30/01/2021

A tentativa de compreensão do oco é um modo de fuga do oco

A inteligência que revela o truque do diabo de cada dia

F: Bom dia! A coisa acorda sedenta por sentido.

O: Exatamente.

F: Inimaginável... O imaginal traz os questionamentos que livros e nada podem mais aplacar a própria inquietude.

O: Quando chegamos neste ponto do processo de descondicionamento, tudo que se apresenta, se mostra infrutífero quanto a percepção de um sentido real, tudo se mostra muito superficial, enfadonho, destituído de real inteligência. Essa percepção não está embasada num estado depressivo, ácido ou rancoroso. Trata-se simplesmente de perceber que, aquilo que anteriormente distraia, não distrai mais, não interessa mais. O looping da rotina diária não satisfaz.

F: Essa percepção nada tem de depressão. Nada... Tudo é visto de modo muito cru.

O: Programas, jornais, filmes, séries, reality shows... o próprio modo rotineiro da sociedade... não toca mais, principalmente para aqueles que foram tocados, ainda que o mais breve possível, por aquele estado de ser incondicionado. Quando o indivíduo se vê fora da caixa, por breves segundos que sejam, e depois se vê novamente nela, a caixa se mostra altamente limitante e sem sentido. Participar de discussões quanto ao que diz respeito a manutenção do funcionamento da estrutura social compartilhada, visando o que ela tem por normalidade, se mostra algo totalmente sem sentido. Para chegar nessa percepção da total falta de sentido, basta dar uma boa olhada no momento que nossa espécie vive, no que ela, com sua normalidade fez às demais espécies, ao planeta, ver a desigualdade, a infinidade de preconceitos. Quando o indivíduo chega neste ponto, sente no mais fundo de si, um estado de impotência, o qual percebe ser impossível de ser comunicado para quem ainda se encontra identificado com o que é tido por normalidade social; aqui, torna-se claro para o indivíduo, a necessidade de uma radical "mutação psíquica", cuja própria estrutura condicionada, parece não ter o poder de produzir. Então, não só as notícias e os textos que se reportam ao funcionamento da estrutura social condicionada, assim como os textos de grupos espiritualistas, discussões em grupos on-line ou presenciais sobre os ensinamentos de qualquer mestre ou guru, tudo isso se mostra altamente superficial, sem sentido de participação. Para o indivíduo que teve a benção — ou quem sabe a maldição — de vivenciar por breves segundos que sejam, o incondicionado estado de ser, inevitável que se apresente para ele, o questionamento quanto ao sentido de ter vivenciado tal experiência, a qual torna o viver conhecido, como algo totalmente primário, imaturo, patético. Para ele fica a pergunta: qual o sentido de continuar investindo tempo e energia num modo de ser tão pequeno, tão patético, quando se sabe da realidade de um imensurável e bem-aventurado estado de ser? Como continuar se dedicando a coisas tão primárias, infantis e sem sentido, quando algo de inimaginável beleza e grandeza, parece ter lhe chamado para um movimento no sentido de seu despertamento pleno? Eis a pergunta que não se cala, que permanece sem uma resposta convincente.

F: Penso que há uma inteligência em ver a falta de inteligência de tudo que foi estruturado como um viver normal.

O: Concordo plenamente.

F: É interessante observar o momento do processo de descondicionamento, onde vivemos um outro aspecto, onde é possível chegar na percepção da falta de uma inteligência no sentido daquilo que é oferecido pela sociedade, pela cultura, por todos os meios... A falta de inteligência que se apresenta em tudo que nos é apresentado. Já conversamos sobre isso dias atrás... Mesmo que você se decida por ficar sentado, com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar, também não se apresenta nenhuma inteligência nisso, porque, você vai ali, igual o "Pedro Pedreiro", esperando, esperando, esperando, esperando... E não tem nenhuma inteligência nesse estado de espera. E, por outro lado, ocorre a percepção de que você pode sair, pode passear, pode assistir um filme ou alguma outra coisa, você pode fazer o que quiser, e percebe que nisso tudo, também não há nenhuma inteligência.

O: Isso também foi constatado aqui por nós.

F: Você vê, comentávamos ontem que no ano passado, apenas um filme nos chamou atenção, aquele filme “O diabo de cada dia”... só um filme nos marcou, que nos gerou reflexão... Só um filme chamou nossa atenção. Então, chegamos num momento do processo de descondicionamento, que nos apresenta essa falta de inteligência... Na verdade, a própria inteligência está percebendo a falta de inteligência do que se apresenta como novo. Essa percepção é a própria inteligência em ação. É ela que percebe que não tem inteligência nenhuma em ficar sentado no trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar, mas que também não tem nenhuma inteligência em buscar em nenhuma instituição, crença ou lugar que já se mostrou sem inteligência real. Não tem um ambiente, não tem um lance em que você fala: vou fazer isso, vou fazer aquilo, vou fazer assim assado, vou lá para aquele lugar... não tem uma cultura voltada para uma inteligência além do que se convencionou como padrão de normalidade de ser. A cultura foi jogada para a disputa, para o consumismo, para a ilusão da meritocracia, para a aquisição de metas e objetivos, quase sempre fundamentadas em condicionamentos prévios de terceiros, etc., etc., etc. Para quem chegou nesse ponto do processo de descondicionamento, não tem espaço para mais nada disso! Na direção daquilo que foi postulado como fator de busca social, não tem meta alguma! É um momento em que a inteligência vai percebendo a falta de inteligência em tudo... Já curtiu noitada em barzinho ou finos restaurantes, já investiu numa carreira de sucesso, já morou em Nova Iorque, já votou na esquerda e na direita, já foi para os sistemas de crença organizada, já foi para os grupos de autoajuda, já buscou na espiritualidade, já viu a superficialidade e a ilusão de tudo isso, já viu a falta de inteligência, a manipulação, os jogos de substituição de condicionamentos... Então, você fica num estado de inação, praticamente é isso, vamos colocar assim. Você vai esperar... Você vai esperar! Se surgir algo você faz, se não surgir não faz, porque a percepção da estrutura, revelou o jogo sistêmico, revelou o truque por completo.

O: Quebrou a banca!

F: Você observa e pega o looping em tudo. Quando caiu aquela esperança de tudo se ajeitar, aquela esperança de que a observação vai te dar alguma coisa, quando cai esse truque da própria estrutura... Porque a observação virou uma natureza, um estado natural... Quando cai esse truque da estrutura... Acabou! Xeque-mate! Game over!... Chegou num outro ponto. Não é mais questionando, porque você vê o looping de questionamentos entrando, você vê tudo... E vê que os questionamentos também partem dos condicionamentos que recebemos, e que não tem sentido nenhum em dedicar tempo e energia nos mesmos. Não tem sentido, não tem! O imaginal vai sempre trazer novos loopings de questionamentos...

O: Sim, o questionamento do tipo: “De onde viemos? O que viemos fazer aqui nesta nave chamada terra? Para onde iremos?”...

F: O que estamos constatando, pelo menos até este momento, é a total falta de inteligência que é percebida por essa nova inteligência. Sim, porque tem que ter uma nova qualidade de inteligência para poder ver a falta de inteligência no que condicionamos como modo normal de viver. Você viu a falácia da crença, da espiritualidade, da busca de poder e prestígio, viu a falácia de um modo de viver hedonista ou mesmo de simplicidade voluntária, viu a falácia do imaginal pessoal ou coletivo, viu a falácia da estrutura condicionada... Você viu a falta de inteligência de tudo!

O: Sim, você viu o medo por trás disso tudo!

F: Você não só viu, como sentiu tudo isso! Isso não veio por meio de livros, isso veio por meio de um consciente contato direto. Se não tivesse isso, não estaria ai o questionamento “E agora?... E agora?”...

O: Sim, vai correr para onde?... Vai chorar no colo de quem?... Vai pedir explicação para quem?

F: No que diz respeito a busca de sentido e felicidade, uma inteligência viu a total falta de inteligência de tudo que se encontra estruturado... Ela escancarou tudo.

O: Sim, ela revelou o grande truque.

29/01/2021

Não confunda o fluxo mecânico com a capacidade de pensar

 

F: Boa tarde! Percebo que chegamos no ponto de ver que o fluxo roda por si; portanto, a meu ver, não existe um pensador, um agente causador do fluxo. Se a observação se aprofundar, o indivíduo verá que, se ele não ficar esperto, pegará a primeira sugestão que o fluxo traz, dando-lhe a impressão de que ele está pensando. O fluxo não tem lógica alguma, pode até aparentar ter mas, de fato, não tem. Então, chegamos no ponto de ver que só existem pensamentos, só existe fluxo; não existe um causador, um pensador, seja lá o que for. Enquanto o indivíduo não chegar nessa percepção, é só disputa na cabeça, entre o jurado e o juiz. Veja que louco! Pensamento ou o fluxo criou tudo isso, sendo que na real, só há fluxo.

O: Não vejo como fato, sua afirmação de que “só existe o fluxo”.

F: Quando se percebe que só há o fluxo mecânico e não solicitado, esse é um fim de grande parte do sofrimento. No entanto, o indivíduo pode cair num sofrimento maior após ver isso, sofrimento expresso no sentido de querer, por meio de seus limitados esforços, parar o fluxo. Mas veja, aqui, é novamente um truque do fluxo. Novamente ele vem com a ideia de algo fora do fluxo, que pode deter o fluxo. Então, tem o fluxo e o agente que vai deter o fluxo.

O: Vamos com calma, pois é preciso muito cuidado aqui. Veja, não se puder negar a faculdade de pensar, a capacidade de refletir a respeito de algo.

F: Eu vejo que só tem fluxo.

