidade de pertencer, de
se enquadrar no estabelecido.
F: Sim, sem depressão, pânico,
nada disso. Só uma sóbria constatação da ignorância que até então, permanecia camuflada.
O: Mas agora, com essa autonomia
psíquica que está se estabelecendo, não faz mais sentido se forçar ou simular
interesse nisso tudo.
F: Pela observação, chega-se na percepção de que vivemos numa sociedade sustentada pela ignorância... Ignorância no sentido do imaginal, de como tudo é impermanente, tudo, tudo...
O: Sempre houve uma neurótica
preocupação com a opinião alheia, o que fazia com que seguíssemos os
maneirismos sociais, sem a menor possibilidade de questionamento. Agora, essa
preocupação está cada vez mais por terra
F: E a cultura, religião,
filosofia, ciência etc., etc., sustentam e escondem o fato principal, que é a
rede de condicionamentos.
O: Não sei se podemos dizer que
esconde... penso que nem desconfiem do fato.
F: Pode ser isso. Sendo um pouco
mais claro, veja isso: Previdência, aposentadoria, seguro de vida, carreira
permanente, casamento duradouro, vida eterna... Veja como tudo isso é nocivo.
O: Porque você vê isso tudo como
"nocivo"?
F: Nocivo no sentido de que
escondemos o fato principal, através das atividades que não visam buscar real
sentido da vida.
O: Penso que só quem não sabe que
ele mesmo é a própria vida, busca nas convenções estruturadas, uma forma de
sentido da vida. Mesmo a ideia de buscar pelo sentido da vida, é mais uma das
ilusões criadas pelo imaginal sensorial condicionado.
F: Exato!
O: A busca do sentido da vida é
mais um impulso emotivo reativo escapistas e separatista. Um impulso para fugir
de onde você se encontra no exato momento.
F: Esse é o impulso mais extremo.
No limite de descrição de uso de palavras, pode-se dizer que cada coisa que há,
é vida. Mesmo isso ainda é descrição, mas até o indivíduo chegar nisso, a busca
faz parte. Isso hoje é claro para nós.
O: O imaginal diz: aqui não tem
sentido, quem sabe ali ou acolá, encontrarei o real sentido da vida.
F: Mas a busca nos trouxe aqui.
Isso está claro agora. Mas veja o que rodamos para chegar nessa percepção...
Quanta ilusão tivemos que abraçar, quanta prática ilusória, quanta promessa
irreal. Parece que sem elas, muitos não aguentam e surtam.
O: O imaginal sensorial
condicionado, a mente com base no medo, cria um looping ilusório que ele chama
"busca de sentido da vida".
F: Esse é um ponto que depois de
pego, produz uma significativa mutação na qualidade do olhar. Depois que o
indivíduo tem um leve lampejo de sua exata natureza incondicionada, depois que
ele sente aquilo que é impossível de ser colocado em palavras... Tudo isso fica
sem sentido. Isso fica muito claro pra quem viveu aquilo que não pode sequer
ser nomeado.
O: Enquanto você não vivencia um
breve lampejo do estado incondicionado de ser — que não é nada mais do que você
mesmo —, o imaginal tem o poder de causar a ilusória identificação com a busca
de sentido nas condicionadas situações externas.
F: Porque maioria nem buscar
sentido busca... Busca sentido até ver que a busca não tem sentido algum.
Quando o indivíduo pega isso, percebe que o condicionamento da busca, é o looping
principal. Penso que aqui foi a grande mudança, e acho que você leva o processo
para esse extremo, fazendo isso muito bem. Isso é seu.
O: Mesmo vivenciando um breve
lampejo do estado incondicionado de ser, o imaginal cria outra forma de ilusão
de busca de sentido, colocando como fator de busca, encontrar um modo, um
sistema, um mecanismo que seja capaz de tornar o que foi vivido por meio de um
lampejo, um estado permanente de ser.
F: Lindo e claro! Penso que
deveríamos falar mais sobre isso, porque foi algo impermanente! Uma hora, se o
indivíduo é sério, inevitavelmente, chega na percepção maior do lapso do tempo
e espaço... Não tem saída! Porque a coisa só está condicionada e, conforme tudo
isso vai caindo... pummmm!!
O: Quando a observação pega isso,
cai por terra toda ideia de espiritualidade ou de prática espiritual, por ser
percebido como mais um dos engodos criados pelo imaginal sensorial
condicionado, por mentes que ainda se mantinham presas numa base de medo e
cálculo autocentrado, pela imatura necessidade de filiação.
