12/01/2022

Não conseguimos sair de nossa bolha emocional

C: Bom dia, Out! Li o texto sobre se existe a cura emocional... É, aqui, não muda muito não; só os lugares, mas o enredo é o mesmo e hoje ampliou, pois em nenhum lugar se encontra um só membro que tenha essa clara percepção do viver. Tudo muito patético. Antes ainda conseguia ver alguma coisa na TV; hoje, passo os olhos e só vejo bobagens, patetices, e como alguém consegue achar sentido e graça nisso?

O: A patetice não está somente no conteúdo da TV; se encontra em tudo, em todos os assuntos diários.

C: Sim, a patetice está em tudo. Acho que estamos que nem a Elis Regina: vendo o mundo de um prisma errado.

O: Sei lá, só sei que não acho saída. Não há o que mude nossa percepção e sensação e a inquietude, só aumenta. Com o descondicionamento, a vida ficou sem um Norte. Antes tínhamos um norte condicionado pela moda, mas o descondicionamento mostrou que esse norte era ilusório; mesmo um norte para a cura da inquietude não existe mais. Como a Deca não cansa de repetir, a coisa está punk! Antes dava para ter como um norte, a tentativa de desfrutar do nosso tempo com quem “imaginávamos amar” ou que “imaginávamos que nos amavam”. Dava para acreditar ser um norte, o contato com a natureza, com os animais ou com aquilo que acreditávamos ser Deus. Tudo isso foi percebido como ilusório, até mesmo a ideia de “esforço” para ver os milagres da vida. Em nossa adolescência espiritual, tentamos tudo isso que, em última análise, com o passar do tempo, se mostrou insatisfatório, irreal. O que ficou é a inquietante percepção de que não existe uma genuína e espontânea conexão com nada, todo tipo de relação exige um esforço que acaba sempre na percepção do mesmo hiato, do mesmo isolamento emocional, do mesmo vazio, da mesma falta de sentido real. Quem ainda não viveu essa constatação de modo visceral, não tem como saber o que significa a inquietude da qual falamos aqui, inquietude essa que não nos permite mais alimentar qualquer tipo de crença ou achismo. O descondicionamento fez tudo cair de moda, digamos assim.

MZ: Antes tentávamos em revistas, jornais, livros e crenças, achar algo de diferente, mas nunca achávamos de fato e, com a minha idade, já não alimento mais essa ilusão. Não tenho mais essa esperança.

C: Sim, o descondicionamento fez cair o norte de tudo, deixando apenas essa inquietude, esse desassossego.

O: E agora? É só isso?

MZ: Eu estou para lhe dizer que é só isso. Antes, as ilusões me davam um certo alento, uma certa direção, mesmo quando eu pressentia que era só mais uma ilusão. Agora, com essa desilusão, não tem mais para onde fugir. O bicho pegou para mim, não vejo mais onde me agarrar. Quando você tem alguma ilusão, você alimenta uma expectativa, mas agora, não tem mais nada disso, não tenho mais esperança alguma. Também não dá mais para descarregar a inquietude sobre os ambientes, pois eles não são a exata natureza do meu desassossego. Antes alimentava até mesmo a esperança de encontrar alguém na condução, mesmo que desconhecido, que me dissesse algo que me tocasse de fato, mas hoje, isso não existe mais.

O: Só um milagre.

MZ: Milagre não sei se existe! Milagre não! Acho que tinha que ser alguma coisa real; algo que fosse palpável, sentido.

O: O alcance dessa coisa palpável sempre foi uma expectativa nossa.

D: Mas essa coisa palpável ainda é dos sentidos condicionados; é algo da própria mente querendo encontrar algo conhecido dela. Tudo isso está dentro do limitado e ilusório campo mental.

MZ: Nós não sentimos e não temos nem mesmo a honestidade emocional para aceitar e afirmar essa nossa incapacidade de sentir genuína e significativa afetação.

O: O que nos afeta de fato, são os chamados “defeitos de caráter”, coisa como a intolerância, a impaciência, o ressentimento, a desconfiança, a inveja, o ciúme, o apego, a dependência, a inferioridade ou superioridade, a maledicência o sentimento de inadequação, só somos afetados por esses tipos de coisas.

MZ: Fomos condicionados para pensar que realmente alimentamos “bons sentimentos”, mas o que sempre tivemos foi uma qualidade de afinidade de propósitos momentâneos; a partir do instante em que o propósito se modificava, a afinidade sumiu do contexto, assim como a afetação que acreditávamos ter.

O: Muito difícil as pessoas terem essa qualidade de honestidade emocional para consigo mesmas, o mais fácil e mais corrente, é a pessoa alimentar a negação, dizer que essa incapacidade de real afetação não é uma realidade em seu viver, e que o que ela vive é a real afetação, o real bem-querer, o genuíno amor.

MZ: Depois de tantos anos, vejo que o amor é só uma conversa que todos fomos condicionados a alimentar. Você tem razão, ninguém ama ninguém, mesmo dentro da própria família.

J: Triste mas essa é a realidade compartilhada!

D: Só temos o “bem-querer” condicionado ao processo histórico, porque nem afinidade tem; não há afinidade real aqui e agora. Há uma afinidade com a imagem que criamos e alimentamos, mas não conhecemos e não nos demos a conhecer de fato. Na maior parte dos nossos contatos, não há nem afinidade de propósito e nem o bem-querer real; o que há, por causa do condicionamento ético, é uma simulação de afinidade e bem-querer. Mas basta riscar a imagem, que a realidade dos nossos sentimentos se apresenta com toda intensidade e não tem nada de real bem-querer ali.

O: A dificuldade de sair da negação e ver a realidade de nossa qualidade emocional — a incapacidade de genuína afetação e conexão — existe por causa que fomos condicionados a criar uma bela imagem de nós mesmos. Depois de décadas alimentando uma falsa imagem de si mesmo, como aceitar com facilidade que nossa realidade afetiva não tem nada a ver com tal imagem?

MZ: Sempre ficou no ar a aceitação de que não sentimos significativos e afetuosos sentimentos, que não conseguimos sair de nossa bolha emocional, porque se disséssemos isso para os outros, como já éramos mal-vistos, aí a imagem se tornaria ainda pior. Isso é uma verdade!


Existe cura, ou é só isso?

Onde estão os membros recuperados da doença mental e emocional?

Por mais de 20 anos frequentei assiduamente várias irmandades de anônimos, dedicando-me não só ao estudo de suas literaturas, mas também me dedicando quase que exaustivamente aos trabalhos de grupo. Em todos esses anos, não encontrei um só membro na qual fosse clara a percepção de cura, ou seja, não me deparei com nenhum ser humano que tivesse realmente se libertado de sua personalidade egocêntrica, calculista, sedenta de poder, preconceituosa, separatista e cheia de crenças; não encontrei um que realmente soubesse o que é a aquisição do amor impessoal; o que vi foi uma dualidade onde parte se mantinha psicologicamente dependente ou num viver de isolamento emocional. Não encontrei um que realmente conseguia sustentar uma genuína intimidade, alguns até que conseguiam ir até a página dois, depois, sempre havia uma saída pela esquerda. Não encontrei homens e mulheres livres do medo, livres da excessiva preocupação consigo mesmo. Mas isso não se limitou aos grupos anônimos; nem no ambiente familiar, nem no ambiente social, me deparei com alguém realmente livre e feliz. Busquei então, por meio de uma longa pesquisa literária, encontrar relatos de homens que possivelmente tivessem se libertado de seu egocentrismo e o resultado não se mostrou diferente. Encontrei histórias de vários homens que até chegaram a ter grandes experiências religiosas, a qual alterou um pouco a qualidade de sua percepção de mundo, que lhes esclareceu o modo como o ser humano se encontra condicionado, mas de modo algum, os libertou de seu egocentrismo. Estudei a vida de homens com e sem fé em Deus, e em ambos os casos, a permanência do egocentrismo se manteve como um fator comum. Em vista disso, ficou a questão: será que a cura é de fato possível? Se é possível, onde estão os que a conseguiram? Alguns já tentaram me responder essa pergunta, sustentando mais uma crença que alimentaram nos grupos anônimos: que a recuperação é diária, e que é só por hoje, ou então, o velho chavão: “uma vez doente, sempre doente em recuperação”. Isso para mim não soa diferente de sustentar um conformismo num viver vazio e de sofrimento. Portanto, permanece a questão: existe cura, ou é só isso?