O: Observe melhor... Uma coisa é o fluxo mecânico e não solicitado, outra coisa bem diferente, é o poder de fazer uso consciente da capacidade inata de pensamento. O pensar lógico e racional, a capacidade de exercício de reflexão, tem o seu lugar de ser. Para você escrever suas percepções, você faz uso do que a capacidade de pensar com lógica e racionalidade, percebeu a respeito do fluxo. Portanto, não foi o fluxo que trouxe esta percepção. O pensar racional tem cadência com certa lógica, mesmo que limitada. Já o fluxo não, é desconexo, ilógico, contraditório em si mesmo.

F: Mas aí está usando uma capacidade lógica racional.

O: A capacidade de raciocínio com base na razão, tem lógica, tem razão de ser. Já o fluxo não. Quando você pensa sobre o fluxo, não é o fluxo que está atuando. É preciso saber, com muito cuidado, separar o trigo do joio. Pensar é uma maravilhosa capacidade natural dos seres humanos, já o fluxo mecânico e não solicitado, é uma adulteração dessa capacidade, portanto, uma forma de doença, a qual, nós, por uso consciente do pensamento lógico e racional, denominamos de “pensamentose”. Querer parar o fluxo não é parte do fluxo, é só mais um dos condicionamentos, mais uma ilusão, mais uma forma de impulso emotivo reativo escapista.

Portanto, há o fluxo mecânico não solicitado, assim como há o pensamento ilusório e o pensamento puro, o pensamento lúcido. Isso precisa ficar muito claro. Em nossas conversas, apontamos para a percepção dos dois primeiros momentos, sendo eles, o fluxo mecânico não solicitado e o pensamento enredado por alguma forma de percepção ilusória quanto a realidade. Já vimos antes que o pensamento, por meio da observação, vem ganhando certa lucidez, a qual se mostra responsável pela percepção do próprio mecanismo do pensamento, mostrando também, a limitação do pensamento e a necessidade de maior lucidez.

F: Exatamente. O uso lógico racional não é o caso. Está visto. Pensamento na verdade vem sendo usado por essa inteligência que parte da observação passiva não reativa, fazendo com que a percepção da realidade, se torne cada vez mais clara e lúcida.

O: isso.

Somos macacos de terno em busca da patifaria de aceitação

Arrancando todo delírio da simulação de de vir-a-ser

Renunciando à simulação de compaixão e aceitação

B: Fala Out, como é que você está? Logo cedo, antes mesmo de me levantar, ocorreu-me o percebimento desse falso da estrutura, que compõem desde nossos grupos familiares inseridos dentro do jogo social, que estão dentro do sistema, que operam nesse jogo, nessa ilusão, e nesse percebimento surge o lance do "limbo", onde você se sente sozinho, enfim, observando o falso, muitas vezes tendo que operar o falso. Aí eu percebo que já angustiei muito mais por estar nisso; cansei de ficar angustiado, cansei da minha reação ser essa angústia, ser esse sentimento. Estou sozinho? Estou sozinho, beleza! Não sei se agora é o lance de eu exercitar, seria da estrutura também, mas eu tento "exercitar a compaixão", sabe? É o mesmo que te disse ontem quanto ao lance de eu trabalhar com vendas: é o que eu tenho para fazer hoje! Eu não tenho outro modo de sobreviver e, mesmo se eu tivesse, eu não sei outra forma de viver a não ser observando e reconhecendo o falso, muitas vezes operando no falso. Mas eu sei dessa quietude que a gente sente... Essa solidão traz uma quietude, muitas vezes um descanso desse fardo que é entidade, essa energia, essa estrutura, essa personalidade que vem muitas vezes reagindo e que funciona sozinha. E aí eu... não sei se essa seria a forma; não é nem questionando se é certo ou não, mas, eu percebo assim que quando eu "aceito o outro" operando ali na ilusão dele, eu sei que aí também, se ele está na ilusão e ele me faz algo que a minha estrutura pega como pessoal, eu sei que eu estou me relacionando não com ele mas, com essa imagem que se levanta dele. Essa reação em que me causou, eu vou estar me relacionando com essa reação, e não com ele propriamente, sabe? E não com a própria pessoa. E quando eu identifico isso, parece que a coisa se acalma, e aí parece que entra uma compreensão, uma compaixão por esses seres que estão nessa ilusão. E aí também pode ser o meu ego, “querendo ter compaixão”, não é? Talvez seja o meu ego, a estrutura... Eu não consigo identificar até que ponto as coisas são nossas, de fato, coisas do ser humano. O ser humano, por si, é esse animal, sei lá, que tem essa capacidade de analisar, de botar sentido nas paradas, entende? Então, se essa compaixão vem da estrutura, ou é algo além... ou é característica ou qualidade do além, de certa forma, é vazio, não é nada em si. Essa compaixão também produz uma consequência de inquietação, mas há o percebimento, sabe?... Há o percebimento dessa compaixão se levantando, também. Entende?

O: A família inserida no sistema, está facultando a possibilidade de você observar esse senso de solidão, a percepção da nossa ausência de autonomia psíquica. Quanto a questão da compaixão, a meu ver, tentar ter compaixão é prática da hipocrisia. Se olhar bem, pelo menos aqui, o que ocorre é um "aguentar mesmo na forçada"... um "aturar" do que não se pode modificar... Não temos aceitação real do momento do outro, essa aceitação fica só no nível do nosso intelecto, que, durante anos, colheu a ideia de que temos que ter compaixão e aceitação do outro como ele é. Mas, com olhar mais apurado, vemos que não sabemos nada disso... Se nossa inquietude está baixa, até dá pra ficar nos ambientes condicionados, mas, se a inquietude está alta, impossível, acabamos explodindo na intolerância reprimida.

B: Cara, é exatamente isso! Aturar o que não se pode mudar. Compaixão aí é hipocrisia.

O: Quando você pega algo que o outro faz como sendo pessoal, você não está sendo você na relação, mas sim, a própria imagem que tem de si. Nesse caso, são duas imagens se relacionando.

No fim do filme "TheWalk", depois que o personagem principal faz a travessia através do cabo de aço da observação, de um prédio do estado condicionado de ser, para a outra dimensão incondicionada que se apresenta do outro lado do cabo, é que ele diz conhecer pela primeira vez a gratidão, a leveza, a compaixão. Antes disso, gratidão, compaixão, amor, felicidade, são apenas conceitos que simulamos vivenciar como realidade interna, pois, como fomos condicionados desde cedo, precisamos manter uma imagem, zelar pelo nosso nome. Esse lance de compaixão, de aceitação, é mais um truque da estrutura que foi condicionada a “ter que ter” compaixão e aceitação, entre outros "teres" mais.

B: Claro. O fardo diminui quando simulamos compaixão. Pimba!

O: Nosso cálculo autocentrado, que trabalha para sustentar nossa imagem de “bonzinho”, nossa imagem de “politicamente correto”, nos força a engolir a reação, você sabe como é... Aquele sapo entalado na garganta, disfarçado com aquele sorriso forçado. Como diz outro confrade, “É cada um com esse corpo estranho, com essa estrutura louca, tentando mudar o que não muda a toa, pois é isso que é... Estrutura não tem que ser mais mudada, pois ela é isso, é essa inquietude e esse jogo de simulação. A reação só fica entalada, subindo até o talo da goela. Não adianta. Não tem escolha. O outro está na ilusão e não sabe. Nós estamos na ilusão e sabemos... Apesar de querermos ser bons, aqui ainda não temos. Mas tudo isso ainda é a nossa vaidade, tudo isso está muito claro, algo inegável. Isso está 100% claro. Veja as conversas... Todos saem falando, falando, falando sobre o falso... Falando... No final é assim, e não tem o que fazer, nos resta apenas observar nossa impaciência, nossa intolerância, nosso esforço de aceitação, nosso sutil sentimento de superioridade por nos acharmos não mais iludidos pelo sistema.”

Esquece esse lance de aceitação — o que não significa sair rejeitando a tudo e a todos... Quando chegamos aqui, nessa qualidade de observação, vemos que tudo isso é balela, parte do enredo da compartilhada estrutura social condicionada... Aqui ficamos nos vendo como realmente somos, e não como fomos programados para imaginar que somos. A observação passiva e não reativa do que realmente somos, arranca tudo isso, nos deixa com o que é e não mais com o que imaginamos que temos que ser. Ela nos dá condição de nos vermos pelo avesso, de ver essa constante tentativa de mudar o que é, de tentar fugir para o que não é. A observação nos capacita a ver, sem qualquer mimimi, o nosso fingimento, a nossa simulação, seja ela de bem-estar, de compaixão... Ela escancara nossa falsa moralidade forçosa. Com a observação, tudo fica mais leve... Não precisamos mais fingir ter o que não temos, não precisamos mais viver o que não vivenciamos em nossas estranhas, não precisamos mais encobrir para nós mesmos, o que de fato sentimos.

É tudo isso que existe de fato, mas que o condicionamento coletivo não quer expor, não deixa expor. Você sabe, crescemos com aquele condicionamento de que “roupa suja se lava em casa”... “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. A compartilhada estrutura social condicionada só quer saber de mais e mais pessoas sorrindo, ganhando os prêmios de melhores do dia, do mês, do ano... Ela quer que todos queiram seus rostos expostos no quadro de melhor funcionário, seu quadro no corredor do capitólio ou suas mãos e pés na calçada da fama. Por meio desse condicionamento, alimentando pelos gurus, padres, pastores, sacerdotes, políticos, e outros mais, vamos fingindo que no final, nossa vidinha vai se ajeitar, se não for nessa terra, no nosso imaginado “lar espiritual”, em qualquer lugar sentado a direita de Deus pai todo poderoso. Isso não se trata de uma observação ácida... Nada disso! Observe por si mesmo! Fomos condicionados para a simulação, para alimentar uma vida de segredos e mentiras hermeticamente fechadas... Quem sabe, se conseguir mantê-las desse modo, no final, tudo ficará bem. Esse é o grande truque, o tão esperado “Gran finale”, o “The End”, onde todos viveram felizes para sempre. Se observar bem, verá que isso é tão certo, quanto o calor do fogo: todos guardamos nosso lado político dentro do armário do imaginal.

