23/01/2021

Não levamos mais a sério o fluxo do imaginal

 

F: Então, vemos que a estrutura é tanto passado como futuro, o que deveria ser, o que será, o que foi, como o que é, no entanto, nem o que é, ainda é de fato o que é. Mas vamos ficando com o que é, e as interpretações vão caindo por terra. Não ocorre mais afetação. Todos os prós e contras, acaba toda a babaquice conceitual e só fica mesmo, essa inquietude primeira. Isso é o que percebo aqui, é o que sinto.

O: Quando você diz “babaquice”, não seria uma forma de ainda levantar prós e contras?

F: Pode ser sim. Digamos então, que agora, você vê todo jogo, tudo.

O: Não seria melhor dizer que vemos uma parte mais avançado do jogo? Não creio que podemos afirmar que estamos vendo tudo.

F: Não vemos, porque o fluxo não parou até agora, ele continua em sua mecanicidade não solicitada. Ele segue, não é algo estático. Essa é a percepção do momento, e do próximo, próximo, próximo... Digamos assim, só para nos comunicarmos.

O: Mas é ainda uma percepção fragmentada do momento, sempre presa num ponto mais pessoal.

F: Acho que por isso, a conclusão é abandonada cada vez mais rapidamente. Concordo que ela ainda é fragmentada, no entanto, percebo que nela estão ocorrendo significativas mudanças. Seus principais padrões, vão sendo vistos na estrutura. Isso é o que tenho percebido até então. Enfim, é isso!

O: Como a identificação com o fluxo vai caindo por terra, tudo que diz respeito ao que é produto da compartilhada estrutura social condicionada, também está caindo por terra.

F: Pode ser isso mesmo... A ignorância quanto a estrutura inquieta como a exata natureza de tudo, me parece ser o ponto.

O: Percebido o ponto, o conteúdo do mesmo não é mais levado a sério.

F: A própria estrutura faz de tudo para ignorar o fato dela ser a causadora de todo tipo de confusão, seja ela pessoal ou interpessoal. O que se imagina, nunca é o que é. Esse é um ponto que já se mostrou factual para mim.

O: Fica então, inevitavelmente, é um grande vácuo de ação.

F: Isso. O conteúdo projetado pelo fluxo já não importa mais. É como assistir filmes com roteiros diferentes, mas que todos terminam da mesma forma. Você não precisa mais nem prestar atenção, uma vez que já conhece o final. O que quero dizer com isso, é que não há esforço nesse desinteresse quanto as projeções do fluxo.

O: Visto isso, não há mais o mínimo interesse de ver os filmes, as projeções.

F: Exato. Todo trailer, todo filme perdem o sentido. De fato, nunca houve qualquer sentido nisso.

O: Mas ainda não se apresentou um novo enredo de ação; as células cerebrais se alimentaram por décadas do velho enredo.

F: Enredos de reclamações, chorumelas, dramas, problemas, etc., etc., etc. Nada mais que projeções mecânicas e não solicitadas, só filmes. Décadas de enredo e de envolvimento emotivo reativo com tudo isso, sem a menor percepção, sem o menor questionamento quanto ao seu mecanismo. Esse foi a exata natureza de nosso sofrimento por tanto tempo.

O: Não surge outro enredo, e o que surge, é visto como parte do mesmo enredo compartilhado.

F: Nunca foram as questões exteriores, nunca foi o comportamento alheio, muito menos, aquelas circunstâncias camufladas de “interiores”, tipo: depressão, angústia, ansiedade, solidão, etc., etc., etc. Quando, pela observação passiva não reativa, identificamos esse mecanismo de funcionamento, acabou! Corta o poder ilusório de identificação. E nem se trata de uma calculada ação pessoal... Digamos assim, nem somos nós que fazemos, isso ocorre por si. Não há um “fazedor”.

O: Sim, isso ocorre por si, e sem a menor possibilidade de retorno.

F: Não há uma entidade fazedora, não há aquele que faz, como anteriormente imaginávamos. Pode ser aí que então houve a confusão com a criação de um Poder Superior

O: Sim, um fazedor celeste, um fazedor divino.

F: Exato. Sem essa coisa de “Pai Divino”, “Eu Maior” para quem temos que orar e rogar. Nada daquela ilusória concepção de um Deus da sua concepção.

O: Sim, nada, nada, nada disso!

F: Percebe o golpe aplicado pela estrutura? Uma mente confusa formulando sua própria concepção de Deus...

O: Algo, talvez, celular, bioquímico?

F: Sim. Algo ali, já faz o serviço da própria observação, sem esforço de nossa parte. Algo já roda por si.

O: Não importa! Não tem como conjecturar. O que importa é que está ocorrendo uma significativa mutação no poder de percepção, de modo impessoal.

F: Bingo! Sim, não dá! Mas você concorda que algo roda por si? Certo?

O: Uma mutação que não aponta para um ponto de chegada pré-estabelecido.

F: Não estamos mais lamentando, quando dizemos que uma percepção precisa ocorrer. Não se trata do antigo e neurótico chororô, nada de mimimi.

O: Ou da velha esperança dos sistemas de crença organizada.

F: Olha, vou te dizer, sinto que estamos fazendo uma narrativa do processo.

O: Uma sóbria constatação da necessidade de um nível mais radical de percepção.

F: Isso está cada vez mais óbvio.

O: Não se trata de misticismo, esoterismo ou ranço dos sistemas de crença.

F: Tudo isso já foi percebido como balela. Nada de Planeta Aurora, de Deus do sol, ou outras crendices com bases em mensagens canalizadas.

O: Nada de abertura final dos chacras ou de um terceiro olho.

F: Nada disso se fez verdadeiro.

O: Só a capacidade de percepção não condicionada a algo além de si, e nem mesmo por si, nem pelo conteúdo do passado.

F: A observação vai fazendo aquilo que, de modo algum, conseguíamos fazer por nossos próprios e limitados esforços.

O: Mas a própria observação, ainda está em relação aos fragmentos.

F: Sim, mas é o que temos para agora. Chega-se num ponto em que tudo que experimentamos está consumado. Se algo que ocorrer na percepção, a mesma pode mudar demais. Nossa experiência é prova disso. É como dizia o poeta: “Esse caminho que eu mesmo escolhi, é tão fácil seguir, por não ter onde ir”.

O: faz todo sentido! Os poetas apontam, mas, quem tem olhos de ver?

F: Isso, tem olhos e não vê. Todo lance é que o cabeção vai aquietando após o quebra ondas, após a noite escura da projeção... Aí você tem uma observação mais apurada da estrutura. Antes disso, não tem como. Duro chegar aqui!

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