F: Pra mim fica cada vez mais claro: ninguém vê a ação do imaginal; ninguém vê que
é o imaginal que sempre está causando, gerando conflitos pessoais e
interpessoais. Se a observação não se instalar para esse fato de que é o
imaginal o único causador de tudo, e nada mais, nada mais, nada, nada... o
indivíduo está pego. Está pego! Vai levar uma existência inteira trocando seis
por meia dúzia. E se por acaso chegar nisto aqui, é capaz de ficar mais louco
ainda.
O: De fato, ninguém vê o imaginal,
alguns até imaginam que veem o imaginal. Se não conseguem ver nem mesmo o fluxo
do imaginal, como é que podem ver o impulso emotivo reativo? Nisso permanece
toda reação neurótica.
F: Depois de ver com
minuciosidade, grande parte da estrutura de funcionamento do imaginal, até
mesmo a moda deixa de fazer sentido.
O: Tudo é visto como variações
das modas do próprio imaginal. É o imaginal imaginando que aquilo deve ser
usado naquele momento, que aquilo tem valor naquele momento, naquela estação.
F: Isso.
O: Você percebe que a inquietude
que você sente agora, sempre esteve ai, desde a mais tenra idade, e que ela
sempre foi causada pelo imaginal? E que foi justamente a inquietude original do
imaginal, que impediu sempre a vivência integral das experiências do momento?
Essa inquietude sempre fez a gente andar pelos ambientes como que se pisando em
ovos, sempre com medo, com incerteza e com um forçoso comportamento de
ajustamento. Percebe isso?
F: Sempre esteve e percebo que
ela é causada pelo próprio imaginal. Inquietude quando não observada, somatiza
ansiedade.
O: Observe melhor: a inquietude é
ansiedade, não se trata de uma somatização.
F: Sim, ela é. Mas, quando vista,
ela não é somatizada. Percebi ontem.
O: Sugiro que observe melhor, e
verá que isso não se trata de um padrão.
F: A inquietude fica sempre pedindo
algo, fica trazendo ideias e mais ideias, como se fosse necessário perseguir tais
ideias.
O: Uma experiência só, não pode
ser tomada por padrão. Mesmo olhando a ansiedade, ela fica aí enquanto quer.
F: Se você não percebe isso, a
coisa vai entrando no sensorial. Interessante perceber isso.
O: Você pode não se identificar
com o que é pedido pela ansiedade, mas, mesmo assim, ela permanece. Mesmo a
observação é impotente diante dela; o mais que a observação pode fazer é ajudar
a não reagir aos ditames da ansiedade. Só isso. A observação não tem o poder de
interromper o fluxo da ansiedade. Querer interromper o fluxo da ansiedade, só
tem o pode de acrescentar ansiedade à ansiedade original.
F: Ela é a estrutura crua. Mesmo
quando ocorre a reação, depois de ter sido vista a própria reação, a inquietude
está lá.
O: Ela funciona em looping. Não
traz resultado diferente.
F: Se você fica parado observando,
a inquietude fica pipocando pedindo algo que, numa observação mais apurada, é
percebido como nada a ver.
O: Se você observar bem, verá que
sempre foi esse o mecanismo. Onde você estava, por causa da inquietude
original, você não estava bem. E, quando pensava estar bem, não percebia a base
de ansiedade, manifesta pelo medo da experiência ou a circunstância acabar. E,
não raro, ao fim da situação que aparentava bem-estar, lá estava a inquietude,
manifesta em melancolia, a qual, para ser superada, trazia a ansiedade pipocando
pedindo por mais daquilo ou por algo diferente.
Felipe: É isso mesmo, esse é o
ponto que tem que se pegar. Esse ponto a observação só vai constatar.
O: A inquietude sempre vinha das
vozes do imaginal ordenando: “Busque isso... Faça isso e você encontrará um
sentimento diferente”.
F: Mas enquanto o indivíduo não vê
isso, permanece no looping de busca ilusória. Isso leva a buscar por algo, por
uma ideia, por um sentimento ou circunstância imaginada, por uma dose de algo
mais que é criação do imaginal.
O: Sim, faça aquilo e, quem sabe,
você encontrará um estado de ser diferente, você vai saber o que é felicidade,
liberdade e amor.
F: Exato. A mente segue nesse
looping cujo fim se mostra nas consequências...
O: E aí começa um novo looping de
ansiedade, pipocando para fazer algo quanto as consequências. Veja como tudo
isso é patético!
F: Exato! Essa percepção é
matadora; nos lança num profundo xeque-mate.
O: Você sabe, nada significativo
foi encontrado nesse modo de funcionamento, o qual sempre terminou em algum
modo de insanidade.
F: O limite da estrutura parece
ser isso. Quem chega nisso, percebe a limitação da própria observação; é só um
olhar além da estrutura, que pode nos libertar da adulteração da estrutura. Quando
chegamos nesse momento, é visto que ficar observando a estrutura, também é
outra atividade enfadonha. Isso é sentido. Essa inquietude me parece que vem do
fato de negar o óbvio de que, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, é passante, e a
estrutura tenta, de alguma forma, fazer com que algo seja permanente. Aí fica o
lance central que hoje é percebido: O oco é a inquietude primária. Se não
instalar a percepção de que o imaginal é o grande causador de tudo... acabou...
Esquece! O ponto central é a instalação da observação, a qual vai aprofundando
cada vez mais e permitindo esses lances de percepção. A observação muda assim
como muda a percepção.
O: Não se trata de escolha.
F: Sim, não se trata de escolha.
Em nenhum momento afirmei isso.
O: Não tem mais como deixar de observar.
F: Isso é um fato. Uma vez que a
mente se abre para uma percepção da realidade, impossível voltar ao estado
anterior de percepção. Do mesmo modo que o fluxo do imaginal, a observação
passiva não reativa acaba rodando por si.
O: Antes, devido o fato do
imaginal não ser percebido de imediato, não se vivia as circunstâncias em sua
integralidade. Mesmo vendo o imaginal, percebo que o mesmo ocorre, não há uma
percepção integral, a percepção ainda se dá em partes.
F: Por isso é que afirmo ser
besteira se debruçar por respostas no imaginal. Por vezes sinto ser difícil relatar
o que percebo. Mas é algo semelhante quando você diz: “Tudo está consumado”.
Nisso você pega o tronco, a aorta que bombeia a estrutura. Chegamos no mesmo
ponto que eu só vi o Krishnamurti é o Bohn chegarem; mesmo o psicólogo David
Shainberg, não conseguiu pegar isso. Naquela entrevista, só os dois chegaram
nisso. Sensacional isso. No entanto, David
Shainberg disse que o fluxo do pensamento para; já o Bohn afirma que o fluxo não
para, que o mesmo permanece em looping, enquanto que Krishnamurti, fala que nisso
ocorre uma mutação total na estrutura. Pronto! Veja que interessante chegarmos
nisso por experiência própria, portanto, já não importa se eles chegaram ou não
na percepção disso.
O: Concordo!
F: A observação não é algo que
nos leva a algo; ela é o que pega a estrutura aqui e agora, com essas ideias de
ter que chegar a algo. É por meio da observação, que deixamos de ficar como
antes, feito baratas tontas por aí, se alimentando das pútridas migalhas psicológicas
da mesa de terceiros. Ela só serve para pegar as projeções e os impulsos emotivos
que parte da estrutura, e nada mais! Chegamos nisso!
O: Concordo! Algo mais radical, além
da observação, precisa se manifestar de modo libertário. É o que percebo aqui.
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