10/01/2022

O looping sem fim de uma mente inquieta

 

O: Há momentos em que a inquietude se torna quase que insuportável, acompanhada do amargor na língua, de uma sensação de aperto e queimação no centro do peito; quando ela se manifesta desse modo, não há nenhuma ação que se mostre com sentido, além de que, a própria inquietude impede a concentração em qualquer ação que seja. Ela vem acompanhada de um sentimento de total ausência de um norte no viver. O que se apresenta como opção são sempre as mesmas atividades que já se mostraram enfadonhas, entediantes, e você não encontra nada que responda e transcenda tal inquietude. Trata-se de um momento em que a própria estrutura se vê estrangulada, pois percebe que não há o que ser feito. A voltinha, o gole de cerveja, o salgado ou o doce, a busca pela internet, as conversas pelo WhatsApp, o Hobbie ou atividade do lar... nada! Por mais profunda que seja a conversação, esta, também se mostra infrutífera. A estrutura assiste o próprio processo de agonia sem resposta. Em tudo que ela olha, logo percebe as crenças, os cacoetes de outras estruturas, com seus blábláblás que prometem por liberdade, felicidade e paz. Ela percebe também em si, os seus cacoetes e impulsos para atividades condicionadas que só podem trazer um prazer momentâneo, e percebe que é mais de sua ilusão. Momento de tremenda inquietude, porque a estrutura vê consumada todas as opções de apoio, de sustentação, de nutrição. Ela não encontra respostas para a sua inquietude; nem respostas e nem opções de fuga. Ela chegou no ponto em que se tornou claro demais que, vá aonde for ou faça o que fizer, nada desfaz sua crônica inquietude de base. Ela não sabe como conseguir paz, aquela paz que transcende todo entendimento.

C: Já acordo com esse sentimento de desconexão e quanto mais observo, mais vazio fica. Vejo que chegar ao ponto em que chegamos, a única opção é a observação.

O: Mas, você mesmo percebeu que a observação só aumenta o vazio. Então, a observação seria mesmo uma opção? Quanto mais observamos, mais coisas vazias observamos, mais a desconexão é percebida.

C: Não.

O: Quanto mais observamos, mais impotentes nos sentimos. Por maior que seja a observação, não encontramos um norte que se mostre assertivo, satisfatório.

C: Sim, ela só mostra o vazio de tudo, por ser também um novo condicionamento, não transcende. Questiono se seria ela o processo, observando o próprio  processo.

O: Mesmo a resposta a essa pergunta, de nada serve, percebe?

C: Sim, mesmo com a resposta, ficamos na mesma.

O: Cada percepção de um movimento ilusório, mais inquietos ficamos, mais vazios... Cada percepção, menos norte. Você só fica sabendo que não tem mais como andar por aquelas ruas, mas não se apresenta o endereço certo. Isso aumenta ainda mais a sensação de que estamos perdendo a vida, que a mesma está passando sem que saibamos o que é vivê-la em sua plenitude, em seu sentido real.

C: Sem norte e com uma puta sensação de que a vida está  passando, a velhice chegando, "porque o corpo começa  a sentir suas limitações". Com isso aumenta o vazio, o tédio.

O: Impotência total, nisso que cheguei aqui e sem a compreensão do porque tivemos que passar por todo esse processo de percepção do falso, para se ver limitado no falso, sem o conhecimento do real. Todo um processo apenas para tomar a consciência plena de que não sabemos o que é amor, o que é conexão, o que é liberdade, criatividade genuína, o que é quietude, paz. Todo um processo que começou com o sentimento de estarmos perdidos e que terminou no mesmo sentimento; o primeiro passo nos levou ao último passo que em nada se difere do primeiro, a não ser na confirmação de que estamos perdidos. Estamos como hamsters na roda da estrutura condicionada... Looping sem fim de uma mente inquieta: tentamos encontrar um eco que nos satisfaça, mas nunca o encontramos.

MG: Out! Gostaria muito de ter comentado a respeito do último áudio que você subiu, intitulado “Então, viver é só isso?”, mas neste final de semana foi bem complicado para mim, difícil, porque eu estava no ambiente familiar, com aqueles assuntos corriqueiros, normóticos. Sei que eles não têm culpa pela forma como eles veem o mundo, mas tive que fazer muita força para poder me manter centrado e com a energia equilibrada; mesmo assim, o ambiente me sugou muito... Eu estava ali no ambiente, com todos se mostrando felizes naquele lugar bucólico para o qual fomos convidados, mas, eu me sentia totalmente fora do contexto. Depois vou tentar colocar algo sobre o que senti quando ouvi o áudio da sua conversa com Deca, porque foi exatamente, foi não, é bem assim que me sinto. A minha sorte é que hoje eu não tive expediente de trabalho, só volto amanhã, então, pude tentar me recuperar um pouco, apesar de ainda não me sentir bem. Se eu me sentir melhor, tento relatar aqui os insights que me vieram, só para expor o que senti ao ouvir o áudio com a troca de vocês.

O: Beleza! Ficamos no aguardo!

F: Tem jeito não, a cabeça só pensa bosta! Se não derreter esse mecanismo mental, já era. Isso tem que ter um jeito de sumir, senão, é só bosta aqui.

O: Isso ocorre em tudo... Qualquer ocorrência faz a mente disparar com seus medos e preocupações infundadas, assim como seus cálculos para tentar solucionar esses medos e preocupações. Ela permanece sempre nesse mecanismo neurótico que só aumenta o desassossego e o vazio. Ela permanece nesse looping sem sentido.

F: Esse mecanismo afeta tudo; tudo também está zuado no país; tudo é reflexo desse mecanismo, reflexo da nossa mente zuada.

O: A estrutura é socialmente compartilhada, é multigeracional e transcultural; todos vivendo com base no cálculo autocentrado.

F: Sim.

O: A estrutura só pensa no outro, quando este outro lhe afeta de algum modo, portanto, na real, a estrutura não pensa no outro, mas sim em seu próprio bem-estar.

F: Todos com base na mesma fonte. O mínimo que você se identifica com o imaginal, no mínimo, ocorre a distorção.

O: Sempre o mesmo patético repeteco, mesmas cenas com roupagens diferentes.

F: Vimos tudo, sobrou nada!

O: Só não vemos o real; o falso estrala. E não adianta falar do que sentimos, porque a maioria não entende. Não raro, recebo e-mails com receitinhas de como devo me comportar para ver beleza e graça em tudo que está aí. Foda! Acabei de encontrar um colega aqui, que usava muita droga, e começamos a conversar sobre um conhecido nosso, que foi internado por três meses por causa de uma tentativa de suicídio, por não aguentar o vazio do viver. A primeira coisa que o cara falou: também, tem que ser internado mesmo, ele não se ajuda! Não faz nada para melhorar, não frequenta uma igreja, uma religião, nada, não cultiva pensamentos positivos. E eu perguntei para ele: você ainda toma suas pingas, não toma? Toma por causa da pinga ou do efeito que ela causa ao aliviar seus conflitos? Ele respondeu: “Também é isso. Mas pelo menos estou frequentando a igreja, onde estou aprendendo coisas novas.” Então respondi: “Aprendendo coisas novas ou se condicionando de novas maneiras?” Continuei dizendo que respeitava o momento dele, mas que eu já havia tentado isso e muito mais, e que nada acabou de vez com esse vazio que sinto até hoje. O cara ficou sem assunto, deu uma desculpa que precisava fazer um lance e caiu fora. A maior parte das pessoas não consegue ver isso que falamos, pois ainda não chegaram nisso, ainda estão tentando algo muito parecido com o trajeto pelo qual também já passamos. Estão tão embotadas, tão mecanizadas, que não chegaram nessa qualidade de sensibilidade, apesar de acreditarem que são sensíveis. Elas não conseguem ler os próprios pensamentos, não percebem que são controladas pelo fluxo condicionado e não solicitado. E nós que percebemos isso e temos a coragem de falar sobre isso, somos rotulados de "13", somos rotulados de pessoas muito “ácidas”. Por isso que não dá para falar do “Clube da Luta”. Não tem jeito, se não ocorrer um milagre, ficamos nisso. Entende agora o que os cristãos querem dizer pela espera da segunda vinda do Cristo?

