29/05/2021

Aceitação implica em esforço da estrutura psicológica

 

O: Percebeu o enredo, a sensação desmonta.

F: Percebeu a sensação, é porque o enredo está rolando, criando identificação com a história.

O: Mesmo você percebendo, tanto a sensação como a história, ela tenta se instalar mais fortemente, mas o centramento da observação impede que isso ocorra. Veja, a sensação parece ter um certo tempo para ser dissolvida

F: Exato! Não para!

O: Sim, não para de imediato só pelo fato de ter sido constatada. Não entendo muito da química orgânica, mas me parece que o sangue precisa filtrar essa carga somática. Mas, pelo menos aqui, é questão de poucos minutos após o centramento da observação.

F: Para mim, também é uma questão química.

O: Você percebe o enredo e sua posterior carga somática. O fato de não se envolver com o enredo, detém a produção natural que dele decorre, por isso, sempre se dá um ranço de sensação.

F: Antes levava muito tempo.

O: Sim, porque nos identificávamos e, enquanto identificados, ficávamos alimentando a sensação.

F: A identificação com o enredo é a causa primária que alimenta o looping de sensação. A identificação com o enredo, causa também o looping dos pensamentos e um alimenta o outro.

O: Sim, há uma codependência ali.

F: Uma pura adicção.

O: O fato é que, percebido de imediato o enredo, não há cristalização da somatização. Não há como contestar isso. A identificação é que nos envolve em inquietas sensações.

F: Sim, percebido de imediato, não há espaço para a identificação com sensação. Mas é preciso ficar claro que sempre passa algo ali, pois a observação ainda não pega tudo.

O: Penso que, enquanto houver o fluxo, algo sempre passará, sempre haverá um ranço de inquietação.

F: Pode ser que sim. No fundo no fundo, isso nos revela cada vez mais, que tudo não passa de uma história, um sonho.

O: Eu vejo aqui, mais e mais: percebeu o enredo, de imediato, a sensação não nos envolve. É o envolvimento que nos descontrola. Porque envolve a mente e não vemos mais nada!

F: Sim, é o envolvimento. Mas sempre ocorre um ranço de sensação.

O: Um ranço...  migalhas de sensação.

F: Isso, mas há.

O: Por isso afirmo que, enquanto o mecanismo funcionar de modo mecânico e não solicitado, sempre haverá a possibilidade de identificação, de somatização, de reação e de permanência no looping.

F: O que não deixa de ser uma ideia sobre um fato.

O: Não se trata de uma ideia sobre um fato, pois isso tem sido um fato até aqui.

F: Penso ser uma ideia, visto que não sabemos se o fluxo realmente para.

O: Você já teve duas amostras de um estado de ser em que não havia movimento do fluxo. Não há como descrever isso.

F: Não notei mesmo que havia fluxo.

O: Não há, porque ali não há tempo. Trata-se de um estado atemporal e, pensamento, é tempo.

F: Trata-se de um outro estado de ser, não tem nada a ver com isto que vivemos.

O: O pensamento requer tempo e se baseia no que foi colhido no tempo. Você nem ao menos tem como pensar naquilo que você viveu de modo breve. Só pode pensar no que o pensamento colheu do ranço daquilo, mas não daquilo em si; só pode pensar sobre as migalhas.

F: Incompreensível para o pensamento.

O: Mas ali, não havia o fluxo, apenas um silêncio insondável. O fluxo é uma forma de barulho.

F: Sim, o fluxo entrou depois.

O: Sim, tentando compreender aquilo ou tentando capturar aquilo novamente.

F: Havia uma atenção diferente das pessoas ao meu redor, do corpo dirigindo por si, de que aquilo que eu sou, não está limitado ao corpo. Ali não há nenhuma forma de grude, nem pensamentos, nem sensações, do tipo dessa base de inquietude que vivemos.

O: Sim, não há nada além de uma incausada "leveza", tendo que a palavra leveza, de modo algum alcança aquilo. Enfim! Falar sobre isso, é entrar em outro looping. O que há agora, é a base de inquietude, a qual é barulho observado e sentido.

F: Nem quero falar.

O: O que temos é esse desmontar de histórias de momento em momento. O resto, é mais e mais histórias criadas por uma mente confusa, querendo obter segurança na defesa de certezas incertas.

F: Vejo que a observação fez muito mais do que isso, pois ela pegou o pensamento em seu todo, não importando mais nem qual trailer esteja sendo lançado por ele. Cara, estamos longe, véio! A observação aprofundou muito, pegando tudo.

O: Sim, ela vê a história chegando, vê que é história, e já desmonta a possibilidade de identificação, de envolvimento. Então, segue outro enredo, ou por vezes, o mesmo enredo, só que contado de modo diferente.

F: A observação pegou o contador de história, pegou o processo formador de imagem, o projetor das imagens, pegou o irreal que era tido por real, laçou tudo; aquilo que sentíamos era falso, juntamente com as histórias...  Os sistemas, as programações com suas necessidades de inventário e reparações, tudo isso foi pro saco... a minha tal grande culpa, a minha tal linda experiência de vida... Tudo isso agora é visto, desmoronando como nas cenas finais do filme “Origem”. Muito bizarro, véio! Enquanto identificado com isso, é só isso: um sonho, dentro de um sonho, dentro de um sonho dentro... É o pensamento que cria a sensação de que ele é real, mas na real, não é. Cômico tudo isso!

O: E não temos mais certeza de nada.

F: Exato! Não abrigamos mais certeza de nada. Exato, isso é lindo! Qual certeza que vou manter hoje? Tudo não passou de pose, como disse a Deca.

O: Fica uma sensação muito estranha quando se percebe isso, estando rodeado de adictos de certezas emprestadas.

F: Exato! Todos defendendo verdades que nem ao menos foram questionadas; e não temos nada a dizer.

O: Outra coisa interessante é que você vai vendo cair todos os condicionamentos que você abraçou, esses condicionamentos que você colheu da literatura das escolas místicas, esotéricas, espiritualistas, que você foi abraçando quando em momento de desespero, onde você precisa se agarrar em alguma coisa, pra ver se fazia algum sentido ou lhe desse alguma resposta. Por exemplo: a numerologia... Lembro-me do quanto fiquei aí, acreditando na aparição dos números, como o 11:11 ou o 44... Como se a Vida criasse um criptograma, não é mesmo? Para que você se esforçasse para decifrá-lo a fim de poder compreender a Vontade Dela em relação a você. Quer dizer, a Vida não poderia ter uma inteligência tão grande para lhe dizer diretamente o que Ela espera de você? Não, a Vida é tão limitada que precisa se sustentar num conjunto de números, para você buscar por algo ou alguém que lhe ensine a numerologia, para que você possa entender a Vida de modo assertivo. Cara, quanto imaturidade de minha parte! Tudo isso caiu por terra, se fez motivo de riso!

F: Sim, todas as crenças vão caindo por terra, todas as práticas...

O: Sim, tudo isso é visto como invencionices de mentes igualmente confusas, que só podem ser aceitas quando a mente se encontra em semelhante estado de confusão.

F: Cai tudo! A única coisa que fica, por exemplo, é que tudo que vamos vendo de fato hoje, quer queira ou não, bate com toda a percepção do Krishnamurti. Não estou enaltecendo-o, nem nada, apenas constatando. Veja, no meu caso, sempre foi a crença nos signos, nos sinais, nas coincidências que eu chamava de sincronicidade... Tudo isso também caiu por terra. Aqui era só crença, misticismo, signos, números...

O: Trata-se de uma influência cultural que sempre toca os que estão buscando.

F: Sim, aqui sempre foi isso; era a sensação resultante das projeções do pensamento.

O: Sempre o próprio pensamento se apropriando das crenças criadas por outras mentes adictas do pensamento, e sendo o próprio pensamento justificando a crença e a prática de tais crenças. Ver tudo isso já arranca um enorme fardo de ilusão.

F: Sempre isso! Se fundamentando nisso!

O: Sempre criações para que você cristalizasse cada vez mais a crença no pensamento condicionado.

F: Sempre outra velha opinião sobre outra, defendendo bandeiras. Aí a frase clássica então: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”... Pode ser isso mesmo.