F: Ver que a descrição não é a
coisa, já estamos vendo isso... Buscar, correr, nomear... Ver que a mente ficou
presa tentando saber o que é você, o que é a vida, ver que o imaginal, no
máximo no máximo, só pode medir e interpretar, tentar dar nome aos bois. A
própria leitura era uma prática; a própria observação que foi uma prática,
agora deixou de ser.
O: Veja que não há diferença nos
tipos de loopings ilusórios... um sistema pede para você rezar o Pai Nosso e
Três Aves Marias, enquanto outro, pede para você acreditar no seu guru e ficar
repetindo a pergunta "Quem sou eu?"... Mas, você pode se sentar uma
existência inteira com alguma dessas práticas entre outras tantas mais, como
faz a grande maioria, e nunca chegar em nada mais do que a manutenção da
ilusão.
F: Sim! Praticar passos, idealizar
um Deus, rezar, rogar para Ele, escrever inventários morais e partilhá-lo,
manter a dependência de um grupo e de um padrinho, Etc., etc., etc. Faça tudo
isso e você terá um despertar... Veja que não muda nada; mudou somente a
receita do mesmo bolo insosso. Vai ocorrendo um lance de não mais ter porque de
entrar nisso, tipo a cena do elevador no filme “Revolver”.
O: Sim! Colecionar livros e mais
livros de autoajuda, filosofia, sociologia e espiritualidade... Com isso, a
estrutura vai tão somente se transvestindo, mas continua sempre presente; e
nessa forma de se transvestir, a estrutura se torna mais perigosa, pois fica
difícil de ser percebida pela grande maioria que se encontra ainda em estado de
ignorância quanto ao fluxo e estrutura do imaginal sensorial condicionado. Parece
que uma estrutura espiritualizada é o seu maior disfarce.
F: Exatamente. A roupagem mudou
de tal forma, que a estrutura agora se torna uma “personalidade muito
importante”.
O: Uma estrutura que agora simula
ser livre, ser iluminada, ter encontrado sua exata natureza incondicionada.
F: Sim, se sentido superior,
afirmando: “Agora que sei tudo isso estou acima” etc., etc., etc.
O: Como a estrutura medrosa e
confusa precisa se agarrar a algo ou em alguém, quando se depara com uma
estrutura que simula ser liberada, faz dela um guru e, assim, alimenta a ilusão
e a dependência entre ambas estruturas.
F: Acho que estamos vendo o mais
profundo dos condicionamentos. Por ser insegura, prisioneira de medos ainda não
observados com clareza, a estrutura se inquieta, reage, pula, se transveste.
O: E o outro, igualmente
inseguro, inquieto, pula e se agarra na estrutura transvestida de espiritual e
se transveste de seguidor.
F: O padrão, agora, vira o guru e
sua descrição; os princípios a serem praticados, agora não são mais os dez
mandamentos ou doze passos dos grupos anônimos, mas sim, as falas dos gurus...
O: E o looping da ilusão
permanece, criando um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho.
F: Sim! E a busca segue em outro
tipo de busca. Outra cenoura entalada no
nariz, com mais um padrão de ajustamento e simulação de clareza e liberdade! E
mais livros, vídeos, áudios e satsangs no lugar de missas e reuniões. Mais,
mais e mais do mesmo ilusório... Novas formas de mútua exploração!
O: Sim, permanece o looping do
cálculo autocentrado, só que agora, num imaginado modo superior de espiritualização.
É disso que sempre surgiu a dualidade autoridade-seguidor: o feiticeiro, o
padre, o bispo, o papa, o pastor, o sacerdote, o xamã, o mestre, o guru... Uma
grande trama de mentes confusas, dominadas pelo medo, buscando por uma forma de
segurança ilusória... Uma grande colcha de retalhos de mentes com base no medo.
F: E o padrão segue com mais,
mais e mais... Agora faz sentido, que nada disso faz sentido! Segue a dança,
segue o processo de descondicionamento... Ficamos com as coisas como são, mesmo
ainda não sendo o que são de fato; é como que um basta para as interpretações e
divagações do confuso imaginal. É um “cala boca” na estrutura. Isso aqui
consome a identificação com todas as ilusões criadas ao longo de milênios,
destrói tudo! Melhor ninguém ler isso, se ainda quiser continuar com algum
padrão de busca condicionada.
O: Por isso ficamos nesse período de limbo, nesse período em que não somos capazes de perceber alguma ação que faça sentido colocar essa imensa energia que surge, por meio do processo de descondicionamento. No fim de tudo, o indivíduo, se não pegar esse lance da observação, termina dando pipoca para algum tipo diferente de macaco.
F: Exato! Não o macaco em si, mas o macaco imaginado como super-homem ou semi-deus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário