F: O que de fato controlamos? Com o que estamos, de fato, conectados? Percebo que nada!
O: Patético isso, esse viver ligado
ao looping do imaginal sensorial condicionado, a esse looping de não saber o
que fazer com a vida. É um carecer de lucidez que nos possibilite ficar livres
da inquietude que não nos permite apreciar nada em sua totalidade. Tudo isso é
visto com sobriedade, sem aquele antigo e neurótico desespero, o qual nos fazia
correr para os mais diversos tipos de sistemas de crença, crendices populares,
escolas, sistemas e programações. Permanecem os filmes mentais e emocionais, sem
que ocorra qualquer identificação reativa, nem com os pessoais filmes internos,
nem como os filmes do que se passa na sociedade. O modo de viver social, pelo
que foi visto até aqui, para nós, se mostra algo absurdamente patético.
F: Percebemos a falência do que
está estruturado, tanto em nós mesmos, como no que diz respeito a sociedade. A
estrutura, seja ela pessoal ou que é de criação da estrutura social, não nos dá
o poder de transcender de vez a estrutura psicológica.
O: Isso: carecemos de um poder
superior a estrutura fria, calculista, complexada, débil, traumatizada, estruturada
na inquietude do medo.
F: Tudo que vem da sociedade, no
que diz respeito a transcendência da estrutura condicionada, já se mostrou inútil
para nós.
O: Sim, não nos outorga o poder
de real conexão com nada.
F: Único lugar dela é para fazer
as coisas do cotidiano, no que diz respeito a sustentação do corpo físico, não
vejo mais nada de funcional nela.
O: Se não ocorrer uma mutação
total, uma formatação completa em nossa capacidade de percepção e sentir,
estamos fadados a angústia e ao vazio que sentimos mais fortemente agora, uma
vez que não estamos mais narcotizando esses sentimentos, com nenhum tipo de
narcótico, seja ele socialmente aceito ou não.
F: Sim, estamos olhando para
isso, e sentindo isso, de modo sóbrio pela primeira vez na vida.
O: Certo, que já ocorreu uma significativa
mutação psíquica, a qual nos capacita a ver isso tudo sem pânico, sem desespero,
sem correr atrás de crenças, pessoas e instituições.
F: Não há pânico em ficar com o
que sentimos.
O: Precisa ocorrer uma nova
mutação psíquica.
F: Vejo que só um milagre.
O: Sim, algo além de nossa ação tem
que ocorrer... Uma luz no fim do túnel da estrutura condicionada. Estamos
atravessando esse túnel de modo consciente, sem muletas, vendo o que somos, do
jeito que somos, do modo como atuamos e reagimos, vendo as relações e
atividades do jeito que são, pelo que foram formadas, vendo a sociedade do
jeito que é... Não sabemos o que fazer com tudo isso, não sabemos como
participar disso de modo significativo. Penso que ainda não vemos, de fato, o
que é, mas sim, o que ainda imaginamos ser. Precisamos de um insight libertário,
um abracadabra, um eureca, um "ah! É isso!"
F: O que ainda não há.
O: Uma percepção que nos salve da
dor da consciência de total desconexão, uma percepção no mais fundo disso que
somos, uma conversão para nossa versão não traumatizada, não condicionada, não
maneirizada, uma versão que, psicologicamente, não depende de nada e de ninguém.
F: Pelo pensar, não tem como. O
pensar, faliu totalmente, o pensar é impotente para isso.
O: De certo modo, uma grande
mutação psíquica já ocorreu em nós, visto que perdemos o medo do medo, o medo
da dor, o medo da inquietude; perdemos a necessidade de buscar respostas em
circunstâncias externas, em crenças, em livros, em grupos, em vídeos, em
mestres e, o mais importante, como você disse, na própria capacidade de pensar,
ainda que nosso pensar mantenha a mais aguçada lógica e razão. Chegamos numa
qualidade de percepção, na qual sabemos que nada que tem origem na estrutura
pessoal ou social, tem o poder de nos redimir da inquietude proveniente da
consciência de total ausência de real conexão, de genuíno e significativo
sentir. Outrora, sem sombra de dúvida, tal qualidade de percepção, nos levaria
ao desespero suicida.
F: Percebo isso também.
O: Aqui consideramos apenas uma
profunda e independente mutação interna. A mutação ocorrida nos deu a
capacidade de ficar com o que sentimos, por mais que inquietante, de modo
silencioso e sem deixar que o meio perceba a qualidade do que ocorre em nosso
interior.
F: Sim, a observação passiva e
não reativa nos deu tal capacidade.
O: Carecemos da lucidez para
saber o que é melhor não só para nós, mas para o bem comum. Durante anos, por
vários meios, por vários tipos de filiações, tentamos chegar nesse melhor para
nós, mas nunca o encontramos de fato.
F: Resumindo, queremos sentir
algo bom, que não esteja dependente de nada. Há um cansaço aqui, uma enorme
impotência.
O: Em meio de nossa impotência,
há uma profunda ânsia pelo sentimento de algo bom, algo que seja “incausado”. Por
mais que queiramos, não conseguimos manter conexão com nada... nem com mãe, nem
com irmãos, nem com filho, nem com esposa, nem com natureza... por mais que
tentemos, tudo fica na dolorosa superficialidade.
F: Isso, um oco, um vácuo.
O: Nossa angústia maior é essa: “Eu
faço a desconexão que não quero e, a conexão que quero, eu não faço”. Por mais
que eu queira, só sustento desconexão.
F: Pelo esforço lógico e
racional, não tem como, já tentamos isso ao longo dos anos e só conseguimos
insucesso.
O: Pela lógica, pela razão e pela
moral, não conseguimos, pelo menos até aqui, a conexão que tanto buscamos. Pelo
cálculo também não chegamos nisso, pelas negociações calculadas não conseguimos
isso, não conseguimos nos sentir bem e em real relação com tudo que é.
F: Percebemos a instabilidade de
tudo e é isso o que temos. Pela capacidade de raciocínio lógico, não superamos
a ausência de real conexão, ao contrário. Isso é o que percebo até aqui.
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