São poucos que conseguem ser brutalmente honestos consigo mesmos, ao ponto de perceberem a total ausência de conexão real, genuína e espontânea, seja com outro ser humano, seja com a natureza ou mesmo com algum animal. Alguns filmes e séries até que tentam apontar para isso, mas a maioria não pega o que o diretor está tentando apontar. Na última temporada da série “Lúcifer”, há um personagem, a Maziken (Maze), um demônio em forma de uma bela mulher, que sofre com a percepção de não conseguir manter comunhão com nada, com ninguém.  

Não tem como falar sobre o que sentimos, com quem ainda se apega em algum tipo de crença, como por exemplo, a crença em se dedicar um tempo ao Criador por meio da prece e da meditação. Se não viu o falso disso, como vai ter afinidade com o que falamos? As pessoas não percebem a crença como um objeto de fuga de si mesmo, uma fuga da realidade que se mostra inquietante. Arranque a crença deles e você verá a realidade inquieta que os move.

09/01/2022

Então, viver é só isso?

A adulterada estrutura adultera tudo que toca

MG: Bom dia, Out! Não consigo conviver com família conhecidos, todos me acham estranho ou louco (só que não falam). Não tenho real intimidade com minha companheira, não posso ser quem sou...

F: Nunca tivemos intimidade real, nunca conseguimos.

O: Você realmente não pode ser quem você é, só pode ser quem você pensa que é. Nem mesmo você sabe quem é de fato, por isso a necessidade de simulação.

F: Até porque, se ficar quieto vai ver que não é nada, apenas um monte de pensamentos passando que não significam nada… Você fica apenas vendo o que tem na sua frente, ouvindo os sons que estão por aí, até o vazio imenso se instalar e você voltar a pensar por que, se não pensar, fica isso de novo. Sem se apoiar no pensamento, não é nada…

O: Não vejo desse modo, a desconexão é uma realidade, não é coisa do pensamento, apesar de ser criada pelo pensamento. Pode ficar quieto só observando tudo e vai ver que a desconexão é real, a ausência de intimidade é real. A observação silenciosa tem sido a droga de escolha do momento para fugir dessa velha constatação de inadequação. Somos todos bolhas, fechados em nós mesmos, até mesmo com a observação.

F: Isso é do pensamento, é ele que cria a ideia de você e os outros. Isso é bem simples de se ver.

O: Explicar isso ou ver isso, não muda o fato da desconexão e a ausência de intimidade.

D: Não tem jeito, esse vazio e esse sentimento de desconexão não saem, você já acorda com eles todos os dias. Mesmo com todo processo de descondicionamento, não deixamos de sentí-los.

O: Mas foi o próprio processo de descondicionamento que ampliou o vazio ao arrancar o que foi percebido como ilusório. Vivemos o vazio do real. A irrealidade já parte daquilo que pensamos ser, essa pessoa com um traumático processo histórico. Estamos presos na própria ilusão de uma história pessoal.

F: Pensamento, ideia de desconexão e conexão, mesma fonte.

O: A desconexão não é um pensamento: você a sente; o vazio não é um pensamento, você o sente.

F: É sempre a mesma fonte nomeando, rotulando; é o pensamento que entra nomeando e isso segue sem fim.

O: Nomeia porque sente.

F: O pensamento não deixa passar, fica nisso, sempre dando ênfase.

O: Não deixa passar, porque de fato, não passa.

F: Tudo passa.

O: Ok. Vamos ver se tudo passa mesmo: não dou 24 horas para você vir aqui e se queixar de algo.

F: Vamos ver.

O: Vamos ver quanto tempo seu orgulho vai aguentar. Já vi esse filme várias vezes, e a grande maioria acaba voltando aqui com as mesmas ladainhas de sempre; até que demorou com você. Vamos ver se com você, a coisa será diferente; assim espero!

F: Que besteira! Que merda!... Beleza!

O: Mesmo esse “beleza cara!”... Já vi isso e o movimento final é sempre o mesmo. Não vi um que conseguiu segurar o vazio, a desconexão, a solidão, que conseguiu ficar consigo mesmo. Espero que com você seja diferente. Todos acabam voltando para alguma tenda particular de seu Egito pessoal (tipo a sala de anônimos) ou voltado aqui na Deca e no Out. Faço votos que você consiga sustentar essa papo de que tudo é passante.

F: Ridículo o modo como foi colocado, como se fosse codependência.

O: Ok, então sou ridículo; vai lá e fica com seu passante, não volte aqui. Estou apenas compartilhando fatos, como sempre fiz; e disse que espero que com você seja diferente.

F: Está tudo bem, deixa quieto!

O: Claro, como você disse, é tudo passante. A estrutura é separatista; ela pega o que percebeu com a própria observação, com o próprio conteúdo do paradigma, para evitar a possibilidade de intimidade com os próprios confrades. Isso acontece com todos, sem exceção. Entra aquele sentimento de “agora eu sei, não é nada disso!” e aí começam as disputas e os melindres. Esse é o mecanismo que ocorre com “todos” nós. No fundo, não sabemos nada, continuamos confusos, perdidos, desconectados, vazios, sem nada de significativo para apresentar, incapacitados de ver beleza e graça. Como já dissemos, a estrutura pega o paradigma e a observação para cristalizar ainda mais nosso isolamento. Depois de tantos anos de busca, a única coisa que posso afirmar é que estamos todos fudidos! Essa estrutura adulterada, adultera tudo que toca.

A depressão do descondicionamento

O: É muito natural que alguns confrades, ao se depararem com estas conversas, trocadas com tamanha honestidade emocional, se sintam deprimidos. Vejo isso como natural, porque aqui, não estamos alimentando as promessas que a maior parte dos lugares apresentam. Promessas que nunca se cumprem, é o que mais colecionei pelos lugares por onde passei. Por isso que afirmo que não tenho visto conversas com tal conteúdo. Temos sido extremamente honestos no sentido de dizer que não temos resposta alguma, mas que também não alimentamos crenças que não fazem da realidade do que vivemos hoje. A maioria não quer saber da real, a maioria quer algo que possa ser prático para a manutenção daquilo que construíram enquanto identificados com seus adulterantes condicionamentos. Nós também sentimos esse impulso
para a depressão, mas, graças a observação, percebemos a identificação com o impulso depressivo, ser um dos grandes truques da mente para que ela não seja percebida na totalidade de seu mecanismo. O homem, exceto alguns raros, ao longo dos séculos, não conseguiu lidar com a sensação de desamparo, por isso criou uma infinidade de Deus e seus sistemas. A observação passiva não nos dá nada, no entanto, nos arranca toda ilusão observada. Cada ilusão arrancada, sem a possibilidade de se colocar outra em seu lugar, naturalmente só amplia o vazio e a síndrome de abstinência das ilusões. A depressão é um sintoma natural dessa síndrome de retirada das ilusões criadas pela estrutura. Veja, a própria palavra "depressão" já aponta para o que está ocorrendo: a estrutura está sendo pressionada, de um modo que não encontra nada para se agarrar e isso, se mostra terrível para ela, que se vê em estado de agonia. Ela quer algo em que se agarrar, alguém que aponte uma saída, uma resposta. Mas isto aqui vai mostrando a ilusão das doações psicológicas de terceiros, a ilusão de se colecionar incertas certezas emprestadas. A ilusão de se agarrar em promessas.

F: Por isso escrevi que, provavelmente, por força da angústia e solidão, sugiram as orações, porque o cara surta não tendo onde se agarrar.

O: Como cantava o poeta etílico, eu perdi, eu perdi o meu medo da chuva... que criou o Deus da chuva. A observação arranca os lugares onde você pode pedir algo, arranca todos os afazeres e prontificações ilusórias, arranca até a ilusão dos questionamentos, visto que a mente insana, por si mesma, não alcança uma resposta sã. Arranca todo "somebody to love", porque escancara nossa incapacidade de amar. Não é fácil encarar a real, por isso sempre brincamos que o paradigma não é para adolescentes, mas sim, para home e mulher de saco roxo. Cada ilusão arrancada, mais vazio, mais síndrome. A verdade não oferece consolo para a mente que sempre foi adicta de consolação. Gandhi costumava dizer que "A verdade é cortante feito diamante, mas também se mostra tão doce como a flor de pessegueiro". O paradigma não é para quem ainda se interessa por "mentiras sinceras" ou para quem ainda quer uma ideologia para viver. Ao contrário disso, o paradigma vai arrancando toda ideologia, visto que o ideal, não é o real, é só uma ideia do que se pensa ser o real.

F: Até o cara ver que o próprio paradigma tem seu limite e também não mais servirá… O cara vai perceber na sua solidão e sente que não tem nada pra se agarrar.

O: Ainda bem que não serve; o paradigma é como um programa temporário que se desinstala por si. Elimina os temporários. Elimina o que é do tempo.

F: Não sei. Mas em determinado momento, a solidão chega e se instala, aquela que nada resolve, que estava escondida.

O: Quem mostrou que nada resolve senão o próprio processo de descondicionamento?

F: Não sei.

O: Se tem olhos de ver, a resposta é fácil.

F: Não é não. Não é óbvio não; cheio de truques.

O: Agora é o truque de ser cheio de truques... Novo discurso a que a mente se apegou.

F: Ok. Beleza!

O: Tudo para ela agora é truque... O truque de fazer ver o óbvio como truque.

F: Nada.

O: Há quem afirme que são nesses angustiantes momentos em que nada se mostra com sentido, que se manifesta o exato sentido de tudo. Mas de nada serve essa doação psicológica de terceiros. Se essa percepção não ocorrer em nós, continua como tudo mais: um amontoado de palavras.

08/01/2022

A espera da sanidade: um truque refinado do pensamento?

 F: A percepção de tudo que temos conversado até aqui, chega a dar ânsia.

O: Um consciente estado de impotência e inquietude. Uma total falta de sentido, arrancou mesmo a agulha de nossa bússola, ficamos sem norte, não temos onde repousar nossa cabeça. Ainda mais depois daquela vivência em que a tridimensionalidade que é tida por real, se mostrou uma ilusão de ótica. Vivemos uma dimensão que não tem como ser dimensionada, o que deixou tudo isso ainda mais limitado. Aquela vivência produziu, ainda que brevemente, uma alquimia na qualidade do observador, uma mutação dimensional. Aquilo nos levou muito além de nossa limitada, confusa, insegura e contraditória consciência. Tornou como que zero, o que tínhamos por verdade em nossa consciência. Mostrou o conteúdo de nossa consciência como pura vaidade. Naquele estado de ser, vivido brevemente, não havia tempo, memória ou conceito, não havia nem mesmo palavras. Tudo isso surgiu novamente, quando do fim da percepção daquele estado (se é que podemos chamar aquilo de estado e que o mesmo possa ser percebido, o que apontaria a dualidade percebedor e coisa percebida). Naquilo não havia nem percebedor nem coisa percebida, tudo era uma coisa só. Corpo, tempo, espaço, memória, eu, pessoas... tudo percebido como ilusões de percepção. Ali, literalmente, a limitada consciência desapareceu. Podemos dizer até mesmo que fomos além da dualidade mental-emocional. No fim da identificação corporal, deu-se conjuntamente o fim do medo, o que nos faz crer que o medo, surgiu conjuntamente com a ilusória identificação corporal. A criança só passa a demonstrar a presença do medo quando se vê afastada de seus pais ou do ambiente que lhe é conhecido.

F: Nosso uso do pensamento nos tornou insensíveis ao que nos cerca; só pensamos, não nos damos conta de nada mais, nem ouvimos um pássaro, nada. Só usamos o pensamento como meio de viver, de ver e, quanto mais o usamos, mais insensíveis nos tornamos; isso é óbvio. No fundo, não está rolando nada do que se passa na mente, tudo pode ser percebido como conjecturas, tudo falação, palavra cruzadas que impedem que fiquemos no simples, pois o pensamento sempre entra aí com suas complexidades. O pensamento entra para ver, a mente condicionada a pensar, pensar, refletir, entender... Barca furada, cara. Foram 41 anos nessa barca. Insensibilidade total... Nunca foi tão óbvio!

O: Quanto mais avançamos nesse processo de observação e descondicionamento, mais vamos sentindo o impulso para deixar de falar sobre isso tudo; porque vemos que as palavras não fazem sentido em relação a isso.

F: Não sei se é isso não, cara. Parece que vamos vendo que cada um tem um modo de perceber isso, as palavras não fazem porque elas tornam ou tentam tornar fixo algo que não é.

O: Sim, e que cada um está envolto em sua própria ilusão de percepção da realidade.

F: Não acho que é isso.

O: A pessoalidade, com seus achismos, está ali, deturpando a visão.

F: Minha percepção está adulterada e a sua também, assim como dos demais.

O: Já disse que cada um de nós está apegado em sua própria ilusão de percepção.

F: Se percepção que nosso instrumento de percepção se encontra adulterado, como vamos seguir? Não há percepção real, pois o instrumento está adulterado; vemos palavras e não a coisa. Mais simples ainda: não tocamos, nem os sentidos básicos permanecemos neles, a palavra já entra limitando a percepção.

O: A estrutura se apega em tudo que foi percebido pelo confuso observador afiado, que passa a defender aquilo a que se apegou e com isso, cessa o movimento de investigação, o que torna sem sentido qualquer possibilidade de troca. Isso é que venho percebendo há anos. Mas o impulso para deixar de falar, nem é por isso, mas sim, por perceber a infantilidade desse movimento, no que diz respeito a descoberta se é possível ou não a transcendência dessa limitada, confusa e insegura estrutura.

F: Não é isso, só notamos a impermanência, o estado passante de tudo, dentro e fora, mesmo não tendo distinção. Estamos envelhecendo, tudo está. Ponto.

O: É inevitável que isso ocorra... a estrutura é competidora por si e separatista, veja que você até fecha a coisa colocando a palavra “ponto”.

F: Mas ela é isso, não tem como. Não tem nada, nem certo ou errado, não tem porra nenhuma, quando se chega aqui, tudo escorre pelas mãos; pode colocar o cimento da palavra que quiser, com a observação, até ele racha.

O: Por isso que a palavra vai se mostrando sem sentido, o impulso para se recolher de vez. Vamos caminhando juntos até que a estrutura se cristalize em seus limitados pontos de vista, então a comunicação vai se tornando quase que impossível, mesmo com aqueles que nos afinamos mais.

F: Não sei se é possível transcender... parece ser ficar com isso aqui que a gente não aguenta. Bem possível que a comunicação se torne impossível, vamos indo, isso acontece em tudo.

O: Claro, ela está em tudo.

F: Ela está sempre defendendo ideias, achismos, imbecilidades, opiniões, frases, palavras, um monte de nada, só vento. Mas porque entramos aí? Porque não aguentamos... Foda, veio! Isso aqui não está lá.

O: Vamos usar as palavras como usamos a droga, até chegar no seu fundo de poço, até ver que não dá mais.

F: Mas estamos esperando algo, não vai dar em nada, sempre barganhando. Queremos a iluminação, queremos aquele estado singular, não tem chorumela. Quando estivemos naquilo, essa estrutura não estava, só que depois, voltamos para ela. A própria indústria espiritual pegou o jogo: Compra passagem para o Nepal e vai lá sentar no colo do puro ser.

O: Sim, vai lá se sentar na montanha sagrada e pisar na terra que o santo pisou!

F: A coisa é passante em tudo... tudo que usamos para eternizar algo que foi bom e agradável. Estamos constantemente colocando um véu de ignorância sobre nós mesmos. Queremos o gozo eterno, a satisfação pura, não agora, mas para sempre, de agora até o fim. Imaturo demais!

O: Afirmar não ser possível, me parece mais imaturo ainda, visto que tanto um como no outro ainda está se norteando pela base de tempo. Algo semelhante a uma criança que desconhece o gozo e afirmar que não existe o mesmo.

F: Vamos contra então ao que é: Estamos buscando aquilo? Essa é a pergunta. A mente pregou um truque: Aquilo existe, mas agora está tudo no campo do imaginal, no terreno da memória. O truque é claro demais. Eu falo do desejo, da busca, do querer aquilo, desse movimento que só causa mais inquietude e a solução imaginária é aquilo... Se aquilo vir e ficar... Mas não vejo o que estou fazendo no meu cérebro querendo aquilo. Aqui está claro isso. Não questiono a existência daquilo, ou mesmo que aquilo possa chegar e ficar ou que não fique nada. Isso ninguém sabe. Só estou questionando o movimento mental, que é tosco.