28/01/2021

Você não tem que ler nada a não ser o livro que você é

Não há prática que leve ao incondicionado estado de ser

O: Bom dia! Outro detalhe percebido é que além de identificar no ato a entrada das imagens do fluxo, é identificado também de onde essas imagens foram adquiridas, de quais experiências, leituras ou instituições. Essa identificação traz de instantâneo, a certeza de que por meio do conteúdo da memória, que é passado, não pode haver percepção libertária no presente momento, ou seja, que pela memória, não se dá o derrame de lucidez. Você percebe também, mesmo enquanto dorme, como que o imaginal corre solto como sonhos, se mostrando ainda mais desconexo do que quando em estado de vigília; isso é o que venho chamando de sono lúcido. Essas percepções quase que simultâneas da manifestação do fluxo, desacreditam de imediato o conteúdo do mesmo. Isso traz o sentimento que aponta para a possibilidade de que você mesmo, de fato, pode ser o senhor do seu destino, e não mais o desconexo conteúdo do fluxo com seus impulsos emotivos reativos com base no medo. Em outras palavras, tal qualidade de inventário relâmpago, quanto ao que se passa tanto no interno quanto no externo, vai nos colocando cada vez mais num contato consciente com tudo que é.

F: Algo semelhante acontece aqui!

O: Isso vai trazendo um viver que não se importa mais com os erros do passado, muito menos com o que possa acontecer no futuro, mesmo que esse futuro diga respeito ao dia seguinte, fazendo com que nossa dedicação fique centrada na qualidade do que vivemos aqui e agora. Nem mesmo a preocupação com o que ocorrerá na sequência do próprio dia, em questões de minutos ou horas, toma conta do nosso estado de ser, pois só o presente momento é visto como morada da realidade. Você vai percebendo também que, por meio da observação, vamos nos descondicionando da identificação emotiva reativa com base no medo e que, por meio desse descondicionamento, uma qualidade de lucidez vai se instalando. Então, naquilo que participamos, uma nova qualidade de responsabilidade vai ser instalando, uma responsabilidade que não carrega o velho peso que sentíamos quando nos víamos enredados na mesma. A própria palavra responsabilidade já não é mais vista com peso ou motivo de orgulho.

F: Entendo.

O: Um novo senso de participação e colaboração se instala, quando nos tornamos conscientes da real necessidade de participação e colaboração. Também fica mais fácil dizer não, quando é percebido não ser necessárias tais ações de nossa parte. As projeções mentais, não duram mais que alguns poucos segundos, portanto, não elas não possuem mais o poder de adulterante enredamento. Isso desmonta a compulsão pelo pensar compulsivamente.

F: A observação faz o serviço de ver o que antes não era óbvio, de ver o movimento desconexo, cujo conteúdo é completamente falso; na maior parte do tempo ele nem ao menos está ligado ao que rola aqui e agora. Vendo isso, é como que se fosse feito uma rápida eliminação no próprio conteúdo, algo como que um abandono da televisão mental e, de alguma forma, a atenção é liberada do fluxo mecânico e não solicitado. Então, o imaginal entra com a última tentativa de identificação, por meio de um conteúdo mais refinado, que é colocar a imagem de que um estado incondicionado chegará “no próximo momento,” ou que “se o fluxo parar o estado incondicionado chegará”. Não entro no mérito se isso irá acontecer ou não; entro no looping de que o imaginal quer seu próprio fim, o que me parece ser a sua exaltação suprema... Bummmmmm!!! Então, o que temos de real, é a percepção de que a observação nos leva a percepção de todo o conteúdo condicionado, de todo mecanismo da estrutura. Isso é o que ela faz.

O: Sim, ocorre a percepção do novo condicionamento de "ter que ter" o fim do fluxo.

F: O que nos cabe mesmo é observar esse fluxo, sem muito detalhamento ou análise do próprio conteúdo... é só ver o carnaval passar... a banda. O fluxo passar. A meu ver, esse é o principal ponto: A percepção total da estrutura condicionada.

O: Se essa percepção ocorre detalhadamente ou não, penso que isso não importa. Dizer que a observação deve ser detalhada ou superficial, para mim, seria outra forma sutil de condicionamento.

F: Aquilo que tivemos como amostra grátis, a meu ver, precisamos mesmo falar daquilo, pois é algo que existe de fato, algo que sentimos diretamente, que não chegou por causa alguma, por esforço algum, por nenhum cálculo, por nenhuma prática, algo que não podemos buscar, mas que existe... Não foi delírio, foi sentido com cada célula do nosso corpo.

O: Penso que falar daquilo que não foi visto de modo completo, não faz sentido. Falar disso só serve para acrescentar ainda mais gás para o imaginal de quem lê ou escuta sobre aquilo.

F: Então chegamos na observação pura, que é a percepção relâmpago do fluxo e seu conteúdo falso, sem que essa própria observação seja um meio para atingir o estado incondicionado, pois o mesmo não pode ser alcançado, aparentemente, por nada condicionado. O que temos em mãos, é a observação do mecanismo da estrutura, como ela funciona, como ocorre a identificação ilusória, como os impulsos emotivo reativos explodem... Talvez seja esse o tal do autoconhecimento, da meditação, do olhar o movimento do eu, etc., etc., etc. É bem provável que seja isso a conscientização. Fiquei pensando nisso ontem, pois é o máximo que dá para fazer. Então, percebo que aqui entra um outro ponto, o qual percebi quando você falou que ia sair para fazer uma caminhada... Veja, se algo tiver que rolar, vai rolar, seja lá na caminhada, ou sentado no sofá da sala. A possibilidade está inclusa em qualquer circunstância, pois aquilo surge quando quer e onde quer, não existem condições pré-estabelecidas para o seu surgimento.

O: Sim, todo esse lance da necessidade de desenvolvimento, de crescimento do espírito, de reparações, rogas e preces, contorcionismo físicos e nutricionais, tudo isso são conteúdos provenientes de mentes ainda condicionadas, e que só podem ser aceitos, quando não são devidamente questionados e observados.

F: O que nos leva de encontro a algo parecido com a frase do maluco beleza: “Eu que não fico no trono de um apartamento esperando a morte do fluxo condicionado chegar” ou então, “faça o que tu queres pois é tudo da lei”. Não tem mais nada disso de ter que fazer isso pra chegar naquilo. Isso aqui deita ao chão, todo tipo de “tem que” ou de “não tem que”, “isso pode”, “isso não pode”, pois tudo isso é visto como condicionamentos sutis, mero cálculo autocentrado... Tentávamos antes, influenciar as pessoas e, agora, queremos influenciar um "Deus de nossa imaginação”... Tudo cálculo infantil.

O: Sim, pois isso chega quando quer e não quando você fica na espera de um milagre previamente imaginado. O looping supremo parece estar aí!

F: Com isso, para mim, chego na percepção de que toda literatura espiritual, é uma ferramenta que utilizamos para tentar fugir desse desconforto, dessa inquietude, dessa agonia, dessa ausência de sentido, dessa ausência de comunhão, desse oco monstruoso. A meu ver, esse é o fato central de tudo.

O: Alguém um dia disse: "O egoísmo destrói e só o amor constrói". Eu digo: "A identificação com o fluxo separa, a observação passiva não reativa integra". Veja, você pode praticar yoga por vários anos, tomar santo daime ou LSD por vinte anos, mas a coisa não fica, e o que fica, é só mais uma forma de dependência, só mais um tipo de ritual ilusório. Do mesmo modo, você pode se sentar numa cadeira e, de forma dramática, contar toda sua vida, contar sobre a superação de algum padrão de comportamento obsessivo compulsivo — pelo menos até aquele instante —, mas, no fundo, trata-se do mesmo tipo de ilusão: a liberdade real não está ali, pois o fluxo condicionante permanece, só trocou de objeto, vestimenta e ritual.  

F: Exato. Se não tiver a observação, esquece, não pegou a “natureza exata”; se não pegar que é fluxo não solicitado do imaginal sensorial condicionado, esquece.

O: Sim, só sai de uma ilusão grosseira e abraça uma ilusão mais refinada.

F: Se não ficar com a angústia, com a agonia, com o oco, com a solidão, seja lá o que estiver produzindo inquietude, esquece.

O: Você só sai de uma ilusão já repelida pela sociedade, para abraçar uma ilusão que ela ainda aceita, e ela só aceita tais ilusões, porque nunca as observou com propriedade.

F: Mesmo com tudo isso, não há nenhum indicativo de que aquilo possa ocorrer, mas existe uma probabilidade grande de que ocorra. Veja que outro dia um dos confrades descreveu um branco em sua mente, onde nele não havia medo, nada, simplesmente se desconectou. O medo só veio quando o imaginal percebeu o branco, projetando toda forma de imaginal, de conceitualização do que poderia ser aquele branco.

O: Só para fecharmos, sem a observação de si mesmo, faça você o que fizer, não é possível a manifestação do estado incondicionado de ser, pois, todo fazer, toda prática sistematizada, em última análise, é uma reação emotiva escapista que sustenta o processo de condicionamento. Mesmo o imaginado estado incondicionado de ser, também faz parte do conteúdo do imaginal, algo que você leu a seu respeito, que escutou alguém falar, ou que guarda na memória, como uma deliciosa experiência fugaz. Qualquer prática, qualquer leitura, sem o estabelecimento da constante observação passiva não reativa, me parece completamente ilusório, destituído de real sentido e significação.

Nada pode condicionar a vinda do estado incondicionado de ser

27/01/2021

O medo do desconhecido e o culto a respeitabilidade

O: Os últimos textos e áudios, com certeza, vão afastar muita gente do canal. Já é de se esperar, pois já vi isso antes. Quando um novo conteúdo do paradigma se apresenta, quem está agarrado no antigo conteúdo, acaba tremendo nas bases.

F: Sério? Por quê? Nossa cara! Para mim, o momento é simplesmente lógico, racional ao extremo, muito óbvio. Negar isso é sinal de imaturidade.