O: Desde que você tenha o significado da expressão “Filho do Homem”, como o estado que nasce da observação passiva não reativa.

F: Mas... Foda-se essa frase também... As frases, por mais belas que sejam, de nada mais servem. Tudo se mostra sem sentido...

O: Sim, visto que não cumpriram o papel de nos libertar, apenas, sustentaram nossos condicionamentos, ou serviram para acrescentar mais deles. Outro condicionamento que não faz mais sentido, e que já tive muito medo de afirmá-lo para mim mesmo, como sendo apenas um condicionamento... Esse é poderoso: a crença num Deus e que Ele tem um propósito, um destino já estabelecido para mim, o qual preciso descobrir... Essa ideia de me preparar e me esforçar para manter um contato consciente com um Deus concebido por minha mente limitada e confusa, com o fim de saber qual é a Sua vontade em minha relação e ainda rogar por forças para fazer a Sua vontade, isso se mostra hoje sem sentido algum. Que Deus é esse que espera que eu chegue num ponto de desespero tão grande, que espere a minha ação de rogar, para me dar o conhecimento de algo que não tenho a menor vontade de fazer, apenas para agradá-Lo? Assumir isso e jogar isso por terra, foi muito difícil, uma vez que isso é um condicionamento transcultural e multigeracional, sem falar nos anos que o mesmo foi se cristalizando na mente, por influência dos grupos de anônimos. Veja que estamos indo na contramão de tudo que a maioria que nos cerca acredita, alimenta e transfere para seus filhos, parentes e amigos, como sendo a verdade. Já participamos disso, também já fomos propagadores dessas crenças.

F: Foi tudo produções do imaginal.

O: É um alívio estar livre disso. Não foi difícil abrir mão disse, depois de ver que isso foi escrito pelo fundador do A.A., sem que ele, na verdade, tivesse vivido isso que colocou numa programação de passos. Morreu com depressão fazendo uso de LSD, e em seus delírios finais, pedindo por álcool; nunca conseguiu se ver livre da depressão, nunca se viu livre da mente. Portanto, fica fácil descartar a cultura, tendo em vista que ela não criou uma sociedade lúcida, amorosa e livre de sectarismo.

F: Porque é o pensamento em si que cria essas irrealidades, essa superficialidade. Os relacionamentos são todos superficiais, porque permanecem sempre no nível mental; as relações profissionais, então, a observação escancara a forçosa relação e os sorrisos falsos.

O: Rela, aciona a mente...

F: Exato! Escancarou. O outro, sempre funcionando no nível mental, acredita que tira proveito da situação, enquanto apenas observamos a compartilhada encenação. A percepção arrombou a vitrine; caímos na total impotência da inquietude e num grande paradoxo. O que se apresenta não convence e, perceber que algo tem que ocorrer, nos joga ainda mais na inquietude. Xeque-mate extremo... Isso que sentimos é naturalmente rejeitado por nós mesmos. Paradoxal. Só que ficamos com isso.

O: Não há o que fazer. Há uma ansiedade extrema pela descoberta de um estado incondicionado de ser, porque o estado em que nos encontramos, já não faz o menor sentido de ser; mas aqui não significa nada visto de modo depressivo ou com os antigos impulsos suicidas. Nada disso! Simplesmente uma constatação bem centrada.

F: Ansiedade imensurável. Todo dia de encontro é desencontro.

O: Temos que aguardar, pois algo deve acontecer, visto que não faz sentido caminhar até aqui, e ficarmos empacados neste nível de percepção. Até então, paciência, muita paciência.

F: Sinto o mesmo.

O: É interessante notar esse nosso impulso de ter que achar algo para ser feito para que possamos acabar de vez com essa base de inquietude. Esse impulso é uma forma de condicionamento que colhemos ao longo de décadas, visto que sempre fomos condicionados pelo meio, de que você tem que fazer algo, que você não pode ficar parado, que você não pode ficar esperando as coisas caírem do céu. Então, fomos condicionados ao longo de todos estes anos, em todas as áreas, todos os nossos sentidos naturais não estão em sua naturalidade, eles estão embotados por ação dos condicionamentos adquiridos. Então, a estrutura mental e emocional pela qual percebemos, recebemos e interagimos com o que acreditamos ser a realidade que nos cerca, ela é completamente condicionada. Dias atrás, falamos a respeito do condicionamento "Deus", que a meu ver, trata-se de "sublime condicionamento", condicionamento esse do qual alimentamos a crença de que o mesmo poderia nos "devolver a sanidade", em outras palavras, nos descondicionar. Então, para mim fica muito claro o seguinte: essa observação vai nos dando condições de percebermos, de momento a momento, mais e mais facetas dos nossos condicionamentos, bem como o modo que esses condicionamentos criaram as suas respectivas dependências. Então, não adianta querermos condicionar uma possível saída do nosso atual estado condicionado de ser. Como você pode sair do atual estado condicionado, se condicionando a sair do condicionado? Trata-se de um paradoxo. Então, vejo que precisa ocorrer o incausado despertar do estado incondicionado de ser, o qual você não pode condicioná-lo. Então, se não ocorrer o despertar do estado incondicionado de ser — do qual já tivemos breves experiências de sua realidade —, o que fica é só a percepção desses condicionamentos. No entanto, o que se mostra interessante é que está sendo quebrado o condicionamento de reagir a esses condicionamentos e suas respectivas dependências. Tipo aquele imaturo impulso, qualifico até mesmo de neurótico, de querer sair correndo para tentar alguma coisa... Não há o que ser feito, porque o fazer, seria outra forma de condicionamento. Então, é aguardar a possibilidade da vinda de um estado de ser incondicionado, um estado de espírito saneado. Nada mais pode ser feito.

F: A estrutura é inteiramente condicionada. Esse é o ponto que me fez escrever hoje cedo que, naturalmente, do mesmo modo que a estrutura não tem controle algum sobre os pensamentos, também não tem sobre as sensações. Então, nosso corpo, não sei dizer o porque, já acorda com uma incrível inquietude, uma inexplicável sensação de mal-estar. Nossa tendência é de atropelar tudo, sempre foi isso. Tentar levar no peito, superar isso; sempre pelo tentativa de encontrar  oposto. Até os grupos anônimos condicionam dessa forma. Só que tudo isso é inútil quando percebido a totalidade do mecanismo; trata-se de mais e mais energia jogada fora. Na verdade, o oposto é parte da mesma estrutura. Então, quando percebemos essa jogada de querer reagir, de querer buscar pelo contrário, que sempre foi nosso modo de reação, quando percebe que não pode fazer nada contra essa base de mal-estar, porque a grosso modo, isso é você mesmo, é a mente e o corpo, é a estrutura em si... então, quando você se percebe disso, pelo próprio processo de observação, você vê que nada pode ser feito para aplacar o mal-estar. Nada!

O: Todos os nossos sentidos estão condicionados. Eles foram condicionados ao longo do tempo pela cultura, pelas experiências que tivemos. Então, se não ocorrer algo que depure os nossos instintos naturais, eles não terão como funcionar de modo integral, de modo correto. E, uma vez que esses instintos se mantenham condicionados, ou seja, funcionando de modo fragmentado, é óbvio que não temos uma percepção integral, real, holística, da realidade que nos cerca e da qual somos parte integrante. Então, para termos essa percepção, penso eu, nossos instintos teriam que ser depurados de todo condicionamento, no entanto, não há como condicionar essa depuração, esse descondicionamento.

F: Por isso que afirmo que caímos na total impotência diante da inquietude, assim como num enorme paradoxo. Porque, o que se apresenta não convence mais, não nos toca, notamos isso e o sentimos na pele, e qualquer coisa que tentamos fazer para solucionar essa mesma inquietude, ela nos joga num nível maior de inquietude, portanto, qualquer ideia não resolve, porque ela joga mais e mais inquietude, cristaliza ainda mais a inquietude. No fundo, é uma ansiedade que faz você sentir o corpo queimando, por meio de sensações atrás de sensações; e todos nós fomos condicionados a pensar em como resolver o problema da inquietude. Mas, no que diz respeito a base de inquietude, pela via comum do uso do pensar, você não chega numa finalização, não alcança uma solução. Sempre tentamos isso, e nunca conseguimos. Pelo pensar, você nunca se livra da inquietude proveniente da compulsividade do pensar.

O: Então, sem o despertar de um estado incondicionado de ser, permanecemos entravados nesse momento, em que a observação amadureceu a tal ponto que ela consegue perceber todas as manias, tendências, vícios, padrões de comportamento obsessivo compulsivo, toda reação imatura, todos os traumas e limitações, toda ausência de genuína criatividade, inseguranças, o como nossas relações permanecem somente no nível do mental, das imagens e dos conceitos de certo e errado, toda dependência, todo impulso emotivo reativo que fica fluindo, pulando, pedindo para que ocorra uma identificação... Você fica vendo tudo isso, ao mesmo tempo em que percebe a total carência de sentido num estado de ser com essa base de inquietude, percebe também que não faz nenhum sentido se entregar ao que está sistemicamente estabelecido e... Não tem o que ser feito, a não ser observar, sentir e não reagir! É o que tem pra hoje. Vamos percebendo que, a cada momento, vai ficando muito mais fácil de não mais reagir a nada disso, de se manter num estado de não busca, ou seja, de não dar indevida importância, como sempre o fizemos no decorrer de uma vida de inconsciência.

F: A impressão que chega é a de que olhamos tudo pela forma contrária, ao avesso. A nossa lógica, por estar condicionada, se mostra incapaz de compreender. Parece-me que não é só uma questão de que falta uma capacidade maior de percepção. A impressão que tenho, é a de que a nossa estrutura psicológica não consegue alcançar a compreensão de sua base de inquietude, porque ela quer entender com seu limitado arquivo de informação adquirida, o que tem se mostrado impossível. Veja que demorou muito para entendermos que a base, o fundo, é inquieto, é crônico mal-estar. A estrutura psicológica praticamente não aceita esse fato, então, é como se a estrutura fosse o leitor errado da coisa... porque ela não tem como ver como sair dela, por meio dela. No entanto, ela não consegue perceber que ela mesma é o próprio viés; a percepção dela nunca é o que é. Ela sempre verá dessa forma, porque ela é o viés; ela busca a ideia de perfeição e de bem-estar sobre o fato já instalado. Sempre foi esse o mecanismo, só que não havia como ser visto: uma cultura social que vive de pose, da sustentação de imagens de bem-estar, de sucesso, de criatividade, etc., etc., etc., inclusive, no chamado mundo espiritual. Mas, o que de fato encontramos e vivenciamos é sempre o oposto.

O: Mundo espiritual é só outra forma de condicionamento mais requintado.

F: A estrutura psicológica não é capaz de aceitar isso. A própria aceitação já implica um esforço da estrutura psicológica, pode ver.

O: Sim, outra forma de condicionamento.

28/05/2021

A observação relâmpago e a metamorfose ambulante

F: Sem chance: a mente, condicionada como está, fundamentada numa base de medo e inquietude, não tem como se firmar, muito menos se relacionar com nada. O negativo foi revelado. Pensamentos repetitivos circulares “dolorosos”

O: O lance é não entrar neles, visto que por eles, não tem saída. São só pensamentos com suas respectivas energias.

F: Não entramos mais porque sabemos que eles são isso; não dou mais crédito ao seu conteúdo. Pegamos os seus conteúdos mais dolorosos e repetitivos e olhamos como do mesmo modo que o personagem Neo, fez com as balas que partiam dos agentes Smiths. Nada mais causa reação, ficando somente a sensação. Não há nada de real teor no fluxo mecânico e não solicitado do pensamento, nada!

O: Não temos a resposta para um viver de bem-estar comum, por meio do pensamento e nem por meio da busca no externo.

F: Só restam as sensações, a desconexão do que sentimos, só isso, pode ver! Não há nada além disso! Nem mesmo o nome que o pensamento dá às sensações, se encaixa perfeitamente na sua descrição. Pode ver! Não tem um nome para isso que estamos vivenciando, essa constante mutação de energia que contrai de um lado, repuxa do outro, e assim vai.

O: Não temos a resposta por meio desse mecanismo interno e nem no externo.

F: Não temos, de modo algum. O que temos são as sensações e os pensamentos que se contradizem de momento a momento. Só! Fora disso, é mais do próprio pensamento circular e confuso. Não há nada de real ali, tudo débil. Percebo claramente a debilidade que o meio externo gera ao corpo e ao cérebro humano. Observe isso.

O: Até o presente momento, a única opção que me parece razoável é continuar observando o mecanismo e sentindo as sensações, sem dar importância às mesmas, sem reagir, sem querer delas escapar. Algo do tipo: levar a sério a observação, mas não o que é observado. Isso está causando um colapso no antigo modo reativo da estrutura. Do mesmo modo que fez o personagem Neo, estamos mergulhando bem no centro da estrutura conflitante. Talvez, a libertária e integrativa lucidez, surja desse mergulho.

F: O colapso que está ocorrendo é muito claro. Está muito simples de ver o pensamento como ele é, assim como a capacidade de sentir o que se apresenta: sensações cruas. Perceba que não tem mesmo como nomear. Nada a ver.

O: Nem mais precisamos nomear, porque o nome, não é a sensação. O: Nem mais precisamos nomear. Entra o trailer, e a observação o desliga quase que instantâneo.

F: Sim, quase que instantâneo, como nunca foi. Nunca vi tão rápido e de modo tão isolante.

O: Como ainda entra o trailer, naturalmente, fica um resquício de sensação que advém desse trailer. Não tínhamos como ver as balas disparadas pelo mecanismo, por isso não tínhamos como conhecer o mecanismo.

F: Nunca nos foi possível. Enquanto não descobre a observação passiva não reativa, já era. Quanto mais deixamos de nos identificar e reagir, mais o mecanismo perde força.

O: Exato. Todo lancem parece estar na capacidade de identificar sem se identificar. Não somos nós que puxamos o gatilho do mecanismo. A não reação parece ser o agente modificador.

F: Ou mesmo a reação, no sentido que é ela quem mantém você no looping. Só observar os adultos defendendo suas opiniões... É um looping, sempre as mesmas reações... Quando a reação cai, você não precisa mais defender sua opinião.

O: Sim, você perde a necessidade de opinar em questões alheias.

F: De fato, a reação era alimentada pela sua opinião.

O: A reação é que mantém o mecanismo em seu funcionamento de sempre.

F: Enquanto reativo e ressentido, o looping está sendo mantido, mesmo que você permaneça calado. O mecanismo é mais profundo do que só observar os pensamentos.

O: Ressente o que, a não ser a sensação? O ressentir é identificação.

F: Exato! Sem dúvida alguma! Por isso você “re sente”... Reação do sentir, o looping em si está aí, esse me parece ser o núcleo reator do mecanismo.

O: O lance é deixar a sensação vir e ir. É o que parece funcional no momento.

F: Sim, deixar ir e vir; sem isso, sem chance. Mas, até ver isso e isso ocorrer, rola muita bala. Ainda algumas balas atingem o sensorial.

O: Enquanto não temos condições de ver bala por bala, imaturamente ficamos correndo nas construções da Matrix. Você permanece correndo de um lado pro outro na Matrix, só pra ver se consegue alguma ligação, alguns conexão que o livre da sensação causada pelo mecanismo.

F: Não vai conseguir por aí. Se, ao invés de correr, você permanece na observação, você vê apontar e desaparecer na tela do imaginal, todo padrão reacional mais íntimo. Enquanto está correndo – o que é uma forma de reação – você alimenta o looping.

O: Essa busca de ligação externa, de contato externo, só nos mantém na pseudo segurança da Nabucodonosor pessoal, na verdade, nada disso dá liberdade real, não nos fazem voar.

F: Enquanto iludido com a busca externa, não tem como. Enquanto encapsulado por doações psicológicas de terceiros, não há como. Sabemos bem que as doações psicológicas de terceiros só alimentam uma falsa segurança, não libertam de fato.