O: Aqui ninguém está buscando aquilo. Estamos carecas de saber que essa busca é ilusão. Apenas temos tentado deixar pegadas por meio de áudios ou textos, que apontam para o conhecimento do mecanismo da estrutura. Só isso. Foi isso que nos deu a capacidade de autonomia psicológica que temos hoje, a qual nos dá condições de não reagir de modo neurótico ao que pensamos e sentimos, nos dá condições também de não fugir ao que está sendo sentido. Não há mais busca, mas há uma esperança de que algo ocorra, isso sim, e não vejo problemas nessa esperança. Vejo um certo sentido no movimento que foi feito até aqui, pois estamos falando sobre o funcionamento da estrutura, de um modo que, pelo menos eu, não tinha visto antes. Isso pelo menos funcionou para vários confrades, como exemplo, você.

Estamos exatamente como no momento de anônimos quanto a saturação com o conhecido, a percepção de sua limitação. Lá também esperávamos pela descoberta de algo. Mas esse algo era esperado no externo, o que já não é a realidade de hoje.

F: Mas sinto que estamos em looping ainda…

O: Veja que você mesmo espera sair do looping.

F: Não.

O: Está bom! Então parça, o que você está fazendo aqui comigo? Some!

F: Eu falei que não sai, cara. Aqui isso está claro, rodamos na mesma.

O: Você espera sair do looping ou não?

F: Não sai.

O: Não perguntei se não sai, perguntei se você não espera isso.

F: Eu sou o looping, portanto, só milagre.

O: Não espera o milagre?

F: Cadê ele agora?

O: Não espera o milagre?

F: Não tem agora.

O: Responda com sim ou não, sem rodeios.

F: Cara, isso é truque. Sinto dizer, mas vejo isso aqui. Posso estar tapado. Aquilo existe, mas esperar aquilo e esperar que fique... Rapaz, minha mente foi longe demais... Esperar aquilo pode ser um truque refinado do pensamento. Cara, estou tapado, mas para mim é outra ideia.

O: Sua mente foi longe demais, mas não consegue ir perto demais para dar uma simples resposta. Não responde esperar o milagre, mas usa a expressão "só um milagre".

F: Isso, ok. Não muda nada.

Somos adictos em traduções, palavras e explicações

 

O: Achei muito interessante esse tema que você levantou: O samba do observador refinado. Percebemos vários confrades ainda com o samba refinado pela crença, ou mesmo nós com a observação ainda mais refinada por estar livre das crenças, mesmo a crença advaita. Ambos estamos literalmente sambando com os cacoetes da estrutura pessoal. A observação nos deu condições de transcender uma série de cacoetes da estrutura, mas não nos libertou dela. Não há nada que possamos fazer a esse respeito. O que restou como possibilidade é uma certa qualidade de silêncio diante da observação dos barulhos da inquietude, do desassossego. A inquietude de se perceber condicionado a um corpo, quando se percebeu pela vivência de nosso estado incondicionado de ser, que aquilo que realmente somos, se encontra além de todo corpo, de toda forma. O que restou é uma aceitação de impotência total, até mesmo diante do uso das palavras ou mesmo da prática do silêncio... Não há como condicionar a ocorrência de algo que nos tire da patética estrutura pessoal e nos devolva àquele estado singular e impessoal de ser. O processo de descondicionamento impactou tudo que tínhamos por realidade, tudo que tínhamos por necessário, nos mostrando nossas compartilhadas ilusões que sempre acabaram e acabam em nada. O processo também nos mostrou que não há saída da estrutura por qualquer ação que parta da estrutura; que não há condicionamento que possa nos lançar no estado incondicionado de ser.

F: Que é exatamente o que estamos fazendo... Não sai! Estamos como Raul Seixas quando cantava: “Não pense que a cabeça aguenta se você parar, não, não, não... Há uma voz que canta, uma voz que dança, uma voz que grita, pairando no ar.

O: Penso que o “princípio da insanidade” — a qual deu origem a todo insano, obsessivo e compulsivo comportamento pessoal — deu-se logo na infância, com a identificação corporal que trouxe a ilusão de sermos uma pessoa distinta de outras pessoas, que fez de nós seres caçadores do prazer imediato, pelo qual, de modo inconsciente, por décadas tentamos aliviar a inquietude do estado condicionado de ser.

F: Natural, mecanismos de defesa. Há um mecanismo intrinsicamente ligado ao corpo, que é o próprio pensamento protegendo a ideia de que somos o corpo. Mas para mim, a questão não é mais refletir sobre isso, pois sinto que isso não nos leva a nenhum lugar, só faz com que fiquemos girando dentro do mesmo âmbito. A questão que surge é: Tudo bem, e daí? Para que rodar mais e mais aí? Já vimos que todo esse autoconhecimento vira lixo, acaba sendo incorporado na própria estrutura, cristalizando-a ainda mais. Podemos conhecer o quanto quisermos a respeito da estrutura, até mesmo qual foi o que você chamou de “princípio da insanidade”... Pelo conhecimento da estrutura, o qual como já vimos, é sempre limitado, não tem como sair da estrutura que é a própria insanidade. O conhecimento vira sempre masturbação mental. Já vimos, em decorrência da vivência daquele “estado singular de ser”, que aquilo que somos não está confinado no corpo. Eu, você, e outros confrades viveram isso, essa coisa que numa linguagem muito chula, podemos chamar de “saída do corpo”... Sabemos que a identificação corporal é pura ilusão. Depois dessa vivência, que já não se encontra aqui e agora, como vamos ficar coçando mais ilusão? Concorda? Vejo claramente que o pensamento prega o truque, ele cria a ideia de estarmos dentro do corpo, de sermos algo ali, algo além do próprio pensamento... Mas ainda é pensamento. É ele que cria essa sensação de estar aí em algum canto dentro do corpo. Se eu não tivesse visto vivido a coisa até poderia continuar acreditando, mas na real, não é assim. Na real não tem nada dentro... Não conseguimos sair para aquele estado, mesmo querendo isso, estamos fortalecendo a estrutura, a pessoa, o ego, chame como for. O nome que se dane! A estrutura pegou a própria observação. O lance de ficar na observação, também nos mantém presos em nós mesmos. A estrutura pegou tudo, cara! Não sobrou nada! Por isso falei: tudo está consumado! Se der para relaxar, melhor. Quem sabe se relaxar disso tudo, algo aconteça. Única coisa diferente.

O: Não foi o pensamento que me mostrou que não estou confinado ao corpo. Quando você coloca a questão do relaxamento quanto a tudo isso, é o mesmo que dizer que aquele está incondicionado de ser — onde não estamos nem condicionados pelo corpo — poderia ser condicionado pela prática do relaxamento.

F: Não afirmei, apenas disse: “Quem sabe?”

O: No momento tenho a clara percepção de que estamos presos numa Matrix, vivendo por realidade, aquilo que não é real: um estado pessoalizado e separatista de ser, onde tudo é percebido sem sentido, tudo sentido como patético, imaturo superficial demais. É algo muito semelhante quando você está tendo um pesadelo, consciente de que é um pesadelo, mas que não consegue dele sair. Chegamos num ponto em que nenhuma explicação, seja de terceiros ou pessoal, é percebida como infrutífera, sem sentido. Exemplo disso: quando estávamos em anônimos, as explicações que recebemos lá, pareciam reais, válidas, no entanto, com o maturar da observação, se mostraram ilusórias. O mesmo ocorre aqui. Nada mais do que nos disseram ser necessário para o alcance da restauração da sanidade, hoje se mostra com sentido, nem mesmo a ideia de se colocar num estado de total silêncio.

F: É bem isso que estou tentando dizer; estamos muito parecidos com aqueles velhos dos grupos de anônimos. Estou apenas sendo sincero.

O: Prece, meditação, silêncio, ação ou inação, esforço para tentar compreender, busca de um contato consciente com Deus ou com algum ser de outra dimensão, ou com alguma entidade da natureza, o desejo de um insight libertário, nada disso agora se mostra com sentido.