O: Isso é natural, pois novos conteúdos do paradigma sempre detonam a crença cristalizada.

F: Mas, como, depois de chegar isto, alimentar esperança no conteúdo de qualquer crença? Como ficar com um Deus imaginado, uma alma ou um espírito imaginado?... Então, tira lá os textos, deleta tudo.

O: Nada disso; a percepção da verdade é o que importa. É como dizia um velho caminhante: “Não importa se você morrer por isso!”

F: Para mim, isso é a mais pura verdade, e o restante, é investir no túmulo da debilidade; estou fora. É assim que eu vejo. Mas quem mais está vendo isso que estamos vendo?

O: Não sei dizer. Só sei que aquele que ainda está apegado em alguma prática espiritualista, não fica, acaba pulando fora.

F: Creio que isso é por causa do oco descomunal, gerado pelo processo de descondicionamento.

O: Quem ainda está na primeira fase, que é a fase de total identificação com a matéria e com a satisfação dos instintos degenerados pela cultura, nem chega aqui, pois não compreende nada do que é dito.

F: Pesado, bem pesado! Na boa.

O: Quando o indivíduo chega aqui, não é de se admirar que ele negue tudo isso por mais de três vezes, como no arquétipo de Pedro.

F: Tem uns textos aí que você compartilhou, que foram longe.

O: A maioria pula fora e prefere se agarrar na simulação de paz, de amor e de somos todos um, ou coisa do tipo. Cansei de ver isso! Eu mesmo senti na pele essa estagnante tentação!

F: Aff! Mas isso aqui quebra tudo isso. Se o indivíduo pula fora, então, é porque não viu de verdade, estava só no nível do intelecto. Se viu, não tem como negar! Isso aqui quebra todo condicionamento de paz e amor! Isso aqui vai rasgando todas as poses, toda simulação! Se a consciência pinçar um pouquinho que seja... acabou!

O: Esse pinçar produz um enorme choque, uma profunda e assustadora sensação de absurdo.

F: Se a consciência pinçar com este conteúdo, o indivíduo toma o pega que quebra o Rap do Cotidiano. Fica terrível mesmo, se o indivíduo não vê isso de forma visceral e lê esse conteúdo. Se ler, sem ver... Aí é só ansiedade... O indivíduo fica quase zureta. Se ele não viu o imaginal, do mesmo modo como estamos vendo... Nossa, véio! Melhor mesmo cair fora daqui.

O: Mas se o indivíduo viu um pouquinho só que seja, o medo vai fazer ele fugir por um espaço de tempo e, toda vez que bater a ansiedade, ele vai voltar aqui... Os bons filhos sempre voltam, porque não encontram nada como isso na internet. Pode procurar!

F: Se a consciência pegou, está enrolada, não tem jeito.

O: Mas o indivíduo volta a acompanhar o conteúdo, no anonimato, pois é difícil o orgulho assumir a veracidade disso.

F: Véio, quem chega nisso, não tem mais como negar que não sente com propriedade, não tem mais como fugir da inquietude, pois vê tanto a falência do imaginal pessoal e coletivo, quanto a impotência de, pelo próprio esforço, transcender esse imaginal. Impossível não enxergar o quanto fomos hipócritas, o quanto fomos simuladores e que, na real, nada sabemos disso que chamam de amor, liberdade e felicidade.

O: Quando olho para trás, vejo quão ridículo que eu era ao querer negar tudo isso e, pelo esforço, alcançar o que é liberdade, felicidade e amor.

F: Tudo irreal, véio! Pelo limitado esforço pessoal, você não consegue alterar nada disso que vê em você. Depois que você viu isso, então, me diz, o indivíduo vai para onde? Vai investir no que? Como conseguirá refutar isso que derruba todos os apoios estagnantes?

O: Quando chega aqui, nesse ponto do processo de descondicionamento, a maioria sai correndo, não consegue, o medo não deixa abrir mão do insatisfatório conhecido... A mente grita como no filme Revolver: “Tenha medo de mim, tenha medo de mim!”... “Quem é você sem a minha ajuda? Quem é você sem mim?”...

F: Concordo! É bem isso que ocorre! Difícil dormir, o travesseiro fica pesado.

O: Aí fica fácil compreender a arquétipo cristão: "Quem põe a mão no arado e olha para trás, não é digno do reino dos céus"... Veja que tenho por reino dos céus, não uma imaginada dimensão no além, mas sim, o estado incondicionado de ser.

F: Muito claro para mim!

O: Se no momento da fuga do padrão condicionado de ser, você insistir em olhar para atrás, não tem como não virar uma estátua de sal... Para ficar com isto, requer-se uma profunda e até brutal honestidade consigo mesmo, para poder se questionar se aquilo em que buscava segurança psicológica, realmente tem o poder de lhe outorgar liberdade, felicidade e significativo sentir.

F: Mas eu procurei até nos áudios anteriores, um tempo atrás, e não encontro material como esse que agora você está subindo, com tanta intensidade e clareza. Esse material atordoa, véio! O indivíduo precisa estar realmente cansado, precisa realmente querer ser radical. Exatamente porque só fica sensação, o imaginal vira vento... Não tem mais nada para fazer, mais nenhum lugar para correr, só resta a solitária e silenciosa observação. Aliás, de que adianta falar, se a maioria não compreender aquilo que você tenta comunicar? A estrutura é apoiada pela segurança ilusória.

O: Aquele que não viveu a experiência do profundo processo de descondicionamento, ao se deparar com isto que falamos, está condenado ao ato ignorante da rejeição daquilo que desconhece, ou às enfadonhas análises conceituais que, fatalmente, engessam o que é dinâmico e vivo.

F: Caracas!

O: O finado professor Huberto Rohden já alertava para essa recusa de aprofundamento, que sempre é causado pelo medo de se abrir ao desconhecido. Dizia ele: “"Se nestas páginas você encontrar algo que lhe seja estranho e inassimilável, não se escandalize nem procure assimilá-lo a força; ignora-o tranquilamente e continue a alimentar a sua fé com as doutrinas habituais, adaptadas ao nível atual da sua evolução religiosa. Mantém, todavia, as portas da sua alma aberta rumo ao infinito; porque, com a progressiva maturação do seu ser espiritual, o que hoje lhe parece absurdo, herético e inaceitável, pode amanhã vir a ser o mais vigoroso alimento de sua alma... A fim de você compreender certas coisas que hoje não pode compreender, pouco aproveitam análises meramente intelectuais... Assimile o que você puder, das verdades destas páginas — e crie em sua alma uma atmosfera propícia para compreender mais”.

F: Forte!

O: Resumindo: Muito se pode dizer à poucos. Pouco se pode dizer à muitos. Muito nunca se pode dizer à muitos. Até porque, muitos que chegam aqui, de alguma forma já se organizaram como tal, em alguma escola mística, esotérica, espiritualista, se entregaram à força adulterante da respeitabilidade, se tornaram um medalhão, um mestre, um mentor, um guardião das tradições ou outro nome qualquer...

 F: Mas se o indivíduo parar para observar mais profundamente, por um instante que seja, verá que isso é real, apesar de doloroso.

O: Muito difícil abrir mão dessa respeitabilidade, pois isso significa se atirar na solidão psíquica.

F: É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um indivíduo rico em respeitabilidade, entrar no estado incondicionado de ser.

O: Quem quer abrir mãos das suas muletas e seguir em carreira solo, rumo à terra da autonomia psíquica?

F: Exato! Veja, depois disto, não há nada mais no que se agarrar, pois tudo é visto como folhas ao vento.

O: Só quem é pobre de doação psíquica pode entrar no reino da autonomia psíquica, os que são ricos em respeitabilidade, não conseguem atravessar essa porta.

F: Cruel, véio! Cruel! Mesmo a gente tendo sentido aquilo que os conceitos não alcançam, isso aqui, arrebenta tudo.

O: A verdade é cortante como diamante, mas também é doce como a flor de pessegueiro. Veja, a respeitabilidade impede a originalidade... ela exige uma pose pré-estabelecida pelo imaginal coletivo do clã específico.

F: Ela é a própria muleta imaginária, transvestida de respeito. Aqui o imaginal aplicou o golpe.

O: A respeitabilidade gera ajustamento, tanto para quem é respeitado, como para quem é o respeitador.

F: Fato! Exato!

O: Tudo que é envolvido pela respeitabilidade, acaba virando algo parecido com aqueles almoços de domingo em família, onde nada mais profundo tem espaço, só o politicamente correto, o tradicionalmente aceitável.

F: Muito estranho isso, mas é a mais pura verdade! Acabamos repetindo as mesmas coisas, fingindo que nunca falamos sobre elas.

O: O seguidor limita a expressão do seguido, já o seguido, limita a expressão do seguidor... Fica só o culto da respeitabilidade, como bem canta o grupo Living Colour: “Look in my eyes, what do you see? The cult of personality… I know your anger, I know your dreams, I've been everything you want to be… I'm the cult of personality. Neon lights, a Nobel Prize, Then a mirror speaks, the reflection lies, You don't have to follow me, Only you can set me free, I sell the things you need to be, I'm the smiling face on your T.V. I'm the cult of personality, I exploit you still you love me.

F: Mas véio! Hoje reli todos os textos dos últimos dias... Vou te dizer, tem de tudo ali... Acho que você precisa colocar neles, o símbolo do Biohazard.

O: A respeitabilidade sempre gera um tipo de lucro, que para nós, o mesmo lucro é visto como prejuízo. ... “You gave me fortune, You gave me fame, You gave me power in your own god's name, I'm every person you need to be, Oh, I'm the cult of personality”.

F: Sim. Muito forte tudo isso!