O: Por isso não há ligação real, nem no externo e nem na mente, porque, o que trazemos na mente, são marcas das doações psicológicas de terceiros ou das nossas reações a elas. Precisa ocorrer algo além, algo como o despertar de um poder de ação superior. Sem isso, o que podemos continuar fazendo é só observar as balas que surgem em forma de pensamentos e sensações. Sem uma mutação, incausada pelo mecanismo, esquece.

F: Muito claro e com muito sentido. Penso que o mecanismo vai entrando em colapso, pela própria ausência de identificação e reação. Isso vem fazendo sentido, porque isso tem modificado a observação e o próprio padrão reativo.

O: Veja, você pode correr o quanto quiser e para onde quiser... Pode fugir pra onde for, mas você ainda leva consigo o mesmo mecanismo que sugeriu a fuga, assim como o local e o modo de fuga.

F: Leva sua opinião, sua estrutura reativa, a sensação, suas ideias, de que nada mais adiantam. Isso aí tem que morrer.

O: Sim, são balas que precisam cair ao chão, sem qualquer esforço ou reação de nossa parte. O revólver reativo tem que cair no chão.

F: Sim. Revólver no chão... Fechar os olhos e observar a sensação... o medo. Isso é que tem se mostrado funcional.

O: No momento, não reagir a sensação, tem se mostrado a melhor opção; se desligar dos trailers do imaginal pela ação da observação relâmpago... Quando mais rápido, menos sensação.

F: Muito sútil, não é mesmo? Quem chega nesse ponto de maturação da observação, passa a enxergar o seu mecanismo reacional mais íntimo. Quanto mais amadurece a capacidade de observação, menos preocupação com as balas, menos envolvimento.

O: Mais facilmente você percebe que você não é as imagens que passam em sua mente, muito menos as sensações que surgem no seu corpo. Tanto as imagens como as sensações, deixam de ter poder sobre você, deixam de lhe governar.

F: É a frase do filme “Revolver”: “Eu não sou você, você não me controla! Eu controlo você!”

O: Então, o lance é não deixar que os trailers envolvam a mente. Isso é não envolvimento.

F: Apesar de ver claramente que só há pensamentos, um na sequência do outro. O primeiro diz algo, o segundo diz que viu o primeiro dizendo algo, mas é só outro pensamento... Do mesmo modo o terceiro... Trailers e mais trailers. Bizarro! E um quarto trailer, um quinto, um sexto... tudo sem sentido! É isso: pensamentos loopando de modo mecânico e não solicitado. Ali é só isso.

O: O mais que você pode fazer é não deixar a mente ser envolvida por esses trailers; se desligar dos trailers pela observação relâmpago. Só há isso como opção.

F: Perfeito! Nem damos mais orelha ali.

O: A observação relâmpago não faz com que o fluxo termine, mas, ao menos, não dá pólvora para a criação de novas balas.

F: Não se trata mais de uma opção, visto que a observação já está pegando tudo, já está instalada e joga o imaturo envolvimento ao chão. O software da observação relâmpago, assim como o mecanismo, também roda por si, funciona como um poderoso firewall, um antivírus. Exatamente isso: ele bloqueia, não impede.

O: Pega o vírus e joga na lixeira ou, pega a bala, a observa rapidamente e a lança ao chão.

F: Ainda não há em nós, um dispositivo do tipo Apple, que nunca permite a entrada de vírus. Somos como o Windows: uma janela aberta ao que vem da rede.

O: A observação relâmpago vê o medo e a dependência que se apresenta com cada bala.

F: Vê tudo, todo medo, toda história, vê todo conteúdo. Foi sempre isso durante toda minha vida, essa foi sempre a minha história. Pkp! Bizarro. Os porquês, as quedas.

O: Você não saca mais a espada da bainha.

F: Não. Por incrível que parece, não mais. Apenas quando necessário mesmo e, ainda é muito consciente quando necessário; trata-se de uma ação e não mais de uma inconsciente reação emotiva.

O: A observação relâmpago faz você perceber o quanto ainda é dependente da aprovação do meio que lhe cerca.

F: Sim, ela pega nossas reações mais sutis. Inevitável. Assista o filme “A queda”, o processo todo está lá.

O: Estamos como que “dixavando” o mecanismo.

F: Sim, desarmando ponto a ponto, até enclausurar de vez a estrutura. A observação relâmpago está detonando tudo; agora, entramos numa zona obscura, na “caixa preta”, onde se encontram as falas e sensações minuciosas...

O: Isso, algo assim!

F: A observação relâmpago entrou na zona em que os padrões reativos mais sutis, estão sendo expostos, as nossas opiniões mais profundas... Tudo opinião! Tudo o que nos fizeram, nossa formação... Tudo está desmoronando: aquilo que achamos como verdade, o que pensamos sobre tudo, nossas ideias, nossas dependências... tudo está sendo demolido. Você se vê sustentando e sustentado por besteiras.

O: A velha opinião formada sobre tudo está colapsando. Mesmo aqueles pensamentos de você como alguém plenamente maduro, tendo um final feliz, não passam de balas do imaginal, tudo mais do pensamento. A percepção disso tudo está produzindo uma metamorfose.

F: Exatamente! Percebi isso a noite. Bem isso que estamos conversando. Aquela velha opinião formada sobre tudo, é o padrão reativo que mantem o looping ou o próprio looping. A observação relâmpago vai demolindo a velha opinião formada sobre tudo, sobre o que é ou não o amor, sobre o que eu nem sei quem sou. Piada! É, cara! Vamos vendo que não precisamos mais viver com as "nossas" ditas verdades e certezas, pois as mesmas, são só pensamentos; não precisamos defender mais isso.

27/05/2021

O xeque-mate da observação passiva não reativa


O: Essa fase avançada do processo de descondicionamento produz uma enorme carga de ansiedade.

F: Sim, ansiedade misturada com a vontade de não fazer nada daquilo que forçosamente precisa ser feito. Waking dead, Walking life.

O: Mas são apenas ondas de passante energia.

F: Sim, nada mais que isso. É só a base se agitando enquanto é observada passivamente.

O: Essas ondas de energia não podem ser levadas a sério.

F: Claro, são apenas sensações e mais historinhas; só que é muito cansativo, desgastante. Mas veja, há alguns anos atrás não havia a menor possibilidade de ver isso, não tinha como identificar essas ondas e energia, por isso, sempre ocorria a identificação emotiva reativa. Hoje estamos muito menos reativos, algo vai mudando no decorrer da maturação da capacidade de observação. Isso porque, tanto as historinhas como as sensações delas decorrentes, não são mais levadas a sério, portanto, não machucam mais. Só que fica nisso, esse interrupto purgar de histórias e sensações. Você vê que é uma completa piada, pois que cada momento você está numa história diferente... Piada, véio! Mas é isso! Não temos ainda a real; essa observação sem identificação reativa é o máximo que tem. O mais próximo do real é isso: as sensações que temos. Tudo porque a observação vai neutralizando a reatividade. Veja, éramos movidos pela reatividade. A observação deixou claro o quão débil é se identificar com as histórias e sensações e a elas reagir. Não faz sentido! Não resolve! Só alimenta a estrutura. A observação está arrancando a nutrição da estrutura, a qual me parece ser a reação.

O: Vejo que é inegável que já se instalou a base de uma significativa mutação psíquica, só que ficou só numa base, não fundamentou uma nova estruturação descondicionada. Mesmo com essa qualidade de observação passiva e não reativa, ainda permanece a base inquieta, sendo vista pela base de observação não reativa. Insisto que algo além do que conquistamos até aqui com a observação, precisa ocorrer.

F: Precisar, precisa, mas... A observação passiva não reativa é só o que temos até o momento. O que tem é isso: histórias acrescidas de sensações, sendo observados e sentidas de modo passivo e não reativo... Só isso que tem.

O: Sim, é o que temos, sem abrigar nenhuma firula ou cacoete espiritualista.

