O: Outra coisa que me parece ser
interessante observarmos juntos... o condicionamento de ter que praticar alguma
espécie de "renúncia"... renunciar a vontade própria e se entregar à
vontade do guru, renunciar a vontade própria para poder ganhar "O reino
dos Céus", o "Despertar Espiritual", o "Espírito
Santo", a "Recuperação", a "Salvação", seja lá o nome
que você queira retirar de qualquer cultura. O condicionamento de ter que fazer
sacrifícios externos para o alcance de uma imaginada qualidade interna.
F: A ideia da necessidade de
renúncia está diretamente relacionada com o que abordamos anteriormente.
O: Veja que essa ideia da
necessidade de renúncia de algum fator externo, isso está inserido até nos
preceitos tidos por espirituais dos grupos anônimos.
F: Sim descobrir por meio da meditação,
qual é a vontade de Deus, e a Ele rogar forças para poder cumprir com essa
vontade.
O: A renúncia da vontade pessoal pela
prática da vontade do Deus criado pela própria imaginação. Essa renúncia, ao
meu ver, ainda é um ranço dos cálculos da mente com base no medo: eu lhe dou
isso e você me dá aquilo que eu imagino ser necessário para o meu bem-estar.
F: Renúncia da vontade pessoal é
o imaginal aplicando mais um golpe em si mesmo; ele renuncia a si, barganhando
que ganhará algo ali na frente.
O: Então, vejo que tem um certo
sentido na ideia de renúncia, mas não como esforço para se abster a um padrão
de comportamento externo ou circunstância.
F: Eu já não vejo sentido algum
nessa ideia de renúncia. Vejo sentido na compreensão do que é, como é.
O: Calma, calma, Vamos devagar
aqui. O que vejo sentido na renúncia, diz respeito ao que dissemos agora há
pouco, a renúncia de se identificar com o impulso de qualquer busca.
F: Sim, visto que toda busca, no
sentido psicológico, só existe no imaginal.
O: A renúncia de alimentar
qualquer tipo de expectativa, como dissemos.
F: Para mim, tudo que cai na rede
do imaginal não é peixe. Para mim seria isso.
O: A renúncia do esforço pessoal,
do cálculo, do uso do próprio imaginal como ferramenta de transcendência do
próprio imaginal; a renúncia de se identificar com o conteúdo que o fluxo
projeta; a renúncia de alimentar qualquer impulso emotivo reativo escapista.
F: A renúncia de algo que se
imagina que possa aliviar toda confusão e inquietude. A renúncia, para mim, também
é uma forma de identificação com o conteúdo que parte do fluxo condicionado
pelo que se leu, ouviu ou assistiu.
O: A renúncia de fugir da
inquietude, do vazio, do oco, da solidão, ou do que quer que esteja brotando do
fluxo. Esse me parece ser o real sacrifício, essa me parece ser a renúncia real.
F: Ahaammmmmm... Está aí! Então
seria uma estado que me tire de todo sofrimento que é a vida como é.
O: Fora isso, tudo que é tido por
renuncio no que diz respeito a psique, vejo como medo, cálculo, fuga... uma
fuga mais refinada, que deixa de ser por meio da maconha, da cocaína, do sexo,
do flerte, da sedução, do dinheiro, do poder, do prestígio, para ser a fuga
divinizada, santificada, sacralizada na vontade do Deus criado pelo confuso e
inseguro imaginal. Como você recebe isso?
F: Me parece então que a
estrutura, não querendo sentir a inquietude, busca imaginariamente, uma forma
de escapar da vida diária!
O: Veja, a própria ideia da
necessidade de renúncia, se sustenta numa base dualista, que também tem base na
sua interpretação conceitual de bem-mal, defeito-virtude, doença-saúde,
disfuncional-funcional.
F: Quer então ganhar algo extra,
de se tornar algo especial? Renúncio isso, desde que eu tenha um estado
alterado de consciência! Pegou a sutileza? É sempre o mesmo truque, mesmo
mudando as imagens do baralho.
O: Tentamos o estado alterado da
consciência, por meio das drogas licitas e ilícitas, por meio de bebidas
enteógenas, e agora, tentamos pela droga de uma imaginada barganha celeste.
F: Exatamente. Ou mesmo pelo
intelecto, tipo, obter um conhecimento específico, o qual melhore da dor
inquietante do dia dia, no caso do assunto de agora.
O: Sim, mas a questão da
aquisição de conhecimento, esse me parece ser ainda algo muito primário. Veja, parece-me
que o mais forte e último dos condicionamentos, é a barganha do sacrifício
sagrado.
F: Sim, com a expectativa de se
tornar uma pessoa santa, boa, moral ou melhor... O conhecimento de uma nova crença,
religião ou filosofia, não é mágica ou mística, que possa levá-lo à paz e
felicidade eternas, não se trata de felicidade e tal, ou tipo uma liberdade de
emoções e sentimentos de intenso sofrimento.
O: Veja, esse condicionamento do sacrifício,
da renúncia, permeia o imaginal coletivo por séculos e séculos; ele está nos
contos, nos filmes, nas novelas, nos cultos, nos jogos, no centro de quase
todos, senão todos, sistemas de crença organizada.
F: Estamos detonando tudo por
meio disso... A renúncia do eu, do ego, do mim, da pessoa... Mas o que não é
percebido pela maioria, é que a renúncia para se livrar dele, ainda é ele
criando o looping da renúncia.
O: Mas mesmo o eu, o ego, o mim, a
pessoa, e a ação para a renúncia dos mesmos, parte da estrutura.
F: Exato! A renúncia para a
solução dos problemas de relacionamento do eu. Percebe também aí a barganha, a
continuidade do cálculo autocentrado?
O: A renúncia de si mesmo, sem
dúvida, me parece mais um cálculo, mais uma barganha.
F: Sim. Renuncio o que penso para
poder parar os pensamentos, mudar os pensamentos, me livrar dos pensamentos... Percebe?
O: É o Doutor Estranho barganhando
em looping com Dormammu.
F: Sim! (Risos)
F: Autoaperfeiçoamento... Nossa
mãe! Não se trata nada disso!
O: Acho que aqui, tocamos num dos
condicionamentos dos mais difíceis de ser aceito pela mente coletiva.
F: Para mim, tudo isso ainda entra
no looping das expectativas. Faz todo sentido. Um pacote de expectativas, no
caminho da dita iluminação! (Risos)... Não tem jeito: a observação passiva e
não reativa, quebra tudo, deita tudo ao chão...
O: Sem dúvida alguma!
F: Vamos colocar assim uma
espessa camada de expectativas e narrativas, sobre a jornada imaginaria rumo à
iluminação, adquirida de séculos, e estruturada por anos e anos de busca. Destruiu...
Durma com isso, quem conseguir dormir... A observação arranca todo tipo de cenoura
espiritual, arranca toda flauta mágica. Mano dos céus! Violência total!
Verdadeiro mentecídio!
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