A queda da pose e da pretensão de real sentir

A demolição dos imaginados "Você tem que"

 

F: Com tudo que temos observado juntos, chego no seguinte ponto: é falso todo o conteúdo do fluxo mecânico e não solicitado do imaginal-sensorial condicionado. Não há nenhum caminho, nenhum sistema, nenhuma programação, nenhuma prática, nenhum esforço pessoal que funcione para limpar isso, para fazer com que tal fluxo se detenha. Você pode fazer o que quiser, como já o tem feito até aqui, mas, no fim do esforço, se você for sério, verá que ele continua lá, portanto, qualquer ação da estrutura para superar a estrutura, trata-se de um investimento no falso.

O: Percebo o mesmo aqui.

F: Não tem como negar que o conteúdo é falso, ela está ali, mas continua falso... O indivíduo pode negar o imaginal e seus absurdos, o quanto quiser. Já tentamos nos ajustar a princípios religiosos e espiritualistas para tentar trocar defeitos por virtudes, para poder melhorar o caráter, crescer espiritualmente — seja lá o que isso queira dizer. Já tentamos de tudo que chegou ao nosso alcance e, depois de muito esforço, percebemos que nunca saímos do lugar... Sempre ficamos na dança de trocar seis por meia dúzia... Tudo se mostrou ilusório!... Você sabe, já tentamos a crença, já imaginamos um Deus e para ele rezamos e rogamos, tentamos manter um contato consciente com esse Deus, o qual era um produto da confusão do nosso imaginal, para tentar acabar com a confusão do imaginal... Tudo falso! Tudo ilusão! Vimos tudo isso, por mais que desejássemos, não funcionou.

O: Não ficou a menor sombra de dúvida quanto a falsidade de tudo que tentamos até aqui.

F: Você pode analisar o conteúdo o quanto quiser, mas ele ainda é falso. Já estou com você nessa observação há quase dois anos... No entanto, por mais clareza que conseguimos com o processo de observação passiva não reativa, ela também não se mostrou capaz para deter o conteúdo, que em si mesmo, é falso.

O: Sim, muitos confrades bem intencionados tentaram a observação passiva não reativa, mas, até aqui, nenhum deles consegui transcender sua inquietude original, a maioria até abriu mão do conteúdo do paradigma, e se entregou a algum tipo de filosofia. Por isso que afirmo que ninguém se vê livre do falso, sem que, num momento inesperado, seja invadido por um derrame da verdade, por um derrame de lucidez.

F: Calma! A percepção que o conteúdo é falso, me parece ser o mais elevado estado da observação, de que todo imaginal é falso. Isso é o mais elevado estado da observação até aqui.

O: Olhando na história, ninguém foi além da simulação de sentir e do cálculo autocentrado, sem um derrame da verdadeira capacidade de sentir e de perceber a realidade.

F: Quero dizer outra coisa, sem entrar aí... Estamos vendo que não sentimos cálidos e significativos sentimentos, que não temos real afetação por nada... Esse é o ponto, já não há mais negação ou simulação quanto a isso, essa é a verdade; chegamos nisso, por mais dolorosa que seja essa percepção!

O: O estado já foi além da observação do falso... se encontra na possibilidade de não reagir de forma alguma a esse falso percebido, pois qualquer reação, aqui é igualmente vista como falso.

F: Também entendo isso, claramente e sem esforço. Mas veja que chegamos nesse estado de não ter nem palavras para descrever o que está acontecendo...

O: Vimos que reagir, seja de que modo for, enquanto na mente com base no medo, é lançar mais gasolina para o falso.

F: Sim! Mas ainda não é isso... Veja, o indivíduo pode lutar para não reagir — o que é diferente de não reagir — porque a não reação também está acontecendo sem qualquer esforço de nossa parte; nem sempre mas com maior frequência.

O: Quando há esforço para não reagir, é ainda um investimento no funcionamento do falso, trata-se da própria estrutura em ação, por meio de seus condicionamentos.

F: Foi a percepção do falso — que é o conteúdo do imaginal — que nos trouxe até este momento, o qual afirmo ser um momento distinto de tudo que já vivi. Todo condicionamento de ter que ser isso, de ter que ser aquilo, de ter que fazer isso ou aquilo para chegar naquilo que é imaginado como solução, etc., etc., etc., tudo isso está morrendo de modo natural.

O: A mente quando se depara com isso, reage, lançando a ideia de que, por você não estar fazendo nada, está caindo num estado que só pode ser loucura.

F: Sim, o imaginal diz que a loucura está aqui, batendo na porta... O imaginal grita que pirei de vez...

O: Isso é muito natural, visto que a mente foi condicionada para lutar, para batalhar, para disputar, para reagir... A totalidade de sua educação — que não tem nada de educação, mas sim, de condicionamento — está sustentada na ideia do tipo: "comerás o pão com o suor do teu rosto"...

F: Isso é também um fato constatado, aqui e agora. No entanto, vamos com calma...

O: A educação glorifica e presenteia a lógica e a razão... Mas com uma observação mais apurada, não é difícil de você perceber que a própria lógica e razão, são igualmente falsas.

F: Sim, a própria lógica e a razão são falsas. Mas, quero ficar nesse ponto da percepção de que todo conteúdo do imaginal é falso, assim como na clareza que a percepção disso traz. Porque veja, tentamos a vida toda mudar isso, entender isso, ou fugir disso... Principalmente, antes de se instalar a observação passiva e não reativa, o fato que não sentirmos real afetação, real comunhão, era visto com muita culpa, muita dor, autopiedade, etc., etc., etc. Percebo agora que, com o amadurecimento da observação, começamos a ver a queda do mundo dos conceitos que criam a culpa, a dor, a autopiedade e tudo mais... Vemos a banalidade disso tudo.

O: Não vamos dizer que a lógica e a razão são falsas, mas que são limitadas, não alcançam a percepção da realidade do que é. O que você vê como lógico agora, daqui cinco minutos, pode ver como falso. Tome isto como exemplo: num determinado momento da sua experiência, você vê como lógico votar no candidato "X" e, depois de alguns meses, "quando X" se revela, você percebe que não foi nada lógico acreditar em "X", portanto, que agora se mostra lógico apoiar seu processo de impeachment.

F: Sim, vemos que por meio da lógica e da razão, nunca alcançamos a percepção plena da realidade. Vendo tudo isso, chegamos realmente, no fim do esforço, chegamos na limitação da lógica e da razão. Vemos tudo isso como fato, sem espaço para mimimi, sem chororô e sem recorrer ao imaginal.

O: Exato.

F: Até nossos sentimentos estão falsificados, porque são rotulados pelo falsificado imaginal. Tudo isso está claro demais, nunca tive uma percepção tão aguçada. Por isso chegamos no ponto em que as palavras não alcançam... Chegamos no mundo do Morpheus... Tudo sensações rotuladas pelo imaginal.

O: Sim.

F: Ontem você me perguntou: Você viu Deus? Viu o espírito? Viu a alma?... Nem deus, nem muita coisa... recebemos um baita condicionamento, uma violenta carga conceitual. Percebo que chega num nível que tudo é o que é, e ponto final. Nossa, isso arrebenta a cabeça! Estamos olhando a coisa como é, observando o tempo todo, e isso é tudo! Só nos cabe a observação, mais nada! Por sorte que isso rolou. O que tem que ou que não tem que, tudo isso agora é visto como papagaiada, tudo incertas doações psíquicas de terceiros, tudo formas de condicionamento, tudo falácia. E só nos agarramos a isso por tanto tempo, por que era muito grande nosso estado de confusão. Nossa insanidade, nossa ausência de autonomia psicológica, não deixava perceber a falácia disso tudo: ter que ser bom filho, bom funcionário, bom pai, bom patriota... Não saber o que é isso mas simular ser isso... Ter que ser isso, ter que ser aquilo, ter que ter boa vontade, ter que amar pai e mãe, ter que amar Deus sobre todas as coisas, ter que reparar, ter que ter sucesso, poder e prestígio... Nossa! Que leveza perceber e largar todo tipo de “tem que”! Nossa, mano!

O: Uma enorme rede de inquestionados condicionamentos.

F: Chegamos no ponto de ver o quão hipócrita é a totalidade do conteúdo do imaginal sensorial condicionado... A totalidade... Com a observação passiva não reativa, de fato, não fica pedra sobre pedra.

A percepção dos nossos jogos de simulação de real afetação

25/01/2021

A renúncia como condicionamento supremo

O: Outra coisa que me parece ser interessante observarmos juntos... o condicionamento de ter que praticar alguma espécie de "renúncia"... renunciar a vontade própria e se entregar à vontade do guru, renunciar a vontade própria para poder ganhar "O reino dos Céus", o "Despertar Espiritual", o "Espírito Santo", a "Recuperação", a "Salvação", seja lá o nome que você queira retirar de qualquer cultura. O condicionamento de ter que fazer sacrifícios externos para o alcance de uma imaginada qualidade interna.

F: A ideia da necessidade de renúncia está diretamente relacionada com o que abordamos anteriormente.

O: Veja que essa ideia da necessidade de renúncia de algum fator externo, isso está inserido até nos preceitos tidos por espirituais dos grupos anônimos.

F: Sim descobrir por meio da meditação, qual é a vontade de Deus, e a Ele rogar forças para poder cumprir com essa vontade.

O: A renúncia da vontade pessoal pela prática da vontade do Deus criado pela própria imaginação. Essa renúncia, ao meu ver, ainda é um ranço dos cálculos da mente com base no medo: eu lhe dou isso e você me dá aquilo que eu imagino ser necessário para o meu bem-estar.

F: Renúncia da vontade pessoal é o imaginal aplicando mais um golpe em si mesmo; ele renuncia a si, barganhando que ganhará algo ali na frente.

O: Então, vejo que tem um certo sentido na ideia de renúncia, mas não como esforço para se abster a um padrão de comportamento externo ou circunstância.

F: Eu já não vejo sentido algum nessa ideia de renúncia. Vejo sentido na compreensão do que é, como é.

O: Calma, calma, Vamos devagar aqui. O que vejo sentido na renúncia, diz respeito ao que dissemos agora há pouco, a renúncia de se identificar com o impulso de qualquer busca.

