20/02/2024

Diálogos sobre o estado não condicionado pelo medo

Out: Não adianta conjecturar sobre o modo de ser, enquanto não ocorre o colapso da débil, inseguro e limitada estrutura com base no medo. Sem dúvida, tal estado é uma realidade. No entanto, como ele vem, porque vem ou o porquê de não vir, não tem como saber (pelo menos é o que parece até aqui). Não tem como saber como chegar naquilo. Várias escolas místicas, esotéricas, espiritualistas, tentaram formular um sistema, um método, um caminho, os quais, ao fim de longo esforço, se mostraram apenas como novas formas de condicionamentos que não libertam de fato. Aquilo que muitos indivíduos viveram em breves lampejos, se encontra além do próprio entendimento, além do cérebro, além da biologia e fisiologia. Aquilo não está condicionado por nada físico, mental ou emocional... Aquilo É por si.

R.M.: Sim... Aquilo é. Sem dúvida alguma, se debruçar sobre conjecturas é pura perda de tempo, sinal de imaturidade.

O: O indivíduo não precisa de "vegetais sagrados" para entrar num estado alterado de consciência, visto que ele sempre viveu e ainda vive num estado de consciência alterado por crenças, achismos e condicionamentos. Já aquele estado de ser vivenciado em forma de vislumbres,  é a própria consciência sem qualquer alteração ou condicionamento.

R.: Out, você precisa se permitir alguma iniciação quântica, para alinhar sua frequência vibracional, para ser capaz de acessar a quinta dimensão.

O: Pois é! Tem ilusão para todo tipo de mente. Na real, quanto mais observamos as variedades das experiências ilusórias, mais solitários e desamparados ficamos... Não tem nada dos condicionamentos manifestos que possa nos levar ao Imanifesto Incondicionado. Todas essas invencionices do terreno da crença, do misticismo, do esoterismo, da espiritualidade e da psicanálise, não tem nada de diferente das compartilhadas drogas sociais como política, futebol, jornalismo tendencioso, reality shows e celebrações culturais... Tudo isso só serve para narcotizar por pouco  tempo, a inquietude provocada pela base de medo.

C: Out, você já reparou que tudo que surge, seja nos nossos contatos diários ou de qualquer parte deste planeta, são repetidas abordagens, muitas delas copiadas de livros tidos por sagrados ou da fala de homens e mulheres considerados santos ou mestres ou, então, repetições dos conteúdos das mídias sociais, das tvs ou das escolas? Somos constantemente bombardeados por isso, não surge nada de realmente original e significativo. É terrível a convivência com isso.

O: Sim, são atualizações de crenças já vistas como ilusórias.

C: É exatamente o que sinto.

R: Sim, a mente precisa se sentir envolvida, identificada com algo que veja espelhado na sociedade. Você quer ver algo que incomoda profundamente a maioria das pessoas? Experimente afirmar em seu meio, que a vida não tem nenhum objetivo... É revelador observar a própria mente diante dessa afirmação. A minha, se contorce toda, tentando arrumar ou justificar algum objetivo; sua última cartada foi a conquista da iluminação, o despertar. Uma vez eu disse a uma psicóloga, que eu não tinha nenhum objetivo na vida. Ela apresentou um olhar assustado e me deu o retorno de que meu caso era o mais grave de todos.

O: Isso natural, afinal, ser psicólogo, não é atestado algum de ser um ser estabilizado no estado incondicionado de ser.

R: Out, neste ponto em que acredito que nos encontramos, onde nada mais da cultura capitalista ou espiritualista nos causa identificação, por vezes, os dias se mostram bem pesados. É assim mesmo. No entanto, na minha vivência, por vezes acontecem breves momentos de um respirar mais leve. Parece que chega um momento do processo de descondicionamento, que se faz necessário abandonar toda a lógica e razão. É um momento muito delicado que, por vezes, soa como loucura.

O: Não tem nada de loucura nisso. Lógica e razão são sempre condicionados ao tempo, espaço e tradição cultural. O que foi lógico e racional nos tempos da ditadura, hoje, para a maioria de nós, já não soa como lógico e racional. E, em muitos lugares, comportamentos ditatoriais ainda soam como lógicos e racionais.

R. Esse ponto do abandono da lógica e da razão condicionada, é algo próximo da “rendição”, apesar de ser algo que também não podemos fazer por vontade própria. Vejo que, o máximo que podemos fazer, é nos aproximarmos do colapso por meio do abuso e nossa vontade condicionada. É paradoxal, porque, no fundo, nada estamos fazendo. No entanto, podemos sim caminhar em direção ao abismo, e saltar no nada, no vazio, na dissolução do eu imaginado no Real. Por vezes, surgem alguns clarões, onde tudo se mostra claro e simples. Posso dizer até que seja uma experiência direta da dissolução do eu... Comigo, quando surge esse rompimento da estrutura, ocorre uma leveza em paralelo com algo assustador e não agradável.

O: Para mim isso é ranço das suas crenças, daquilo que leu, afinal, se houve de fato a dissolução do eu, por que ele ainda se encontra aí e não a clareza simplificadora?