F: Esquece! Tudo que dissermos aqui, é o mesmo que as partilhas dos “partilhados” membros antigos de anônimos. A observação pegou isso que estamos fazendo neste mesmo instante. Pegou tudo: pegou a própria observação, a escrita sobre o que é observado, a tentativa de troca ou de não mais trocar... Tudo, tudo, tudo!

O: Concordo, nada mais está escapando dela.

F: Aquilo não pode ser achado. E agora?

O: Sim, o incondicionado estado de ser não pode ser condicionado por nada. A única opção que temos é a aceitação do que é. Qualquer ação da estrutura, parte da inquietação da estrutura e só alimenta tal inquietação.

F: Pior que nem é tanto questão de aceitar... Tem hora que não aceitamos, mas continua sendo isso e ponto.

O: Não se trata de aceitar, porque se fosse o aceitar, aquilo poderia ser condicionado pela aceitação que é mero cálculo.

F: A própria ideia de “aceitação”, ainda é a estrutura, mais um truque. Mas não dá para fazer nada esperando aquilo, portanto, a questão não pode ser aquilo. Daqui não parece ter um caminho  naquilo.

O: a questão é que não tem mais questão nenhuma, pois nenhuma questão leva na resposta que leve aquilo. Se tivesse, o incondicionado seria condicionado pela questão.

F: Isso. Se for pensar naquilo como um algo a alcançar, lascou.

O: Pode pensar de qualquer jeito que continua lascado.

F: Isso. Então se aquele “estado incondicionado de ser”, aqui for a meta, continuamos lascados.

O: Veja aonde chegamos!

F: E existe o risco daquele estado não vir?

O: Essa é mais uma questão sem sentido algum. Qualquer questão não responde, não transcende.

F: Por isso que falei sobre o fato de que estamos é apenas ajuntar mais e mais sobre nada. Vimos tudo, vimos até aquilo, ainda que de modo breve. Aqui chega essa compreensão.

O: Talvez seja essa a simbologia que os cristãos tentaram mostrar com a história da construção da "Torre de Babel". No fim, toda palavra é só ranço da estrutura confusa.

F: Com certeza! A palavra se mostrou o miolo da estrutura. Sou eu, você, ele, tudo... Tudo é palavra.

O: Francisco de Assis, costumava dizer: "Palavras" Houve um tempo em que eu me iludia com palavras!" Eu digo que houve um tempo em que eu me iludia com práticas calculadas, com o contato com a natureza ou lugares tidos por místicos ou sagrados, lugares afastados dos grandes centros... Essa crença durou até que tive a grande experiência, bem no centro da cidade mais agitada da América Latina.

F: Paradoxal. Fui absorvido por aquele estado singular, dirigindo o carro na autopista a 100 km por hora. Bizarro! Palavreamos o que sentimos, o que vemos e ouvimos; usamos a palavra ao invés de simplesmente ficarmos com o que é. E usamos da imaginação para perceber, o que se mostra imaturo demais. No fundo, somos adictos em traduções, palavras e explicações. Ouvimos palavras e não o som. Degustamos palavras e não o gosto. Sentimos palavras e não as sensações. Vemos palavras e não a coisa. Cheiramos palavras e não o cheiro em si. Aqui é o limite! Daqui em diante, só mais palavras, explicações, etc.

A observação pegou a própria observação e os cacoetes que dela surgiram. A percepção pegou que tudo agora faz parte da estrutura que “busca se libertar da estrutura”. Ela pegou que qualquer coisa que tentarmos para sair dela, apenas a fortalece ainda mais. Estou acompanhado você, cara, até aqui!

O samba do observador refinado

 

O: Não tem como levar a sério, nem mesmo o sensorial, pois o mesmo foi percebido como passante e contraditório. Essa estrutura, tanto no imaginal como no sensorial, funciona de modo dual... funciona numa fogueira de opostos. Antes não percebíamos isso e nos identificávamos com os polos de dualidade; hoje eles são percebidos e sentidos de modo passivo e não reativo. Quando a estrutura percebe esse só observar sem reação, ela reage jogando a ideia de que não estamos vivendo a vida de fato. Se você se prende nisso, dá-lhe mais e mais inquietude. A observação nos mostrou que esse é um looping sem saída; pode correr para onde for, o mecanismo permanece o mesmo. A observação pega a total ausência de conexão e a estrutura lança a exigência de conexão. Em algum lugar do passado, perdemos essa conexão e agora, fica essa ânsia pela possibilidade de restauração desse estado de conexão, principalmente para quem teve uma vivência, ainda que breve, daquele estado impessoal, onde não existe um eu, um personagem isolado de outros personagens. Esperamos que alguma ocorrência possa nos devolver a sanidade. Permanece a percepção da total incapacidade de perceber e sentir graça real em tudo que se manifesta ao nosso redor. Permanece a percepção do hiato que nos distancia de tudo.

F: Trata-se de um paradoxo: Quanto mais atenção a isso, mais fortalecido fica. Depois de tanto tempo nesse processo de descondicionamento, não há mais o que ser feito, essa impotência de transcendência se torna óbvia.

O: Observando aqui nossa neta, o imaginal parece ter se instalado com aquele brincar de faz de conta, onde nos distraímos com um personagem. Vamos aprendendo a vestir personagens, enquanto brincamos com nossos brinquedos do momento. Veja que a vestimenta específica, está sempre relacionada a uma fase de nossa vida, a um alcance de propósito (roupa escolar, esportiva, de formatura, uniforme de trabalho, o chinelo noturno do pai)... Vestimentas dos personagens que vamos encarnando...

D: É bem isso: para cada personagem, para cada ambientação, um tipo de vestimenta; cada ambiente força um personagem e um condicionado figurino.

O: Cada ambientação tem um tipo de palco, um tipo de celebração ritualística. Tome por exemplo, a sala de aula... Começa com o ritual da chamada. Mudam os ambientes, os personagens, as vestimentas e os rituais... Isso vai colocando várias capas e máscaras no personagem. Personagem bom filho, bom irmão, bom pai, bom profissional, bom cidadão, bom pai, bom tio, bom avô... Em tudo permanece uma encenação, uma simulação... Penso que isso vai cristalizando em nós, até que tomamos consciência disso e, essa consciência acaba gerando essa percepção do vazio de tudo, da falta de realidade de tudo. Enquanto o personagem, a pessoa não é percebida, você encarna o Mister Anderson sem qualquer problema. Depois que a falsidade do Mister Anderson é

F: Porque nada é inerente. Até que ver que não há nada, que foi tudo agrupado sobre nada, sobre algo vazio.

O: Quando isso é percebido, surge esse impulso para a descoberta de algo que seja real, algo que não necessite do exercício de um personagem. Algo que nos apresente um sentimento de real significação e sentido.

F: Esse impulso se instala, fica rodando e nada rola. Não adianta mais nada. Quanto mais ficar meditando, refletindo sobre isso, só dá para ver que chega até aqui.

O: Sim, nesse terrível sentimento de impotência de transcendência dessa limitada e complexada estrutura insegura e desconexa. Por anos acreditamos ser os vários personagens que encarnávamos em cada ambientação, mas, pela exposição à crise que iniciou o processo de egoconhecimento, assim como pelas breves experiências daquela “coisa singular, incausada e impessoal”, percebemos que não faz sentido se conformar numa vida sem autenticidade, sem originalidade, uma vida pessoal, uma vida de personagem. A vida impessoal, a vida sem personagem interno ou externo, foi experimentada de fato, e, por meio dessa experiência, a continuidade no personagem se mostrou algo enfadonho, patético, sem sentido. Até mesmo o exercício de uma função que é percebida tão somente como uma fabricação de personagens sociais, para a manutenção e cristalização de egos, deixa de fazer sentido.

F: O que é o próprio personagem enfadado de si, de saco cheio de si, entediado, que é o próprio imaginal. Depois de perceber isso tudo, onde entra a observação agora?

O: A própria observação pegou que só observa loopings da estrutura. Talvez, loopings mais sutis da mesma. Mas permanece no assistir de loopings.

F: Observação deixa preso no só observar a si mesmo, nesse jogo sem fim. Enquanto isso não olhamos com os olhos reais o que nos rodeia. Olhar para dentro é o truque sútil da coisa: para dentro nunca tem fim; casa de espelhos... E cansa! Sempre é percebido mais do mesmo. Isso não importa mais.

O: Não há dentro e fora: tudo é o mesmo jogo de espelhos.