F: Sim, visto que toda busca, no sentido psicológico, só existe no imaginal.

O: A renúncia de alimentar qualquer tipo de expectativa, como dissemos.

F: Para mim, tudo que cai na rede do imaginal não é peixe. Para mim seria isso.

O: A renúncia do esforço pessoal, do cálculo, do uso do próprio imaginal como ferramenta de transcendência do próprio imaginal; a renúncia de se identificar com o conteúdo que o fluxo projeta; a renúncia de alimentar qualquer impulso emotivo reativo escapista.

F: A renúncia de algo que se imagina que possa aliviar toda confusão e inquietude. A renúncia, para mim, também é uma forma de identificação com o conteúdo que parte do fluxo condicionado pelo que se leu, ouviu ou assistiu.

O: A renúncia de fugir da inquietude, do vazio, do oco, da solidão, ou do que quer que esteja brotando do fluxo. Esse me parece ser o real sacrifício, essa me parece ser a renúncia real.

F: Ahaammmmmm... Está aí! Então seria uma estado que me tire de todo sofrimento que é a vida como é.

O: Fora isso, tudo que é tido por renuncio no que diz respeito a psique, vejo como medo, cálculo, fuga... uma fuga mais refinada, que deixa de ser por meio da maconha, da cocaína, do sexo, do flerte, da sedução, do dinheiro, do poder, do prestígio, para ser a fuga divinizada, santificada, sacralizada na vontade do Deus criado pelo confuso e inseguro imaginal. Como você recebe isso?

F: Me parece então que a estrutura, não querendo sentir a inquietude, busca imaginariamente, uma forma de escapar da vida diária!

O: Veja, a própria ideia da necessidade de renúncia, se sustenta numa base dualista, que também tem base na sua interpretação conceitual de bem-mal, defeito-virtude, doença-saúde, disfuncional-funcional.

F: Quer então ganhar algo extra, de se tornar algo especial? Renúncio isso, desde que eu tenha um estado alterado de consciência! Pegou a sutileza? É sempre o mesmo truque, mesmo mudando as imagens do baralho.

O: Tentamos o estado alterado da consciência, por meio das drogas licitas e ilícitas, por meio de bebidas enteógenas, e agora, tentamos pela droga de uma imaginada barganha celeste.

F: Exatamente. Ou mesmo pelo intelecto, tipo, obter um conhecimento específico, o qual melhore da dor inquietante do dia dia, no caso do assunto de agora.

O: Sim, mas a questão da aquisição de conhecimento, esse me parece ser ainda algo muito primário. Veja, parece-me que o mais forte e último dos condicionamentos, é a barganha do sacrifício sagrado.

F: Sim, com a expectativa de se tornar uma pessoa santa, boa, moral ou melhor... O conhecimento de uma nova crença, religião ou filosofia, não é mágica ou mística, que possa levá-lo à paz e felicidade eternas, não se trata de felicidade e tal, ou tipo uma liberdade de emoções e sentimentos de intenso sofrimento.

O: Veja, esse condicionamento do sacrifício, da renúncia, permeia o imaginal coletivo por séculos e séculos; ele está nos contos, nos filmes, nas novelas, nos cultos, nos jogos, no centro de quase todos, senão todos, sistemas de crença organizada.

F: Estamos detonando tudo por meio disso... A renúncia do eu, do ego, do mim, da pessoa... Mas o que não é percebido pela maioria, é que a renúncia para se livrar dele, ainda é ele criando o looping da renúncia.

O: Mas mesmo o eu, o ego, o mim, a pessoa, e a ação para a renúncia dos mesmos, parte da estrutura.

F: Exato! A renúncia para a solução dos problemas de relacionamento do eu. Percebe também aí a barganha, a continuidade do cálculo autocentrado?

O: A renúncia de si mesmo, sem dúvida, me parece mais um cálculo, mais uma barganha.

F: Sim. Renuncio o que penso para poder parar os pensamentos, mudar os pensamentos, me livrar dos pensamentos... Percebe?

O: É o Doutor Estranho barganhando em looping com Dormammu.

F: Sim! (Risos)

F: Autoaperfeiçoamento... Nossa mãe! Não se trata nada disso!

O: Acho que aqui, tocamos num dos condicionamentos dos mais difíceis de ser aceito pela mente coletiva.

F: Para mim, tudo isso ainda entra no looping das expectativas. Faz todo sentido. Um pacote de expectativas, no caminho da dita iluminação! (Risos)... Não tem jeito: a observação passiva e não reativa, quebra tudo, deita tudo ao chão...

O: Sem dúvida alguma!

F: Vamos colocar assim uma espessa camada de expectativas e narrativas, sobre a jornada imaginaria rumo à iluminação, adquirida de séculos, e estruturada por anos e anos de busca. Destruiu... Durma com isso, quem conseguir dormir... A observação arranca todo tipo de cenoura espiritual, arranca toda flauta mágica. Mano dos céus! Violência total! Verdadeiro mentecídio!

Observando a expectativa de um derrame de lucidez

O: Onde paramos?... No xeque-mate do processo de descondicionamento.

F: Sim, impossível de ver isso logo no início do processo.

O: Pois bem! Olhamos para tudo isso, e chegamos no ponto do xeque-mate do processo de descondicionamento.

F: Essa percepção é um novo choque. Perceber de cara que você está entrando em um barco que vai lhe deixar realmente impotente. Digo de fato, pois, inevitavelmente, sentirá isso.

O: Vimos que, talvez, o que é comumente chamado de "espera de um milagre" ou de "vinda do espírito santo", pode ser mais um dos loopings da estrutura, outro impulso emotivo reativo escapista.

F: Que nem você nem os outros sentem de fato. A espera é mais um looping, muda apenas a palavra seguinte. Isso tira grande energia que estava indo para estrutura.

O: Mas vemos também a necessidade da ocorrência de algo que nos habilite um feliz estado de perceber e sentir, algo que nos arrebate em novas e incalculadas possibilidades de ação, relação e conexão.

F: Se chegamos no ponto que sentimos a impotência real, então, a única coisa que resta, pelo menos é o que percebo até aqui, é algo além disso.

O: Algo que apresente ao atual cansaço de nossa vida, um encanto que não é racional nem logicamente deduzível de nenhuma outra coisa.

F: Penso que sim. Só que sentir a necessidade de algo não é esperar algo.

O: Penso que esse encantamento, nada tem a ver com o que os teólogos chamam de "um dom da graça de Deus", mas algo ainda não potencializado em nosso próprio organismo.

F: Chegamos num ponto de não saber o que é esse algo, só sabemos que nada tem a ver com o Deus da imaginação; algo novo, desconhecido, que não é produto dos delírios do imaginal condicionado.

O: Percebemos a vida através dos sentidos do organismo, certo? Nada além disso, não é mesmo?

F: Sim. O imaginal não pode entrar nisso. Percebemos pelos sentidos, interpretados após, de modo fragmentado, pelo imaginal ou no ato.

O: Percebemos que nossa capacidade de sentir está adulterada, e sentimos pelos sentidos. Então, a mutação precisa ser de ordem dos sentidos.

F: Não são apenas o que são como são.

O: Isso nada tem a ver com coisas do tipo: "intervenção" de um Deus projetado por nosso medo e confusão.

F: Nada daquele condicionamento de “Deus da maneira como concebemos”. Nada disso!

O: De nenhuma maneira.

F: Nada que venha do confuso imaginal coletivo ou pessoal.

O: Sim, pela observação, matamos o Deus de nossa confusa imaginação.

F: Jogamos isso fora, para nós, não mais existe tal entidade.

O: Vimos Deus como a mais elevada forma de condicionamento, o qual produz a mais ilusória das dependências. Já tentamos isso por décadas, sem alcançar qualquer resultado real.

F: Dependência do looping Deus.

O: Aliás, nunca sentimos nem o próprio Deus imaginado.

F: Nunca!

O: Nunca sentimos real e duradoura conexão com ele.

F: Sim, veja o absurdo: “Eu sinto Deus”... Que sentimento é esse senão o próprio imaginal? Nem tal sentimento existe.

O: O imaginal é capaz de gerar até uma gravidez psicológica, com alterações no próprio corpo. Nossa confusão não nos deixa ver a força de nossa insanidade: não conseguimos conexão com um ser humano, nem mesmo com a natureza, e queremos conexão com um Deus produzido por nossa imaginação, coisa que condicionamos como a busca de um “contato consciente com Deus”.

F: O que se vivencia, é uma neurótica e passante euforia rotulada de Deus. Isso é o que sempre ocorreu aqui. Passada a euforia, o medo, a inquietude e a confusão sempre estavam a minha espera.

O: Fato.

F: Visto isso, o xeque-mate é claro.

O: O fato é o xeque-mate, a impotência, a plena consciência da ausência de uma libertária lucidez.

F: Qualquer história trazida pelo imaginal, só tem o poder de gerar mais coisas imaginárias, e mais sentimentos ditos “desagradáveis”... Esse me parece ser o miolo do looping...

O: O que se apesenta como fato, é a total ausência de poder para transcender a condicionada estrutura com base no medo e no separatista cálculo autocentrado.

F: Isso é o fato. Não tem aquele que mude o que é visto, porque, ele mesmo, é parte da estrutura, uma invenção. Quando você vê isso com clareza, é game over! Barco virou com todos dentro... Igual o Titanic. Isso me remete àquela frase do Cristo na cruz... “Hoje mesmo vocês dois estarão lá comigo”... o imaginal e o sensorial condicionado em processo de morte, tudo indo pro saco.

O: O que há é a percepção de que, por melhor que seja o nível de nossa lógica e razão, carecemos de algo que nos proporcione uma dimensão acrescida de significativa emoção.

F: Isso que percebo aqui. O trem da lógica e da razão, como ferramenta para tentar compreender a estrutura, ainda está rodando... Mas a pergunta me parece ser: compensa investir nisso novamente? De novo? De novo? Não foi vista a falência desse trem?

