27/01/2021

A demolição dos imaginados "Você tem que"

 

F: Com tudo que temos observado juntos, chego no seguinte ponto: é falso todo o conteúdo do fluxo mecânico e não solicitado do imaginal-sensorial condicionado. Não há nenhum caminho, nenhum sistema, nenhuma programação, nenhuma prática, nenhum esforço pessoal que funcione para limpar isso, para fazer com que tal fluxo se detenha. Você pode fazer o que quiser, como já o tem feito até aqui, mas, no fim do esforço, se você for sério, verá que ele continua lá, portanto, qualquer ação da estrutura para superar a estrutura, trata-se de um investimento no falso.

O: Percebo o mesmo aqui.

F: Não tem como negar que o conteúdo é falso, ela está ali, mas continua falso... O indivíduo pode negar o imaginal e seus absurdos, o quanto quiser. Já tentamos nos ajustar a princípios religiosos e espiritualistas para tentar trocar defeitos por virtudes, para poder melhorar o caráter, crescer espiritualmente — seja lá o que isso queira dizer. Já tentamos de tudo que chegou ao nosso alcance e, depois de muito esforço, percebemos que nunca saímos do lugar... Sempre ficamos na dança de trocar seis por meia dúzia... Tudo se mostrou ilusório!... Você sabe, já tentamos a crença, já imaginamos um Deus e para ele rezamos e rogamos, tentamos manter um contato consciente com esse Deus, o qual era um produto da confusão do nosso imaginal, para tentar acabar com a confusão do imaginal... Tudo falso! Tudo ilusão! Vimos tudo isso, por mais que desejássemos, não funcionou.

O: Não ficou a menor sombra de dúvida quanto a falsidade de tudo que tentamos até aqui.

F: Você pode analisar o conteúdo o quanto quiser, mas ele ainda é falso. Já estou com você nessa observação há quase dois anos... No entanto, por mais clareza que conseguimos com o processo de observação passiva não reativa, ela também não se mostrou capaz para deter o conteúdo, que em si mesmo, é falso.

O: Sim, muitos confrades bem intencionados tentaram a observação passiva não reativa, mas, até aqui, nenhum deles consegui transcender sua inquietude original, a maioria até abriu mão do conteúdo do paradigma, e se entregou a algum tipo de filosofia. Por isso que afirmo que ninguém se vê livre do falso, sem que, num momento inesperado, seja invadido por um derrame da verdade, por um derrame de lucidez.

F: Calma! A percepção que o conteúdo é falso, me parece ser o mais elevado estado da observação, de que todo imaginal é falso. Isso é o mais elevado estado da observação até aqui.

O: Olhando na história, ninguém foi além da simulação de sentir e do cálculo autocentrado, sem um derrame da verdadeira capacidade de sentir e de perceber a realidade.

F: Quero dizer outra coisa, sem entrar aí... Estamos vendo que não sentimos cálidos e significativos sentimentos, que não temos real afetação por nada... Esse é o ponto, já não há mais negação ou simulação quanto a isso, essa é a verdade; chegamos nisso, por mais dolorosa que seja essa percepção!

O: O estado já foi além da observação do falso... se encontra na possibilidade de não reagir de forma alguma a esse falso percebido, pois qualquer reação, aqui é igualmente vista como falso.

F: Também entendo isso, claramente e sem esforço. Mas veja que chegamos nesse estado de não ter nem palavras para descrever o que está acontecendo...

O: Vimos que reagir, seja de que modo for, enquanto na mente com base no medo, é lançar mais gasolina para o falso.

F: Sim! Mas ainda não é isso... Veja, o indivíduo pode lutar para não reagir — o que é diferente de não reagir — porque a não reação também está acontecendo sem qualquer esforço de nossa parte; nem sempre mas com maior frequência.

O: Quando há esforço para não reagir, é ainda um investimento no funcionamento do falso, trata-se da própria estrutura em ação, por meio de seus condicionamentos.

F: Foi a percepção do falso — que é o conteúdo do imaginal — que nos trouxe até este momento, o qual afirmo ser um momento distinto de tudo que já vivi. Todo condicionamento de ter que ser isso, de ter que ser aquilo, de ter que fazer isso ou aquilo para chegar naquilo que é imaginado como solução, etc., etc., etc., tudo isso está morrendo de modo natural.