F: Com certeza. Só o que é de fato sem estender a coisa; nós é que acrescentamos todo o resto conforme ditam nossos condicionamentos. Não serve mais.

O: Mas não vemos o que é, vemos a ilusão do que é; o que pensamos que é, não é a exata natureza. A vivência daquele “estado singular de ser”, deixou clara que a realidade que temos por realidade enquanto no personagem, não é a realidade real.

F: Mas a vivência daquele estado incausado não ficou, não temos ele aqui e agora e de nada adianta espernear ou mesmo querer o retorno daquilo. Tal querer só fortalece mais e mais a tensão. O lance é parar com a masturbação mental, só. Infelizmente é ficar aí, sem esticar. Estou nisso. Por mais refinado que pareça, só inserimos mais e mais ilusão sobre nada; é só mais e mais da mesma estrutura. Hoje observamos o samba do observador refinado.

Eu por mim mesmo, só fortaleço o mim mesmo inquieto

 

F: Bom dia, Out! Percebo que, em sua angústia, cada um inventa sua própria oração…

O: Já vimos que a prática da oração é só mais um dos condicionamentos ilusórios; ela não tem o poder de nos tirar da bolha emocional que nos mantêm desconectados; e não há nada que nos conecte, cada um na sua bolha de imaturidade, ilusão e cálculos autocentrados. Visto isso, o que permanece é só angústia e ansiedade; quando elas não estão aí, fica o tédio ou solidão.

F: Ou vazio. Nada. Quando o imaginal da trégua, cai o castelo.

O: Mas logo começa outro; percebo como ponto básico a desconexão.

F: Se o imaginal ficar entrando, não tem com sentir, ver, tocar ou ser tocado.

O: E quando o imaginal não está aí? O imaginal é a própria bolha; está sempre aí, mesmo que de modo sutil. O imaginal é o fundo da estrutura isolante; nada rompe sua casca, a inquietude não permite. A própria preocupação para acabar com a inquietude não permite a conexão, visto que a inquietude impede a totalidade da presença.

F: A própria observação nos mantém atentos na ilusão. Dificílimo uma observação sem emendar palavras na sequência. Muito difícil ficar na observação e não esticar o chiclete.

O: A inquietude faz isso.

F: A mente incessante busca por algo na inquietude.

O: Sim, mesmo que sejam as palavras, a verbalização compulsiva, que não leva a nada mais que a compreensão da estrutura, mas sem o poder de transcendência.

F: A palavra parece funcionar como um combustível. O lance da desconexão é não se tornar combustível do imaginal; o pensamento continua, só que sem punhetagem da nossa parte.

O: Isso também não resolve.

F: mas é o que temos; percebemos a desconexão de forma natural, pois ela está em todos. Não adianta mais ficar alimentando o imaginal.

O: Aqui o imaginal não incomoda mais... folha ao vento. O que pega é a inquietude, o desassossego. Quando observo as relações, percebo que o que tem de fato é a desconexão e a simulação de conexão; todos em seus personagens... se o contato for longo, o personagem se cansa e o atrito da desconexão se apresenta.

F: Mas quanto mais o imaginal pega essa desconexão, mais a cristaliza e fica nisso.

O: Faz você sentir a desconexão com maior intensidade.

F: Isso, não deixa cair. Quando é mais uma ilusão, porque vivemos o outro lado da coisa e não tem nada disso. Estranho. Se não ficar atento, o imaginal não deixa passar, mas sem ficar identificado, querendo manter ou prender as coisas, entender, tudo isso.

O: Mas também não resolve; essa é só a "droga" atual que estamos usando. Permanece o desassossego, a inquietude, a desconexão.

F: Não tem o que resolve, só tem isso. O looping nos joga sempre no desassossego, a inquietude, a desconexão... O imaginal pega a desconexão, traz a angústia, ou o imaginal pega percebe outra coisa e nela se apega... Mas é o mesmo movimento que acaba sempre no desassossego, na inquietude, na desconexão. De novo, de novo e de novo. O sensorial também muda.

O: Mas a mudança do sensorial é só na manifestação do desassossego.

F: Então, aqui, novamente, a mente pega e fica aí, se prende nisso que observa; a própria observação prende e não solta. A coisa é louca, quando, na realidade, do nada também some. Chega uma hora em que não adianta mais nada. A mudança do que se passa no sensorial não depende de nada; é a mente que segura, tentando entender, compreender, sair ou mesmo ficar; mas nada resolve.

F: Também parte do constante, ininterrupto e não solicitado fluxo... Sempre a mesma coisa: pensamentos, sensações diversas, sentimentos... Tudo mesmo fluxo não solicitado. A própria percepção também está nisso, ela é parte disso.

O: A ignorância parecer ser uma benção mesmo; quanto mais consciência você alcança sobre a estrutura e sua inquietante desconexão, mais inquietude e sentimento de desconexão. Se instala um estado de emergência.

F: E quanto mais conscientes ficamos, menos relaxados; a consciência disso só gera tensão e a percepção de que não adianta mais nada. E nisso tudo, de nada adianta querer resolver, porque tudo isso está rolando por si. Não depende mais de nós, visto que a coisa toda rola por si. O próprio mecanismo fortalece a estrutura que pega tudo.

O: Pega tudo e transforma em combustível para o desassossego.

F: Está consumado, cara; use a palavra que quiser, não adianta. Pode esquecer. O lance é relaxar, deixar rolar... Se rolar, rolou, senão, é isso.

O: Depois que se viu tudo isso, não tem como relaxar.

F: Não resolve ficar pensando em como sair disso; já vimos que não depende mais de nós... Eu por mim mesmo nada posso. Xeque!

O: Eu por mim mesmo, só fortaleço o mim mesmo inquieto.

F: Isso está mais do que claro. O sujeito pode ficar a vida toda nisso, quando, na realidade, não tem mais nada para fazer. Sorte se algo surgir, caso contrário, não dá para ficar pensando nisso não, porque a estrutura pega e usa para seu proveito.

O: Total carência de poder de transcendência. A estrutura pega essa consciência de carência e nos joga numa inquietude descomunal, joga na angústia de querer ter para dar e perceber que não tem, a angústia de querer sentir e não conseguir sentir. Alguns se deprimem quando chegam nesse ponto de tomada de consciência de si mesmo.

05/01/2022

Somos seres desconectados

H: Bom dia, Out! Ouvi os áudios e é bem isso! É foda! Eu nem ia para a cidade da minha mãe, e aí falei que eu não ia e ela já começou a me cobrar quanto ao porquê de eu não querer ir, afirmando que ela não aceita isso e coisa e tal. E como que eu posso explicar para ela que eu não quero ir porque não vejo nenhum sentido? Não tem como! Por fim, depois de pensar bem, depois de perceber que tanto ficando aqui como indo para lá, seria o mesmo vazio, a mesma inquietação, decidi ir para lá, pelo menos ela fica mais contente e não me joga suas cobranças. Mas fui desse jeito!... Se você está sentado não se ente bem, se levanta também não se sente bem; vai para lá ou para cá, fica sempre a mesma inquietação, o mesmo vazio, a mesma falta de sentido, sempre a mesma busca por algo que eu nem sei; e as conversas são sempre as mesmas, as mesmas notícias, as mesmas piadas... sempre a mesma coisa, nada muda, todo ano é sempre igual.

O: A superficialidade das relações e a patetice da rotina tradicional, foram escancaradas pela observação.

F: É uma questão de custo-benefício: sai mais caro não participar disso! Na realidade, a observação escancarou a estrutura única. Quem não viu que é a mesma estrutura em todos, ainda está no mimimi maternal, pois a coisa é a mesma tanto aqui como na China, independente do teor da chorumela. Trata-se de uma estrutura vazia, que ficou presa em si, nas próprias preocupações; mesmo sendo observada, ela ainda continua. O que faz cada vez mais com que desconfiemos de textos dos tais ditos mestres, filósofos, etc., etc.

O: Não só isso: Quando você vê essa debilidade compartilhada, você percebe a total insanidade que é também acreditar num Deus que tenha criado e sustenta tudo isso. Depois que você percebe esse mecanismo global, os hiatos nas relações superficiais e o sentimento de desconexão, inevitavelmente cai naquela questão: Então, é só isso? Quando não é essa questão, surge esta: e acordei logo com a pergunta: que porra que é o viver?