F: Veja, Out, estes dias eu estava conversando com um familiar, a respeito de outro familiar que quebrou financeiramente, está todo endividado por causa da identificação com a ilusão do jogo sistêmico. Acreditou na ideia de correr muito para ter muito... conhecemos bem esse jogo. Onde quero chegar? Percebo que nós conversamos num nível de troca, a qual é visceralmente cortante, mas o paradoxo é que ela não nos corta mais. Percebo que não tem como conversar com esses familiares, nesse mesmo nível, pois isso rapidamente machuca a pessoalidade, arranha a auto-imagem. A observação tornou nossa palavra muito certeira, cortante no que diz respeito ao cultivo das ilusões. Então, ficou extremamente claro, como já se instalou uma significativa mudança em nosso modo de pensar, sentir e interagir. Mas, pode ser bem isso, a base para uma mutação maior, que é a capacidade de observação relâmpago, ela já está instalada; só nos resta aguardar. Estamos praticamente numa impotência geral.

O: Sim, a base se instalou sem a consciência de que estava sendo instalada. Não existiu um cálculo para instalá-la. Isso foi ocorrendo.

C: Out, cada vez mais, vamos chegando numa mesma percepção: não há nada o que se possa fazer, enquanto na estrutura, para dissolver de vez a velha estrutura...

O: Nada mais do que observar e sentir, sem se identificar com os impulsos emotivos reativos escapistas... algo como que assistir a agonia da estrutura, só isso que vejo ser possível de nossa parte. Não tem nem mais como levantar afirmações, conclusões, crenças do que deve ou não deve ser feito. Só observar enquanto se sente a inquietude, enquanto se percebe as limitações e dependências. Não reagir às passantes ondas de energia. Deixar a estrutura queimar na chama quente da observação. Só ficar observando seus impulsos autocentrados, a forma como ela tende a manipular aos demais para ter a satisfação de seus desejos imaturos.

C: Até mesmo porque, qualquer coisa que se faça, dá no mesmo... Não tem como obter resultado diferente, sendo a própria estrutura, limitada e repetitiva em tudo que é.

O: Não há o que fazer, porque hoje, SOMOS ESSA ESTRUTURA. Pode a mente, apoiada em tudo que já ouviu ou leu, afirmar que não somos isso, que somos puro amor, que somos o Eu Sou e blábláblá... mas, o fato, é que não conhecemos nada disso, só conhecemos a inquietude, a qual é uma derivação da preocupação excessiva com o nosso bem-estar. Repetir isso é o mesmo que repetir “Eu sou Coca-Cola”, até acreditar que é Coca-Cola. Não tem como! Você não é Coca-Cola, do mesmo modo que até aqui, você não é nada de Puros Ser. Sabemos bem como somos e o que somos. Nada é orgânico, é tudo programado e eu achando que tinha me libertado. E lá vem eles novamente – os impulsos emotivos reativos – para tentar cristalizar o sistema psíquico estruturado. Você pode ficar ai pensando, pensando, pensando em como modificar sua vida, em como encontrar sentido para a mesma, em como conseguir substituir uma base de dependência e insegurança, por segurança e amor... pode tentar isso o quanto quiser... Se for sério, vai ver que não tem como por ação do esforço e da vontade. Carência de poder, impotência, esse é o ponto em que chegamos no processo de descondicionamento. Se não surgir um poder superior, permanecemos exatamente onde e como estamos. Isso é claro e facilmente perceptível pois, com o pensamento, a cada instante você pensa uma coisa, acha uma coisa, deseja uma coisa que logo se contradiz no momento seguinte.

C: Não tenho dúvidas, pois já tentamos de todas as formas: livros, filmes, viagens, grupinhos, gurus... foi só mais e mais inquietude.

O: Sim, já tentamos práticas, programações, abstinências, renúncias, métodos de vida... Nada disso alterou de modo substancial a qualidade do nosso estado de ser; sempre permaneceu, antes, durante e depois, a mesma base de inquietude, de desconforto, de inadequação, de senso de estar perdido. Seguindo os limitados cálculos do pensamento, você nunca vai saber o que é viver sem dependência psíquica, não vai saber o que é amor, o que é liberdade, felicidade e um estado de bem-estar comum. Não há como, tentamos isso por décadas, tentamos tudo que o pensamento alheio criou, assim como o que foi criado pelo nosso próprio pensamento. Nunca obtivemos sucesso com essa ferramenta. O fato é que somos insatisfação e inquietude pura, sempre em busca de coisas, atividades, circunstâncias, pessoas, que nos deem, momentaneamente, a ilusão de satisfação, a sensação de que estamos vivendo de verdade, de que estamos em relação real.              

F: Sempre em busca de satisfação cujo pensamento causa uma espécie de adicção, pensamento compulsivo, e não para de pensar, pois é autônomo, causando sensação, vício.

O: Por isso que as redes sociais fizeram tanto sucesso, ao ponto de se tornarem a maior adicção já criada pela espécie humana. Elas nos dão a sensação de que estamos conectados, mas trata-se de uma conexão fake. Como não conseguimos aquele “Click” que solucione de vez o nosso viver, vamos pelas redes sociais, de clique em clique, aparentando uma vida de felicidade e lucidez, mas, no fundo no fundo, tudo não passa de pose: é tudo imagem e ninguém revela o negativo, ninguém revela a inquietude. O mais interessante é que, a cada dia que passa, são muitos os que vão se entediando com a superficialidade do que encontram nessas redes.

C: Acho que não revelam, pelo fato de não saberem que, quando estão buscando, na verdade estão buscando sair da inquietude, e não se dão conta disso.

F: Nós a estamos revelando. Mas para os demais é mais difícil, porque não é óbvio, não dá para ver o fundo.

O: Não conseguem ver o fundo de inquietude, porque se abarrotam de atividades. A cultura não consegue ver nas atividades, uma forma de droga com a qual é possível fugir de si mesmo. Agora, como diz a Deca, tirem eles de suas atividades... deixe que fiquem com eles mesmos e só com eles mesmos, apenas por um dia... Tire-os de suas atividades, dos que eles acreditam ser relações ou mesmo de sua situação financeira... Então, o surto de inquietude se torna inevitável e impossível de ser disfarçado. Então, você verá, em meio de seus surtos de inquietude, a grande maioria recorrendo a condicionamento "Deus", como tentativa desesperada de sair da situação de inquietude. Isso é tão certo quanto o calor do fogo. Já dizia Guilherme Arantes: “A moçada está no cio, são donos da madrugada e não dispensam um agito, em seu coração aflito”.

F: Por hora, estamos sem saída. Xeque-mate.

O: Simples assim!

A base de inquietude e a ânsia de consumo


O: Bom dia da Marmota para você! Aqui, novamente a ausência de sentido, com as mesmas opções do dia de ontem. Já tomei o lugar no sofá, porque nada surge de novo; são as mesmas opções que a mente apresenta. Vejo que estamos mesmo presos num looping do conhecido insatisfatório, no looping de uma rotina que, fora as forçosas atividades para a manutenção do corpo, as demais, não fazem sentido. As únicas sugestões da mente: dar um pulo no local que presto serviço, tomar um café, voltar e pintar mais uma aquarela, a qual só vai colecionar alguns likes e elogios nas redes sociais. Todas as sugestões que a mente lança, de imediato, a observação as mostra sem real sentido de ser. Penso que o que nos resta é aguardar por um insight que nos apresente algo que sintamos fazer sentido, que nos toque de fato. Diante disso, pelo menos aqui, inevitavelmente, entra a rotina da exclamação: Viver, não pode ser só isso!

F: Exato! Cada vez mais claro: pela mente, não tem saída; ela se mostra incapaz de apresentar algo novo e com real sentido. Vejo que como quebrou muito a identificação com o que surge do pensamento mecânico e não solicitado, como ficou claro que cada pensamento se apresenta com uma mensagem a parte, a qual se mostra desconexa da anterior, e na maioria das vezes, também desconexa da mensagem seguinte, tudo ficou muito vago.

O: Sim, sem direção, pois não há como levar a série a série de desconexões. Com isso, o que fica? A velha base da inquietude não resolvida, a qual nos joga num neurótico movimento daqui pra lá, de lá pra cá, numa movimentação destituída de qualquer sentido. Fica o looping de projeções causando sensações que, quando identificadas, se dissolvem, só para darem lugar a novas projeções que, igualmente, lançam novas sensações que são percebidas e se dissolvem... Fica nisso, loopando sem apresentar qualquer lógica, se mantendo sempre desconexo.