O: Percebemos que tanto a lógica como a razão, se apresentam a si mesmas, com o passar dos dias, como ilógicas e irracionais. Percebemos que, no que diz respeito a transcendência plena dessa mente com base no medo, dessa limitada e traumática estrutura psíquica pela qual funcionamos, a lógica e a razão são como um frágil barco vazio, dotado de um enorme furo em seu “calado”.

F: Isso não se mostra lógico, muito menos óbvio para quem não viu o imaginal como fluxo não solicitado, e que não existe tal coisa como “pensador compulsivo”. Para mim, isso ficou direto e claro. Então, a estrutura se vendo condicionada, tanto no sentir quanto no pensar, por mais lógica e racional que ela seja, atinge seu ápice do processo de descondicionamento, percebendo que ela mesma é limitada, confusa, condicionada e nada pode fazer para sair disso.

O: Quando você chega aqui, resta ou não resta algum tipo de esperança?

F: Mesmo que haja, ela é vista como algo em vão, e acaba caindo por terra no ato em que é percebida.

O: Então o que fica? Conformismo estagnante? Morre o sentido daquela frase usada pelos cristãos: "Enquanto vivendo na esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador"? (Seja lá o que você entenda por Cristo). Eu percebo aqui, a necessidade de um incausado derrame de amorosa, integrativa e criativa lucidez... uma capacidade desconhecida de sentir de percepcionar a realidade.

F: Não vejo conformismo... Veja: capacidade de ver o que é.

Outsider: A necessidade de um derrame de tal qualidade, me parece algo muito lógico e racional, visto que consideramos a impotência da limitada estrutura pela qual funcionamos, transcender a si mesma, por meio de seus confusos e militados esforços. O que me diz? Vimos até aqui, que o que convencionávamos por felicidade e amor, nada mais era, do que corriqueiras euforias sensoriais, com os quais conseguíamos algum alívio muito rápido, uma fuga momentânea da inquietude original que sempre fez a base do nosso estado de ser. Desconhecemos um estado de felicidade que não seja simples sensação de fuga da realidade. Tentamos essa felicidade por vários tipos de comportamento, por meio do sucesso, poder e prestígio, por meio do sexo e de relacionamento, meio do jejum, da busca de um modo de vida na simplicidade voluntária, por meio da abstinência de determinados padrões de comportamento obsessivo compulsivo, pelo uso do outro que, ilusoriamente, chamamos de “doação de nós mesmos”, pela prática do silêncio ou da observação do agora, e por tantas coisas mais, mas não conseguimos, de fato, isso que a palavra felicidade tenta apontar. Tanto pelo que vivi, quanto pelo que li de incontáveis relatos de homens e mulheres, sem um incausado e inesperado derrame de lucidez, nunca saberemos o que é o fim da confusão, da inquietude, do vazio, da solidão, da ausência de real conexão, das ilusórias e limitantes dependências e de outras sensações torturantes. Penso que sem o despertar de um estado de ser psicologicamente autossuficiente, nos é impossível o conhecimento do que é liberdade, felicidade e a comunhão de uma vida impessoal. Aqui ocorre a certeza, de que nada que venha do imaginal condicionado, tem o poder de nos levar a esse estado peculiar.

F: Esse é o ponto chave: o imaginal ainda imagina o que deve ocorrer para que algo mude tudo, mas ainda é ele. A percepção disso nos joga no que temos de fato, no que é real agora... digo, a observação passiva e não reativa, diante do que sentimos... Seria conformismo se nem aqui tivéssemos entrado... se estivéssemos seguindo o mesmo trilho dos que nos cercam...

O: Nossa cultura, ao longo de seus séculos, sempre enfatizou a necessidade de autonomia material e financeira, como o fator primordial de toda busca. Para mim, percebo que isso é um fator secundário a ser perseguido, pois temos visto homens e mulheres que, mesmo vivendo em situações abastadas, acabaram por colocar fim a própria vida, por causa da ausência de autonomia psíquica. Para mim, o despertar ou a recuperação de tal estado de autonomia psíquica, é a mais importante de todas as capacidades humanas.

F: Tanto faz o indivíduo ter esse tipo de sucesso ou não. Vamos dizer que conhecemos o que temos, ok? Digo que precisamos do financeiro para manter o básico, mas jogar isso como meta, é o mesmo que correr atrás de algo ilusório, pois vamos dizer assim e duramente, “o fim” nos aguarda, com ou sem sucesso financeiro. Para mim, a busca do sucesso material e financeiro, a importância da construção de uma sólida carreira com vista numa aposentadoria privilegiada, esse é o principal fato a ser negado do conteúdo do imaginal condicionado. Reconhecer esse fato, é algo muito doido para a estrutura pela qual funcionamos. Por isso que eu lhe questionei logo cedo: Será mesmo que existe algo tido como permanente, até mesmo no modo de sentir? Pois, para mim, toda questão me parece que joga nessa pergunta, caso contrário, me parece que estamos numa utopia. Isso tendo em vista que já sentimos algo distinto da realidade de tudo agora percebida,  mas que, igualmente, não permaneceu.

O: Já vimos que foi por ação do medo, que saímos daquele inenarrável estado de bem-aventurança. A queda por ação do medo, também foi confirmada na experiência relatada de muitos homens e mulheres, o medo como fator de queda de tal estado.

F: Vimos também que aquilo entrou sem nada, sem nenhum cálculo ou esforço de nossa parte... o medo, que é a própria estrutura, adulterou a continuidade da experiência. Foi o medo que nos trouxe de volta ao estado em que estamos agora, o qual tem em sua base, o próprio medo. Isso é o que me parece. Mas nada podemos fazer para atingir aquilo, a não ser que possamos fazer algo?

O: Já vimos que o Incondicionado, não pode ser condicionado por nada, pois, se assim, fosse, não poderia receber a qualidade de Incondicionado... Mais uma partida do imaginal e mais um Looping no xeque-mate.

F: Isso. Podemos então, chegar aqui e ficar com a observação de toda expectativa, até mesmo do que chamamos de um “derrame de lucidez”? Vimos que qualquer tipo de expectativa, retroalimenta a estrutura, é um gás para sua energia. Ficar com a observação dessa expectativa, somente por esse fato, nada mórbido ou depressivo nisso... Apenas realmente deixar a estrutura  sem nada... Sem onde ter como apoiar sua cabeça... Isso faz sentido?

O: Sim, totalmente... O que temos agora, neste momento do processo, é a observação passiva e não reativa da expectativa de uma experiência que produza um fechamento no fluxo do imaginal sensorial condicionado.

F: Exatamente! Veja, esse ponto é fundamental... Me parece que esse tipo de expectativa, se mostra como fonte de aquisição de alta energia para a continuidade da estrutura, uma vez que ela aumenta o que chamamos de inquietude original.

O: Faz sentido. Se não aumenta a inquietude, no mínimo, a mantém.

F: Então, podemos compreender essa expectativa, digo ver como isso é, e ir se conscientizando desse truque da estrutura, ou então, voltar a velha busca, a montar no trem da busca sem fim... Deixamos de correr para dinheiro, poder, prestígio, sexo e relacionamento não dependente, mas passamos a correr para um algo que imaginamos que vá nos brindar com liberdade, felicidade, real conexão e amor impessoal, visto que ainda estamos sentindo a mesma inquietude, da mesma maneira. Então, ficamos com esse inquieto sentir, dessa maneira e ponto final. Vimos, então, toda limitação.

O xeque-mate do processo de descondicionamento

F: Você pode tentar transcender a limitação imposta pela estrutura condicionada, pela mente adquirida com base no medo, mas, se for sério, perceberá que o pensamento automático e condicionado, logo terá a próxima pergunta pronta, sempre criando novos loopings para os quais não encontra respostas, portanto, sustentando nossa limitação de expressão. O fluxo mecânico e não solicitado perdura, o que podemos fazer, no momento, é simplesmente “assistir” seu mecanismo de funcionamento, de modo passivo e não reativo, assistir e sentir, sem se entregar ao vitimismo ou a revolta, as sensações que ele sempre produz. Nosso próprio sentir está condicionado, então, é apenas assistir os loopings de incompletude, de vazio, de inquietude, de questionamentos... tudo que vai surgindo.

O: Sim.

F: O que vai surgindo e que vai sendo percebo aqui, sendo muito sincero, é uma coisa do tipo “mansidão”; vou colocar assim, porque não acho palavras. Há uma percepção e um sentir de tudo isso, sem desespero, sem impulso para sair correndo atrás de alguma forma de narcotização ou de explicação de terceiros, sem qualquer tipo de esforço, sem a presença daquele antigo impulso ácido de julgar e de querer responsabilizar alguém pela qualidade do que sentimos. Vejo isso muito claramente.

O: Entendo, mas creio que a palavra “mansidão”, ainda não cabe aqui.

F: Ok! Não acho palavra mesmo.

O: Penso que a palavra “neutralidade”, seria um pouco mais aplicável.

F: Pode ser também, porque a palavra não importa muito. Só para tentar comunicar.

O: Certo.

F: Algo ligou um responsável e pacífico “foda-se” geral.

O: Vejo que essa observação passiva não reativa, arrancou de nós aquele antigo “minha culpa, minha tão grande culpa”, tão condicionada pelo sistema católico, aquele sentimento de sermos responsáveis por sermos e sentirmos assim.

F: De fato, a observação arrancou isso, o que não significa que nos tornamos levianos.

O: Isso também tira o vício de querer culpar o outro por nossa incapacidade de manter real conexão, por nossa percebida carência de lucidez e autonomia psíquica.

F: Além de toda forma de mimimi, arrancou também a tentativa de entender tudo isso, por meio dos limites da lógica, da razão e do esforço pessoal.

O: Sim. Hoje vemos a nós mesmos e aos demais, nessa neutralidade, com a consciência de que não tem como ser diferente.