F: Ou mesmo acreditar que não existe tal Deus, ou que existe: dá na mesma. A crença ou a descrença em Deus, depende do condicionamento dessa estrutura. Mas o fato é: onde teve conexão?

O: Depois que a observação arrancou a ambição condicionada pela mídia, a qual dava um sentido falso para o viver, este, se mostrou patético demais. Mas todos estão plugados nesse sistema de ilusão hedonista; ninguém questiona nada, todos arrotam suas incertas certezas emprestadas. Vai ficando cada vez mais maçante, permanecer nos ambientes.

F: Não tem saída; por hora é isso. Já vimos o falso de tudo, mesmo no que diz respeito a um modo de sair disso.

MG: Perfeito meu querido amigo... Apenas hedonismo... Busca incessante de prazer (leia-se FUGA) 24 horas por dia... Cegos guiando cegos... Também fiquei reunido com familiares este fim de semana e, ao chegar em casa, sentia-me exausto, como se todas as minhas energias físicas e mentais tivessem se esvaído (e olha que eu só observava e pouco participava).

F: Pelo imaginal esquece, não tem como sair disso! Looping de ano novo. Entrou no imaginal para usá-lo como ferramenta de compreensão, tomou o pega; resta apenas observar, só ficar esperto ali, mais nada. A estrutura é pegajosa, é feito areia movediça: não há como entrar ali, é só olhar.

O: Ridículo demais tudo isso!

F: É isso? A resposta que vem aqui é: É isso!

O: Sim, um "É", bem patético; se não há um mínimo de maturidade, um mínimo de base emocional, ver isso é risco de suicídio.

F: Ninguém consegue simplesmente ver ou ouvir sem colocar qualquer emenda. Ninguém escuta. A sorte é que aqui o looping do imaginal já era, não afeta mais; nem sequer assusta. A observação mostrou que não tem nada ali de real. Ficar olhando para ele, é literalmente perda de tempo e energia.

A: Aqui é bem parecido: não tem nada de novo, sempre os mesmos protocolos a serem cumpridos; só inquietação. Neste feriado, a espera pela meia-noite só foi possível, porque usei a neta para disfarçar a angústia que estava sentindo.

O: A inquietude não tem fim.

F: Então, que se foda a inquietude também. Se ela não cair por si, ficamos nisso: uma volta na praça, sofá...

O: Ou mais uma aquarela para colecionar likes.

F: Estou numa irritação só, sei lá! Ouvi os áudios, estão tops! Para a galera que está chegando nisso, é de arrepiar. Uma estrutura competitiva, onde um de acha melhor que o outro, mais esperto, mais inteligente, mais amoroso, onde um quer derrubar o outro, onde todos tentam se proteger. As relações se baseiam nisso.

H: H: Realmente! Eu sou do interior, e durante a semana eu trabalho aqui em São Paulo, e quando desço na rodoviária... É impossível você não observar aquele monte de pessoas feito gado indo para as festividades de fim de ano e agora voltando... aquele fluxo que ´bem parecido com a minha mente... aquele monte de pessoas indo para cá e para lá naquele terminal rodoviário lotado, metrô lotado, todos vivendo de modo mecânico. Para as pessoas, tal mecanicidade parece ser algo normal. Eu fico ali observando e me questionando: O que é que está acontecendo? Porque todos aceitam viver nessa mecanicidade, viver sem encontrar um real sentido em nada? É sempre a mesma coisa, aquele mais do mesmo... E é fácil perceber, principalmente no metrô, que no fundo no fundo, todos se encontram insatisfeitos. Você percebe a insatisfação estampada no rosto das pessoas. É muita loucura! É muita falta de sentido! E quando chego na rodoviária, é algo que chega a me dar ânsia, um mal-estar, um questionamento sobre o porquê das coisas serem assim e não ter como fazermos nada! O que tem é essa rotina sem sentido! É ficar nisso e só! Tudo vazio! Realmente patético!

F: A maneira como vemos não é o real! Tudo que vemos e ouvimos, está sendo adulterado pelo conteúdo do imaginal. Todas as relações se baseiam em ganhar algo, adquirir algo, se sobressair de algum modo. Mas a observação vai nos arrancando disso também… É inevitável, visto que ela revela. Não temos condições de modificar o que hoje somos, mesmo tendo visto por meio da vivência relâmpago daquele “estado singular”, que não existimos como vemos tudo agora, é essa percepção limitada que se apresenta, com essa sensação de estarmos localizados dentro do corpo. Quando na experiência relâmpago daquele “estado singular”, essa ilusória identificação corporal caiu por terra, pois vimos que não estamos dentro do corpo, muito menos estamos em lugar algum. Entretanto, a estrutura cria a sensação de sermos algo preso, encapsulado dentro do corpo. Ela protege essa ilusão com unhas e dentes. Nessa ilusão, temos a sensação de estar aqui, em algum canto, dentro do peito, dentro da cabeça ou na garganta, o que é um absurdo. Infelizmente, também não temos potência para sair dessa sensação ilusória, pois já vivenciamos algo distinto disso. Então, nossas relações se baseiam nessa ilusão de separatividade: eu, você e os outros. Todos tendo a mesma sensação de estarem separados e presos dentro de seus corpos, beatamente honrando seus nomes, seus negócios, seus deuses e santos, suas inquestionadas crenças herdadas, ou mesmo suas ideias, seus achismos. Nossas relações não tinham como ser profundas, pois foram construídas sobre o nada, sobre o vazio, sobre essa sensação de separatividade, sempre juntando mais e mais entulho sobre seu nome, suas ideias, seus objetivos imaturos, etc. A Mente parece se perder facilmente, quando de fato, observa tudo isso; ela perde a direção, pois, sem essa sensação de separatividade, é como se vagasse para todos os cantos sem rumos algum. Essa inquietude, essa angústia, esse vazio, seja lá o nome que você dê para a sensação, é a própria energia buscando terra firme, depois de ver cair toda ideia de progresso financeiro ou de crescimento espiritual, etc. e tal. Todo investimento de melhorar, toda ideia de avanço, toda ideia de sempre estar indo em frente e para o alto.... Tudo isso cai por terra e ficamos apenas com a sensação de impotência, a inutilidade do nosso conhecimento adquirido para essa questão do sentido do viver. O conhecimento tem seu lugar apenas restritivo ao sustento do corpo; quanto a resposta do sentido da vida, nosso limitado conhecimento, de nada serve. Temos uma compreensão instantânea da estrutura, mas não temos como transcender a mesma. Estamos como que num jogo de espelhos: Quanto mais olhamos, mais descobrimos sobre a estrutura, mesmo assim, permanecemos na mesma. Parece que nos acostumamos ao modus operantes.

L: Para mim, também não tem saída. A vida do personagem é insatisfatória; em noventa por cento de sua realidade, percebe ser necessário algo desconhecido que de um significado mais profundo ao viver, ou que pelo menos explique internamente, que tudo está certo. Como isso não ocorre, o que resta é compactuar, protocolarmente, no que é cabível, pois aqui ainda não se apresenta a coragem de testar, de ir até o fundo real do viver pessoal (não fazer nada mesmo para ver o que acontece, mesmo virar mendigo se for o caso) para ver onde a coisa vai dar; aqui tem um limite onde o medo é capaz de chegar. Assim, seguimos não sabendo o que fazer, ou não fazer, com esse  modo de viver. Acredito que o que nos diferencia dos demais, é apenas saber da patetice, mas também, não temos a tal autoridade visionária, que nos torne capazes de agir inteligentemente. Só escolhemos recuar mais que os outros, por não termos tanto medo e por estarmos esclarecidos da estrutura, enquanto que eles, por um medo maior, ainda compactuam e aceitam de forma conveniente o que está aí estruturado. Acredito que não chegamos nem no ensaio, mas o que mais incomoda mesmo, é saber que não tenho a visão inteligente para viver dentro de algo que acredito ser necessário essa visão.

O: É bem por aí!

F: Acabou o vazio aí? Quando acaba? Fala logo, vai! Isso aqui parece abstinência de droga. Só dá uma melhoradinha quando vem aquele suspiro que você se centra na própria dor e se solta nela. Igualzinho! Se não há a observação, você fica identificado em tempo integral.