F: Não tem saída!

O: O pensamento não chega num: "Ah! É isso e ponto!"... fica em looping.

F: Fica.

O: O mecanismo é o mesmo, e as percepções, agora, permanecem as mesmas... Carecemos de uma percepção além. Se não surgir uma percepção além, superior a que estamos tendo, permanecemos prisioneiros da base de inquietude, permanecemos na mesma rotina, na mesma desconexão. Não há conexão alguma com o viver.

F: Exato, não há conexão alguma com o viver! Permanece o looping, onde nos vemos sem conexão com os desconexos. Não tem como ter conexão.

O: Cara, que situação angustiante. Total impotência! Cada ideia de ação, já nasce velha, sem sentido de colocar energia ali.

F: Nasce velha porque nasce da velha e condicionada estrutura.

O: A não ser que seja uma forçada responsabilidade de ação, da qual você não tem como escapar.

F: Sim, não há como escapar.

O: E quando essas se apresentam, tornam-se um parto! Creio que todo aquele que se limpar da narcotização literária, da narcotização conceitual espiritualista, inevitavelmente cai nisto.

Bate a inquietude pela falta de ação e a mente diz: "Vai lá acabar a aquarela que você começou ontem a noite por falta de sono". Imediatamente lançada a ideia, ela diz: "Pra quê? O que mudaria se você pintasse a Monalisa do século? Acabaria com a sua inquietude? Pintar a Monalisa do século seria o sentido do seu viver? 500.000 likes solucionariam sua ausência de sentido? Se você vendesse todas as aquarelas que fez até aqui, e que agora estão amontoadas num canto a sua estante, será que isso dissolveria essa crônica base de inquietude e de ausência de sentido? E o próprio pensamento dá a resposta para si mesmo: claro que não! E com essa resposta, ele vai minando a identificação com o impulso para pintar.

F: Igual aqui! A mente pede para escrever algo, criar um projeto, uma dissertação, iniciar uma nova pesquisa no campo em que atuo, etc., etc.

O: Parece que essa é a base e o mecanismo que mantém todos nesse frenético movimento de buscar por objetivos que, uma vez conquistados, se tornam cinzas em nossas mãos, não levam a nada mais que a cristalização da inquietude e novos velhos objetivos para tentar sair da inquietude.

F: Exato! Quem tem a observação, não tem como não ver mais isso. Cada pensamento surge como um morto solto, sem real sentido, por isso não é mais levado a sério. Por isso tudo perdeu a graça. Talvez, nem era graça, só parecia gracioso.

O: Se você olhar bem, nunca ouve graça real, apenas uma euforia momentânea. Sempre nos forçamos a ver graça, mas a graça que víamos, não era graça, era só um cálculo mental.

F: Sim.

O: Não sabemos o que é graça, não sabemos o que é beleza, não sabemos o que é conexão genuína. O que temos por beleza, é parte dos nossos condicionamentos, é parte da pessoalidade, é influência cultural.

F: Sim, tudo cálculo!

O: Cada vez mais claro a exata natureza que movimenta o consumismo e o capitalismo... É a base de inquietude. O consumo se dá por meio da imatura identificação com o impulso emotivo reativo escapista, que quer sentir um prazer momentâneo no lugar da base de inquietude. Por meio da inquietude e pela ação dos instintos adulterados, consumimos além do que nos é necessário, bem como o que de modo algum nos é, de fato, necessário... consumo por impulso emotivo reativo.

F: No momento atual, nem consumindo e nem não consumindo, resolve nossa inquietação. Está visto aqui... Compra dor, vende dor, consumi dor....

O: Bem que eu disse!


26/05/2021

Sobre a necessidade de encontrar algo com real sentido

O: Acordei com o mesmo sentimento de necessidade de encontrar algo com real sentido de ser para o dia. Observando o sentimento, surgiu o pensamento de que a única coisa que realmente faria sentido, seria descobrir um estado de bem-estar, de liberdade, felicidade e lucidez genuinamente criativa e compartilhar tal descoberta com quem ainda sofre da base de inquietude.

F: Simples: Acordamos com a inquietude que nos lança a pensar sobre como sair da inquietude. Trata-se da base em ação. Pode que toda papagaiada surgiu daí.

O: O que me veio, para mim, faz total sentido.

F: Mas ainda é pensamento, por mais clareza que haja... Trata-se de mais um pensamento que nos lança no looping.

O: Não me lançou em nenhum looping; foi apenas uma constatação.

F: O pensamento é o looping, que é uma reação da própria inquietude; só que a gente quebra o looping por meio da observação, retornando assim para a observação da inquietude... Daí volta na ponte pensamentos-inquietude... Estrangulou!

O: Não se trata de voltar, pois não se saiu da inquietude, nem mesmo durante a constatação. Também não se trata de um looping, pois não estou pensando em como conseguir isso.

F: A sensação de inquietude é única, já o pensamento, é outra coisa.

O: Apenas uma constatação que compartilho com você.

F: Os pensamentos são repetitivos, vejo isso claramente. Sempre a mesma coisa. Veja, acordo inquieto todos os dias, todo santo dia. Na sequência, entram os pensamentos dizendo: “Tem que ter algo”... Veja, é novamente o pensamento reagindo ao fundo de inquietação.

O: Não há problema em ser pensamento, não o demonize. Pensar é uma coisa, loopar em pensamentos compulsivos é outra bem diferente. Foi apenas uma constatação e ponto. Constatada sem o desespero de ter aquilo. Segue o dia na rotina.

F: Não se trata de demonizar o pensamento; já não vejo problema nisso.

O: Opção que se apresenta para o dia: depois das atividades forçosas, pintar outra aquarelinha. Patético!

F: Eu vou para outra aulinha, outra reunião, lidar com as questões familiares, almoço e janta... Cômico!

O: Hoje, a sensação de total falta de sentido de ação está muito forte, e o pensamento lança o looping de reação, sugerindo as mesmas atividades de ontem.

F: Porque, talvez, vimos muito claramente o funcionamento do mecanismo.

O: O pensamento só tem o poder de apresentar o conhecido que já se mostrou insatisfatório. O novo não vem por meio dele.

F: Ele só trabalha com base no passado, com base no que ele adquiriu. Só isso. Ele é isso!

O: São as sugestões de sempre; incrível como nossa mente se encontra limitada.

F: Sim, isso mesmo.

O: percebo também que, uma das formas que o pensamento cria como sugestão para sair da rotina conhecida, é comprar algo novo. algo que faça "sumir" a sensação de rotina, por meio do con-sumismo... sumismo... fazer sumir... e a mente justifica esse impulso ao consumismo, mas, a observação deixa claro que é só mais uma forma de impulso emotivo reativo escapista.

F: A gente não fica com o desconforto. Veja que legal... Estamos nos comunicando e você escreveu sobre a “sensação de rotina”. Interessante... Não seria a própria inquietude? O desconforto não quer ser visto, sentido, percebido.

O: Esse impulso por uma forma de consumo, como uma possibilidade de acabar com o sentimento de insatisfação, me parece ser algo muito presente em nosso cotidiano, mesmo em nossos tratos sociais, mas o mesmo não é percebido. Veja que quando vamos na casa de alguém, logo nos servem do bom e do melhor, e nos perguntam se "estamos satisfeitos"... Parece ser algo intrínseco, esse sentido de insatisfação, bem como a necessidade de consumo para superar a insatisfação.

F: Mas não escapa.

O: Mas por muito tempo nos iludimos com esse mecanismo... consumir por não comungar. acho que nunca tivemos mesmo a "primeira comunhão"... Com nada, com ninguém.

F: Por décadas, iludidos por iludidos. Nunca tivemos a primeira comunhão, nunca nos vimos “como um”. Fato.

O: E a mente quer lançar o desespero por não saber como conseguir isso, mas sua jogada é percebida quando lança a tentativa que é frustrada pela observação.

F: Ou se questiona, o que fazer? Veja, reação sobre reação. É desse modo que ela funciona. Visto isso, ela fica se questionando: “o que fazer?”