O: A mente quando se depara com isso, reage, lançando a ideia de que, por você não estar fazendo nada, está caindo num estado que só pode ser loucura.

F: Sim, o imaginal diz que a loucura está aqui, batendo na porta... O imaginal grita que pirei de vez...

O: Isso é muito natural, visto que a mente foi condicionada para lutar, para batalhar, para disputar, para reagir... A totalidade de sua educação — que não tem nada de educação, mas sim, de condicionamento — está sustentada na ideia do tipo: "comerás o pão com o suor do teu rosto"...

F: Isso é também um fato constatado, aqui e agora. No entanto, vamos com calma...

O: A educação glorifica e presenteia a lógica e a razão... Mas com uma observação mais apurada, não é difícil de você perceber que a própria lógica e razão, são igualmente falsas.

F: Sim, a própria lógica e a razão são falsas. Mas, quero ficar nesse ponto da percepção de que todo conteúdo do imaginal é falso, assim como na clareza que a percepção disso traz. Porque veja, tentamos a vida toda mudar isso, entender isso, ou fugir disso... Principalmente, antes de se instalar a observação passiva e não reativa, o fato que não sentirmos real afetação, real comunhão, era visto com muita culpa, muita dor, autopiedade, etc., etc., etc. Percebo agora que, com o amadurecimento da observação, começamos a ver a queda do mundo dos conceitos que criam a culpa, a dor, a autopiedade e tudo mais... Vemos a banalidade disso tudo.

O: Não vamos dizer que a lógica e a razão são falsas, mas que são limitadas, não alcançam a percepção da realidade do que é. O que você vê como lógico agora, daqui cinco minutos, pode ver como falso. Tome isto como exemplo: num determinado momento da sua experiência, você vê como lógico votar no candidato "X" e, depois de alguns meses, "quando X" se revela, você percebe que não foi nada lógico acreditar em "X", portanto, que agora se mostra lógico apoiar seu processo de impeachment.

F: Sim, vemos que por meio da lógica e da razão, nunca alcançamos a percepção plena da realidade. Vendo tudo isso, chegamos realmente, no fim do esforço, chegamos na limitação da lógica e da razão. Vemos tudo isso como fato, sem espaço para mimimi, sem chororô e sem recorrer ao imaginal.

O: Exato.

F: Até nossos sentimentos estão falsificados, porque são rotulados pelo falsificado imaginal. Tudo isso está claro demais, nunca tive uma percepção tão aguçada. Por isso chegamos no ponto em que as palavras não alcançam... Chegamos no mundo do Morpheus... Tudo sensações rotuladas pelo imaginal.

O: Sim.

F: Ontem você me perguntou: Você viu Deus? Viu o espírito? Viu a alma?... Nem deus, nem muita coisa... recebemos um baita condicionamento, uma violenta carga conceitual. Percebo que chega num nível que tudo é o que é, e ponto final. Nossa, isso arrebenta a cabeça! Estamos olhando a coisa como é, observando o tempo todo, e isso é tudo! Só nos cabe a observação, mais nada! Por sorte que isso rolou. O que tem que ou que não tem que, tudo isso agora é visto como papagaiada, tudo incertas doações psíquicas de terceiros, tudo formas de condicionamento, tudo falácia. E só nos agarramos a isso por tanto tempo, por que era muito grande nosso estado de confusão. Nossa insanidade, nossa ausência de autonomia psicológica, não deixava perceber a falácia disso tudo: ter que ser bom filho, bom funcionário, bom pai, bom patriota... Não saber o que é isso mas simular ser isso... Ter que ser isso, ter que ser aquilo, ter que ter boa vontade, ter que amar pai e mãe, ter que amar Deus sobre todas as coisas, ter que reparar, ter que ter sucesso, poder e prestígio... Nossa! Que leveza perceber e largar todo tipo de “tem que”! Nossa, mano!

O: Uma enorme rede de inquestionados condicionamentos.

F: Chegamos no ponto de ver o quão hipócrita é a totalidade do conteúdo do imaginal sensorial condicionado... A totalidade... Com a observação passiva não reativa, de fato, não fica pedra sobre pedra.

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