R: A resposta é clara: o eu sempre vai se utilizar de uma série de truques para não permitir o colapso libertário.

O: As crenças ilusórias além de estarem sempre presentes, estão aumentando em suas variações com o advento das redes sociais.

R.M.: Uma fauna sem fim... Eu mesmo me dedicava a um pretenso boletim astrológico, do qual dei um tempo, porque percebi que não me compete interferir no karma de ninguém. Se o karma de fato existir, o que tiver que acontecer com o indivíduo, acontecerá. Cada um que lide com as consequências de seu karma da melhor forma que lhe for possível.

O: Para mim, karma, planejamento kármico, são também ilusões, produtos de condicionamentos culturais.

R.M.: Tenho observado isso. Fica essa barganha de fazer aquilo que gera isso... do que fiz lá atrás – que nem ao menos sei o que foi e que não tenho acesso real -... e a outra pessoa em outa vida e lugar imaginado... Me parece mais um delírio.

O: Entramos em contato com esses implantes sociais, em períodos em que estávamos por demais desequilibrados, dominados por várias manias, tendências compulsivas, medos, inquietos, ansiosos e confusos, em busca de algo para nos agarrar e nos acalmar. Por estarmos tão desequilibrados, não havia como observar todas essas crenças e implantes sociais de modo lúcido e sóbrio. Então, eles se tornaram tão reais para nós, que passamos, muitas vezes de modo compulsivo, a ser mais um condicionante agente sistêmico, trabalhando para implantar nossa crença incerta, em outros indivíduos do nosso convívio.

R.M.: Na mosca! E percebo também a tendência oscilatória de não conseguir sustentar toda inquietação e logo recorrer, se apegar a algo próximo de nós, para nos sentirmos menos inquietos e inseguros, um pouco mais completos e estáveis. Algo semelhante a uma recaída num comportamento obsessivo compulsivo, pois, as ofertas são muitas.

O: Essa tendência de recorrer ao já percebido como ilusório, vai ruindo com o amadurecimento da observação. Somos lançados num profundo e inquietante vazio, numa quase que insuportável solidão psicológica. A observação amadurece ainda mais com a entrega passiva a vivência plena desse vazio e dessa solidão, sem se entregar aos apoios ilusórios de um passado imaturo.

R.M.: A sedução para se filiar a algum grupo é algo forte demais. Quanto mais inseguro e assustado, mais o indivíduo se aproxima de outro indivíduo que assim também se encontra, só que este último cria para sua própria proteção e conforto, uma teoria, um sistema, uma prática um pouco remodelada de práticas passadas já consagradas, tão sedutoras quanto o seu próprio medo. Quanto maior o medo inconfesso, maior a teoria! Quanto mais desconforto, maior a busca por ilusões.

O: Não há teoria que possa nos apresentar o estado não condicionado pelo medo. Tais teorias sempre dão ao indivíduo a liberdade das asas de Ícaro. O indivíduo nunca alcançará com seu esforço, aquilo que não vem do esforço. Nosso esforço é impotente até no que diz respeito ao alcance do colapso da débil, maníaca e limitada estrutura psicológica com base no medo.

R.M.: Verdade! Isso não vem do esforço! Hoje você está certeiro, ou, quem sabe, eu que estou escutando melhor. Hoje é a segunda que encaixou feito luva.

O: Tanto o colapso como o estado não condicionado pelo medo, não podem ser condicionados de forma alguma, porque eles não são produtos do cálculo, da lógica ou da razão; eles são fatos que independem de nosso esforço. Por isso que toda teoria, crença, programação, ritual, prática ou estudo — no que diz respeito a um estado livre do medo — é investimento na ilusão. Tudo isso, assim como o esforço, é a própria estrutura insegura se fortalecendo. Agora, tente dormir com isso!

A: Enquanto meditava aqui, me veio o seguinte: Talvez alguns poucos homens e mulheres foram ou são a expressão laboratorial que não “deram certo” ou não funcionaram na perspectiva do observador. E não me refiro a “estar” livre; é constatar o fato de que nunca estivemos livres em sua totalidade integrativa. O máximo de liberdade que experimentamos foram nos momentos de vislumbre do estado não condicionado pelo medo. A base não condicionada pelo medo, produziria que qualidade de ser?

O: Qualquer conjectura sobre isso, para mim, é investimento na ilusão.

A: Para mim, isso dá margem para reflexões.

O: A reflexão é sempre no campo do já conhecido, no campo do manifesto. Como refletir sobre o que não é plenamente conhecido? Pura perda de tempo e energia. O máximo que conseguimos é observar e entender melhor o mecanismo do conhecido limitado, insatisfatório e inquietante. Não podemos falar da totalidade incondicionada, enquanto condicionados pela memória do que vivemos em vislumbres.

A: Pois é! Enquanto isso, ficamos empacados como estamos, observando todo esses bosteiro social.

O: Estamos como o personagem Morpheus, do filme Matrix,  fugindo dos sentinelas sistêmicos, num quarto escuro da nave Nabucodonosor: indivíduos semi conscientes, mas não livres.

A: Observando bem, isso é outra tentativa de verbalizar o já vivenciado, e não o agora. Realmente, não faz sentido.