O: ela sempre cai nesse looping. Porque, quanto mais ela vê de seu adulterado e limitado mecanismo, mais ela se inquieta.

F: O mecanismo está pego, toda estrutura está pega, ela está sendo estrangulada pela observação relâmpago. Mas antes da instalação e amadurecimento da observação passiva não reativa, a coisa não era assim; a observação relâmpago mudou tudo; daí que digo que algo novo pode surgir.

O: A observação relâmpago está nos imunizando contra a neurótica reação, contra a imatura identificação emotiva reativa escapista.

F: Sim, percebo que é bem isso que está acontecendo. Hoje sentimos a energia do pensamento no ato de sua manifestação, a tensão que ele traz.

O: Tudo está sendo pego no ato, toda oscilação, toda contradição de sugestões, toda exigência que ele faz.

F: Então, já não importa mais o conteúdo do pensamento. Agora virou apenas uma energia que ele traz, a qual é capaz de produzir somatização sensorial.

O: Sim, trata-se de pensamentos condicionados, viciados, carga do conhecido.

F: Perfeito! Cujo conteúdo, não tem realidade alguma.

O: Mesmo a somatização, quando ocorre, também é vista como uma energia passante. Não reagir a nenhum dos dois polos do mecanismo, é sentido como a única coisa correta a ser feita. O pensamento insiste e persiste com seu conteúdo e, quando ele percebe isso, persiste e insiste em descobrir como silenciar seu conteúdo, como funcionar num nível diferente, fora do conteúdo.

F: Mesmo a somatização é vista como uma energia passante. Não reagir a nenhum dos polos, imaginal ou sensorial, é que tem mudado o rumo das coisas.

O: Isso que eu quis dizer ontem sobre, pela primeira vez na vida, estarmos sendo senhores do nosso destino, não mais um pau mandado do imaginal sensorial inquieto.

F: O pensamento não pode fazer com que seu conteúdo silencie, porque isso não funciona pelo esforço, pelo cálculo.

O: Sabemos bem pois já tentamos isso e fracassamos.

F: Imaginal ou sensorial é uma energia só. O conteúdo não importa, mas se você se envolver com qualquer um deles, já era.

O: A mente se questiona quanto a possibilidade de um estado de ser onde a mecanicidade não solicitada, tanto do imaginal como do sensorial, não ocorra.

F: Sim, ele sempre traz essa forma de raciocínio.

O: Mas mesmo isso vem através da mecanicidade, é parte integrante de seus loopings, pelo qual tenta, inutilmente, solucionar o seu viver.

F: Exato! Veja que débil.

O: Sim, toda debilidade está sendo vista.

F: Sim, tudo está sendo visto e não há solução.

O: Sobra a inquietude e a impotência.

F: Sim, a impotência diante da inquietude e da rotina vista como sem sentido.

O: A mente também se percebe com o olhar viciado e se pergunta: é possível ver a tudo sem suas manias, tendências e vícios? É possível um olhar livre de imagens, conceitos, achismos e condicionamentos? Ou tudo isso são só criações da própria mente condicionada por ideias de terceiros?

F: Parece agora não ser possível; são truques da própria mente; todas essas suposições sobre possibilidades futuras vinda do imaginal, não passam de truques para perpetuar seu looping pelo qual se mantém.

O: Isso também pode ser um truque, outra suposição dizendo que são suposições ou truques. Pode ser outra manifestação do pensamento circular. Afirmar ou negar, agora, parece dar na mesma.

F: Sim, pode ser!

O: Todas as certezas se tornaram incertas, não temos mais onde nos agarrarmos.

F: De certeza, só a presença do looping de inquietude! Aliás, no meu modo de ver, a inquietude não parece ser looping, mas sim a base, pois ela nunca sai. O indivíduo, assim como o imaginal, precisará chegar num momento de fazer as pazes não só com os próprios demônios imaginários mas com o própria inquietude.

O: Isso me parece mais uma das certezas incertas vinda do looping, outra do imaginal tentando se solucionar.

F: Esquece, Out, não tem o que fazer, não tem solução.

O: Não temos o que falar sobre o que deve ser feito porque não o fizemos, não estamos livres, portanto, trata-se de só mais produções do imaginal, parte dos seus achismos. Xeque.

F: Mas é isso mesmo! Só há o fato da inquietude.

O: E a permanência na rotina sem sentido e sem qualquer conexão significativa. E segue a roda!

Sobre o avançado platô de percepção da realidade – Parte 5

O: Cara, o conteúdo dessas conversas está muito forte. Quem estiver aberto ao que está sendo lido, a coisa entra, sem volta... mais liso que vaselina. Quebra tudo. Só se ainda estiver muito iludido, muito na negação. Quem questionou o resultado de seu buscar, ao se deparar com isso, joga tudo por terra. Não tem como. Só se for um delirante saltitante.

F: Duro de ler, quem chega nisso é porque está fudido.

O: Não vejo assim; para mim, isso aqui é benção.

F: Não nesse sentido. Digo no sentido que se tiver negação, a mesma será também arrancada. Mas, veja, tem quem não quer.

O: Se não quer... Ah!, esse nem lê isso. Para esse, o acaso vai lhe proteger enquanto ele andar distraído quanto ao seu imaginal.

F: A maioria não lê, pois não consegue. Trata-se de algo muito profundo e que produz uma enorme mudança de paradigma.

O: Por isso nomeamos isso de “Paradigma Holotrópico”, visto que isso afeta todos os trópicos do ser que somos. Sem retorno depois de instalada a observação passiva não reativa.

F: Mudou tudo aqui, mas, quando cheguei, não estava nisso. Mais do que claro que uma vez instala a observação, não tem retorno. Aleluia irmão!

O: mas há quem já me amaldiçoou. E olha que não foram poucos... Como se eu tivesse culpa pela curiosidade do indivíduo.

F: Oloko! Quem chegou nisso e não viu, não viu o movimento como um todo. Só a estrutura. Fica lá no muro das lamentações.

O: Como se isso mudasse alguma coisa.

F: Se ele ver isso, o que muda é a forma de lidar com a reação.

O: Isso fez toda a diferença em minha vida. Nada do que passei permitiu tal percepção de si mesmo. Mas não sei ao certo se, sem o que vivi anteriormente, teria condições de assimilar isso. Tiro isso pela experiência da minha recusa inicial em aceitar os dizeres de Krishnamurti. Só depois de quase um anos após o primeiro contato, o qual foi fortemente combatido, é que aceitei o que li em um de seus textos, sem a possibilidade de contestar uma linha sequer. Hoje, por meio disto, estou livre até de Krishnamurti, o qual, pelo que tenho visto, para muitos, acaba se tornando uma das maiores drogas, quase que impossível de ser abandonada.

F: Também não me sinto mais preso. Percebo claramente o simples mecanismo que nos mantém preso a qualquer “droga”. Eu diria que Krishnamurti é perigoso, uma vez que ele rouba a vida do cara que não conseguir largá-lo. Krishnamurti entra, debulha, se infiltra e, se o cara não largá-lo, ele está frito, porque é pior que o Advaita. Este último deixa brecha pra você ver que não sente aquilo que ele se propõe. Já o Krishnamurti pega sua cabeça e lhe conduz sem fim; tão lógico tudo dele que se leva, quando você pensa que está vendo algo, você está lendo algo, pensando que está vendo... Isso é cruel! Eu cheguei nessa sacada logo no segundo livro dele, aquele sobre a eliminação do tempo psicológico. Rodei muitos vídeos dele também. Hoje é um alívio, pois a observação matou o buscador. O fato de tirar a identificação com as reações, permite vivermos com pouco mais de calmaria, tudo aquilo que se apresenta na base inquieta, ou seja, com menos interferência, prestando muito mais atenção ao que rola de fato.

O: Confirmo tudo isso que você disse, pois vejo do mesmo modo.

F: Estamos vivendo isso.

O: sim, não se trata de achismo, de modo algum. Não tem mais como brincar de ser feliz, de ser espiritualizado, de ser altamente lúcido. Isso amplia a emergência, a necessidade de seriedade.

