F: Você pode tentar transcender a
limitação imposta pela estrutura condicionada, pela mente adquirida com base no
medo, mas, se for sério, perceberá que o pensamento automático e condicionado,
logo terá a próxima pergunta pronta, sempre criando novos loopings para os
quais não encontra respostas, portanto, sustentando nossa limitação de
expressão. O fluxo mecânico e não solicitado perdura, o que podemos fazer, no
momento, é simplesmente “assistir” seu mecanismo de funcionamento, de modo
passivo e não reativo, assistir e sentir, sem se entregar ao vitimismo ou a
revolta, as sensações que ele sempre produz. Nosso próprio sentir está
condicionado, então, é apenas assistir os loopings de incompletude, de vazio, de
inquietude, de questionamentos... tudo que vai surgindo.
O: Sim.
F: O que vai surgindo e que vai
sendo percebo aqui, sendo muito sincero, é uma coisa do tipo “mansidão”; vou
colocar assim, porque não acho palavras. Há uma percepção e um sentir de tudo
isso, sem desespero, sem impulso para sair correndo atrás de alguma forma de
narcotização ou de explicação de terceiros, sem qualquer tipo de esforço, sem a
presença daquele antigo impulso ácido de julgar e de querer responsabilizar
alguém pela qualidade do que sentimos. Vejo isso muito claramente.
O: Entendo, mas creio que a
palavra “mansidão”, ainda não cabe aqui.
F: Ok! Não acho palavra mesmo.
O: Penso que a palavra “neutralidade”,
seria um pouco mais aplicável.
F: Pode ser também, porque a
palavra não importa muito. Só para tentar comunicar.
O: Certo.
F: Algo ligou um responsável e
pacífico “foda-se” geral.
O: Vejo que essa observação
passiva não reativa, arrancou de nós aquele antigo “minha culpa, minha tão
grande culpa”, tão condicionada pelo sistema católico, aquele sentimento de
sermos responsáveis por sermos e sentirmos assim.
F: De fato, a observação arrancou
isso, o que não significa que nos tornamos levianos.
O: Isso também tira o vício de
querer culpar o outro por nossa incapacidade de manter real conexão, por nossa
percebida carência de lucidez e autonomia psíquica.
F: Além de toda forma de mimimi,
arrancou também a tentativa de entender tudo isso, por meio dos limites da
lógica, da razão e do esforço pessoal.
O: Sim. Hoje vemos a nós mesmos e
aos demais, nessa neutralidade, com a consciência de que não tem como ser
diferente.
F: Isso está cada vez mais claro:
somos todos prisioneiros no meio de prisioneiros.
O: Sim, um looping de adultos
adulterados adulterantes. É o que percebo até aqui.
F: Você vê que a estrutura é a
mesma, então, não há como culpar ninguém, porque todos sofreram o mesmo tipo de
adulteração, variando apenas, quem sabe, na intensidade do condicionamento
adulterante.
O: Trata-se de uma condicionada
estrutura psíquica forçosamente compartilhada transgeracionalmente.
F: Vemos isso sem nenhuma culpa, autopiedade, ranço, chororô, mimimi, nada.
O: Ela é instalada quando ainda não
temos condições de estarmos conscientes de sua instalação e poder de
adulteração da percepção da realidade.
F: Vimos também que somos
totalmente impotentes no que diz respeito a uma mutação real, mutação que não
produz recaída nos comportamentos da estrutura. Agora, como a observação se
instalou, e percebemos nossa impotência diante dos loopings limitantes, o que
podemos fazer é só assistir. Fazer qualquer coisa a mais que seja sugestão do
imaginal, é permanecer alimentando a mesma insanidade. Percebemos que esse foi
sempre o mecanismo de ação, o mesmo mecanismo que nos trouxe até aqui.
O: Percebo que a maioria de nós,
também tenta essa conexão real, mas, como também funcionam na mesma estrutura,
não conseguem, pois, inevitavelmente, sempre ocorre o choque entre aquilo que
está sendo imaginado quanto a realidade do viver em comum; sempre ocorrem os choques
entre os imaginais condicionados, os choques entre limitadas percepções da
realidade.
F: Sim, o outro também tenta e,
assim como nós, não consegue. O choque é realmente inevitável, como bem nos
mostra a história humana; o imaginal, com seus impulsos emotivos reativos separatistas,
sempre entra produzindo adulteração. E aí, quase sempre, quando nos tornamos conscientes,
ao tentarmos reparar essas adulterações, criamos novas formas de choques e
adulterações... Estamos presos num looping.
O: Sim, sempre ocorre o choque
entre as limitadas interpretações conceituais.
F: Cada vez mais claro isso, é
bem assim que o mecanismo funciona. Vejo que ai está, por hora, o limite da
coisa.
O: Não é difícil chegar na
percepção de que todos, independente do seu grau de cultura, de sua classe
social, do sistema de crença que alimentam, todos vivem com base no cálculo
autocentrado, com a mesma mente com base no medo, portanto, com a mesma frieza
dissimulada por um modo de viver politicamente correto.
F: Acabou! Trata-se de insanidade,
continuar tentando modificar o que não podemos: estrutura não muda estrutura. Veja,
chegamos no “the end”, onde não vivemos felizes para sempre. Aparentemente, o
objetivo do processo de descondicionamento, por meio da observação passiva não
reativa, foi por nós alcançado.
O: Aceitar a impotência no que
diz respeito a transcendência dos limites impostos pela própria estrutura, parece-me o último estágio do processo de descondicionamento. Chegar naquele, “eu por mim
mesmo, nada posso”...
F: Exato. A não ser, é claro que,
insanamente, esperemos o ouvir do cantar dos anjos, digamos assim. A própria espera
de um milagre, se você olhar bem, me parece ser um truque, um novo looping da
estrutura. Entretanto, a percepção da própria impotência quanto a capacidade de
transcender a si mesma, no que diz respeito aos limites da própria estrutura,
coloca uma pá de cal nela mesma. Isso é o que aqui está sendo percebido e sentido.
O: É bem isso!
F: Não sendo mais responsáveis por
tentar transcender nosso modo de perceber e de sentir, ao não mais tentarmos forçar
conexão com tudo que é, com isso, chegamos no limite da própria estrutura, certo?
O: Acho que esse é o ponto mais
radical em que, pelo limitado movimento pessoal, podemos chegar. Algo que não é causado
por nosso cálculo limitado, precisa se manifestar em nós. Sem isso, parece que
não há como ocorrer uma libertária mutação psíquica.
F: Chegamos num xeque-mate.
O: Sim.
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