F: Isso está cada vez mais claro: somos todos prisioneiros no meio de prisioneiros.

O: Sim, um looping de adultos adulterados adulterantes. É o que percebo até aqui.

F: Você vê que a estrutura é a mesma, então, não há como culpar ninguém, porque todos sofreram o mesmo tipo de adulteração, variando apenas, quem sabe, na intensidade do condicionamento adulterante.

O: Trata-se de uma condicionada estrutura psíquica forçosamente compartilhada transgeracionalmente.

F: Vemos isso sem nenhuma culpa, autopiedade, ranço, chororô, mimimi, nada.

O: Ela é instalada quando ainda não temos condições de estarmos conscientes de sua instalação e poder de adulteração da percepção da realidade.

F: Vimos também que somos totalmente impotentes no que diz respeito a uma mutação real, mutação que não produz recaída nos comportamentos da estrutura. Agora, como a observação se instalou, e percebemos nossa impotência diante dos loopings limitantes, o que podemos fazer é só assistir. Fazer qualquer coisa a mais que seja sugestão do imaginal, é permanecer alimentando a mesma insanidade. Percebemos que esse foi sempre o mecanismo de ação, o mesmo mecanismo que nos trouxe até aqui.

O: Percebo que a maioria de nós, também tenta essa conexão real, mas, como também funcionam na mesma estrutura, não conseguem, pois, inevitavelmente, sempre ocorre o choque entre aquilo que está sendo imaginado quanto a realidade do viver em comum; sempre ocorrem os choques entre os imaginais condicionados, os choques entre limitadas percepções da realidade.

F: Sim, o outro também tenta e, assim como nós, não consegue. O choque é realmente inevitável, como bem nos mostra a história humana; o imaginal, com seus impulsos emotivos reativos separatistas, sempre entra produzindo adulteração. E aí, quase sempre, quando nos tornamos conscientes, ao tentarmos reparar essas adulterações, criamos novas formas de choques e adulterações... Estamos presos num looping.  

O: Sim, sempre ocorre o choque entre as limitadas interpretações conceituais.

F: Cada vez mais claro isso, é bem assim que o mecanismo funciona. Vejo que ai está, por hora, o limite da coisa.

O: Não é difícil chegar na percepção de que todos, independente do seu grau de cultura, de sua classe social, do sistema de crença que alimentam, todos vivem com base no cálculo autocentrado, com a mesma mente com base no medo, portanto, com a mesma frieza dissimulada por um modo de viver politicamente correto.

F: Acabou! Trata-se de insanidade, continuar tentando modificar o que não podemos: estrutura não muda estrutura. Veja, chegamos no “the end”, onde não vivemos felizes para sempre. Aparentemente, o objetivo do processo de descondicionamento, por meio da observação passiva não reativa, foi por nós alcançado.

O: Aceitar a impotência no que diz respeito a transcendência dos limites impostos pela própria estrutura, parece-me o último estágio do processo de descondicionamento. Chegar naquele, “eu por mim mesmo, nada posso”...

F: Exato. A não ser, é claro que, insanamente, esperemos o ouvir do cantar dos anjos, digamos assim. A própria espera de um milagre, se você olhar bem, me parece ser um truque, um novo looping da estrutura. Entretanto, a percepção da própria impotência quanto a capacidade de transcender a si mesma, no que diz respeito aos limites da própria estrutura, coloca uma pá de cal nela mesma. Isso é o que aqui está sendo percebido e sentido.

O: É bem isso!

F: Não sendo mais responsáveis por tentar transcender nosso modo de perceber e de sentir, ao não mais tentarmos forçar conexão com tudo que é, com isso, chegamos no limite da própria estrutura, certo?

O: Acho que esse é o ponto mais radical em que, pelo limitado movimento pessoal, podemos chegar. Algo que não é causado por nosso cálculo limitado, precisa se manifestar em nós. Sem isso, parece que não há como ocorrer uma libertária mutação psíquica.

F: Chegamos num xeque-mate.

O: Sim.

O raciocínio lógico não supera a ausência de real conexão

O que de fato controlamos? Com o que estamos, de fato, conectados?

 

F: O que de fato controlamos? Com o que estamos, de fato, conectados? Percebo que nada!

O: Patético isso, esse viver ligado ao looping do imaginal sensorial condicionado, a esse looping de não saber o que fazer com a vida. É um carecer de lucidez que nos possibilite ficar livres da inquietude que não nos permite apreciar nada em sua totalidade. Tudo isso é visto com sobriedade, sem aquele antigo e neurótico desespero, o qual nos fazia correr para os mais diversos tipos de sistemas de crença, crendices populares, escolas, sistemas e programações. Permanecem os filmes mentais e emocionais, sem que ocorra qualquer identificação reativa, nem com os pessoais filmes internos, nem como os filmes do que se passa na sociedade. O modo de viver social, pelo que foi visto até aqui, para nós, se mostra algo absurdamente patético.

F: Percebemos a falência do que está estruturado, tanto em nós mesmos, como no que diz respeito a sociedade. A estrutura, seja ela pessoal ou que é de criação da estrutura social, não nos dá o poder de transcender de vez a estrutura psicológica.

O: Isso: carecemos de um poder superior a estrutura fria, calculista, complexada, débil, traumatizada, estruturada na inquietude do medo.

F: Tudo que vem da sociedade, no que diz respeito a transcendência da estrutura condicionada, já se mostrou inútil para nós.

O: Sim, não nos outorga o poder de real conexão com nada.

F: Único lugar dela é para fazer as coisas do cotidiano, no que diz respeito a sustentação do corpo físico, não vejo mais nada de funcional nela.

O: Se não ocorrer uma mutação total, uma formatação completa em nossa capacidade de percepção e sentir, estamos fadados a angústia e ao vazio que sentimos mais fortemente agora, uma vez que não estamos mais narcotizando esses sentimentos, com nenhum tipo de narcótico, seja ele socialmente aceito ou não.

F: Sim, estamos olhando para isso, e sentindo isso, de modo sóbrio pela primeira vez na vida.

O: Certo, que já ocorreu uma significativa mutação psíquica, a qual nos capacita a ver isso tudo sem pânico, sem desespero, sem correr atrás de crenças, pessoas e instituições.

F: Não há pânico em ficar com o que sentimos.

O: Precisa ocorrer uma nova mutação psíquica.

F: Vejo que só um milagre.

O: Sim, algo além de nossa ação tem que ocorrer... Uma luz no fim do túnel da estrutura condicionada. Estamos atravessando esse túnel de modo consciente, sem muletas, vendo o que somos, do jeito que somos, do modo como atuamos e reagimos, vendo as relações e atividades do jeito que são, pelo que foram formadas, vendo a sociedade do jeito que é... Não sabemos o que fazer com tudo isso, não sabemos como participar disso de modo significativo. Penso que ainda não vemos, de fato, o que é, mas sim, o que ainda imaginamos ser. Precisamos de um insight libertário, um abracadabra, um eureca, um "ah! É isso!"

F: O que ainda não há.

O: Uma percepção que nos salve da dor da consciência de total desconexão, uma percepção no mais fundo disso que somos, uma conversão para nossa versão não traumatizada, não condicionada, não maneirizada, uma versão que, psicologicamente, não depende de nada e de ninguém.

F: Pelo pensar, não tem como. O pensar, faliu totalmente, o pensar é impotente para isso.

O: De certo modo, uma grande mutação psíquica já ocorreu em nós, visto que perdemos o medo do medo, o medo da dor, o medo da inquietude; perdemos a necessidade de buscar respostas em circunstâncias externas, em crenças, em livros, em grupos, em vídeos, em mestres e, o mais importante, como você disse, na própria capacidade de pensar, ainda que nosso pensar mantenha a mais aguçada lógica e razão. Chegamos numa qualidade de percepção, na qual sabemos que nada que tem origem na estrutura pessoal ou social, tem o poder de nos redimir da inquietude proveniente da consciência de total ausência de real conexão, de genuíno e significativo sentir. Outrora, sem sombra de dúvida, tal qualidade de percepção, nos levaria ao desespero suicida.

F: Percebo isso também.

O: Aqui consideramos apenas uma profunda e independente mutação interna. A mutação ocorrida nos deu a capacidade de ficar com o que sentimos, por mais que inquietante, de modo silencioso e sem deixar que o meio perceba a qualidade do que ocorre em nosso interior.

F: Sim, a observação passiva e não reativa nos deu tal capacidade.

O: Carecemos da lucidez para saber o que é melhor não só para nós, mas para o bem comum. Durante anos, por vários meios, por vários tipos de filiações, tentamos chegar nesse melhor para nós, mas nunca o encontramos de fato.

F: Resumindo, queremos sentir algo bom, que não esteja dependente de nada. Há um cansaço aqui, uma enorme impotência.

O: Em meio de nossa impotência, há uma profunda ânsia pelo sentimento de algo bom, algo que seja “incausado”. Por mais que queiramos, não conseguimos manter conexão com nada... nem com mãe, nem com irmãos, nem com filho, nem com esposa, nem com natureza... por mais que tentemos, tudo fica na dolorosa superficialidade.

F: Isso, um oco, um vácuo.

O: Nossa angústia maior é essa: “Eu faço a desconexão que não quero e, a conexão que quero, eu não faço”. Por mais que eu queira, só sustento desconexão.

F: Pelo esforço lógico e racional, não tem como, já tentamos isso ao longo dos anos e só conseguimos insucesso.

O: Pela lógica, pela razão e pela moral, não conseguimos, pelo menos até aqui, a conexão que tanto buscamos. Pelo cálculo também não chegamos nisso, pelas negociações calculadas não conseguimos isso, não conseguimos nos sentir bem e em real relação com tudo que é.

F: Percebemos a instabilidade de tudo e é isso o que temos. Pela capacidade de raciocínio lógico, não superamos a ausência de real conexão, ao contrário. Isso é o que percebo até aqui.