F: Cortou o imaginal de questão, mesmo ele lançando projeções, a observação o cortou, acabando com a segurança ilusória que havia nas formulações do imaginal.

O: sim, mesmo as perguntas, agora são percebidas como partes integrantes desse mesmo imaginal condicionado, inquieto.

F: Quebrou.

O: a própria ânsia de busca é percebida como algo que se imagina ser necessário para a solução final da inquietude, portanto, parte do imaginal, alimento para o imaginal.

F: Isso amplia o mal-estar. Há uma trava no próprio mecanismo. Não permite entrar aí pelo amplificar do mal-estar. A inquietude começa a aumentar, sistema todo se liga... Opa... Não tem como, cara! Estamos pegos. Não deixa mais você pensar como antes, estrangulou pelo mal-estar. Você fica entre a cruz e a espada: ou fica com a base de mal-estar original ou se dá a amplificação dessa base. Estamos presos, cara! Pode ver, isso que é a crucificação.

O: Sem dúvida, toda punhetagem mental é percebida sem qualquer sentido de ser.

F: Acabou, pois a observação não deixa, não permite espaço para isso. Ela permite você sentir a inquietude mas não permite você punhetar sobre a inquietude. A observação não deixa, pode ver. Não rola. Veja, não entra. Há um mecanismo como que lhe sugando para sentir a própria inquietude. São poucos os que verão isso.

O: Sem dúvida; isso porque é difícil demais de ficar com a base de inquietude.

F: Sim, isso é a coisa mais difícil.

25/05/2021

Sobre o avançado platô de percepção da realidade – Parte 4


O: É o fundo de inquietude que pede por uma ação, uma atividade que seja “sentida” como algo com real sentido de ser. Cada vez mais claro isso.

F: Sim, sem dúvida, é ele.

O: Assim como tudo que passa no imaginal, são flashes do que já foi vivido, lido, escutado ou assistido.

F: Sim, tudo produto de doações de fora.

O: O imaginal não traz nada novo de fato; ele só traz novas projeções do mesmo velho conteúdo. Só isso.

F: O imaginal é sempre velho a cada novo momento.

O: Com a percepção disso, vai ficando cada vez mais fácil se desidentificar de tudo que parte do imaginal, mesmo do início de sensação que deriva de tal projeção imaginal.

F: Vai ficando possível ficar cada vez mais com as sensações sem qualquer tipo de mimimi ou chororô.

O: Percebo que com o amadurecimento da observação, o hiato antes existente entre a percepção da projeção do imaginal e a somatização psíquica de tal projeção, está se tornando quase que inexistente, o que vai produzindo maior centramento, o qual impossibilita a identificação com o impulso emotivo reativo escapista. Quando esse hiato é quebrado e não se instala a identificação nem com o conteúdo do imaginal e nem com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente se instala na dimensão do coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da ansiedade desequilibrante. Essa energia se manifesta em forma de uma quentura que é prazerosa.

F: Percebo que a observação pegou o hiato entre a sensação e a reação. Já ocorreu essa mudança com essa capacidade de ficar com o sensorial (o fato do que é sentido), observando a fuga pelo imaginal ou outra atividade.

O: A observação pega, inclusive, o impulso emotivo que surge de querer obter uma solução definitiva, a qual traga o apaziguamento do mental e do emocional.

F: Ela também matou isso. Ela também pegou isso e, mesmo que isso venha do pensamento, ela pegou. É a própria inquietude que gera esse impulso pela percepção final.

O: Você vê esse impulso e não se identifica nem mesmo com ele, pois percebe que o mesmo é também parte de um processo de fuga da inquietude. O mais interessante é perceber as falas lançadas pelo imaginal, que o fato de estarmos nesse processo de observação do que ocorre em nossa estrutura psíquica, não estamos vivendo a vida com a mesma intensidade que o imaginal imagina que os outros estejam vivendo. Tipo, isto aqui não é viver, viver é estar na euforia que a maioria está.

F: Esse é o seu truque sublime... A comparação entre o modo de vida dos outros e o meu, é também produto do imaginal. Está tudo ali o tempo todo, o imaginal está sempre em comparação. Ali está tudo dominado; mesmo pela observação, não somos capazes de acabar com as imagens, com as ideias, com o fluxo, etc. A observação não foi capaz disso, pelo menos, até aqui.

O: Quero voltar aqui, veja isto... Quando esse hiato é quebrado e não se instala a identificação nem com o conteúdo do imaginal e nem com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente se instala na dimensão do coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da ansiedade desequilibrante. Essa energia se manifesta em forma de uma quentura que é prazerosa; ela é centrante, manifesta-se através de uma queimação diferente, que nada tem a ver com a queimação da angústia.

F: Não tenho muito a acrescentar, apenas que percebo que não se trata mais da angústia que muitas vezes sentimos, mas apenas sensações em forma de calor. É bem isso! Fica cada vez mais claro que é só uma sensação corporal; como saiu a reação ao imaginal, parece que isso vem como resultado de ficarmos com a sensação, do modo que ela é, sem que ocorra a reação do imaginal. Não sei nem se é a sensação que mudou ou a nossa capacidade de não reagir a ela, de não pular para o escape do imaginal. Não se trata de algo controlado, muito ao contrário; o hiato é aumentado entre a sensação e a reação escapista; por exemplo, é essa sensação que faz você perceber que está sozinho nas relações, mas veja, não há qualquer tipo de sofrência nessa percepção; só é percebido que a relação era imaginária e ponto.

O: O imaginal imagina o que é ter uma relação genuína, apesar de nunca ter vivido isso. O que ele imagina ser uma relação funcional, também está alicerçado naquilo que leu, naquilo que ouviu de terceiros. É também uma imagem. Quando o imaginal olha para as relações que ele mantém e as compara com o conceito de relação que ele colheu de terceiros, constatando que elas não têm nada do que lhes foi apresentado, instala-se mais inquietude. Como vimos anteriormente, o imaginal está sempre em comparação, pois ele foi educado com base na mesma.

F: Exato.

O: Ele carrega consigo uma imagem do que deve ser o amor e, como em seus relacionamentos, não tem nada parecido com essa imagem, ele se ressente, se inquieta. Ele também carrega a imagem do que é uma relação disfuncional ou uma relação dependente e, quando compara e sente que sua relação é muito semelhante a esses conceitos adquiridos, também se inquieta. E a inquietação maior se dá porque, além do conceito do que deve ser uma genuína relação, ele também adquiriu as receitinhas do que deve fazer quando percebe que sua relação não está fundamentada no conceito de amor que ele formou para si com base nas doações de terceiros, e então, mais conflito se instala. Perceba que até aqui, a mente continua no jogo de imitação dos conceitos adquiridos de certo e errado, de funcional e disfuncional, de liberdade e de dependência. Mas a mente condicionada não conhece nada disso por si mesma, digo, viver correto, liberdade, funcionabilidade relacional.

F: Tudo isso está embasado, não na percepção direta, mas do que foi colhido pelo rádio, televisão, filmes, novelas, músicas, leituras.

O: Aí, tem também aquela mente que, para fugir de si mesma, mergulhou nos conteúdos do Advaita Vedanta, que afirma que a relação é uma ilusão, visto que na essência, somos todos um, somos o Um sem um segundo. Quem cai nisso e se identifica com isso, penso ser pior ainda, porque passa a acreditar que sua exata natureza é de Puro Amor, o que para mim, é um modo de negar a percepção visceral de como realmente percebe, recebe e reage ao mundo que lhe cerca.

F: Aí é só blá-blá-blá. Puro ser... Sei! Tudo fuga do que é! Fiquemos com os fatos!

O: Claro, vejo isso como só uma forma sublimada de fuga ao modo que de fato funcionamos em nossas atividades e relações. Nada sabemos de um estado puro de ser, pois, até esse estado puro de ser, é só mais um dos condicionamentos, só mais um produto imaginado por uma mente adulterada. Inclusive, a própria ideia de "puro ser", cria a comparação com aquilo que realmente somos, produzindo mais inquietude, esta manifesta pelo desejo de alcançar o tal do "puro ser", o qual é "puro love".

F: Vamos voltar aos fatos, deixemos de lado tudo isso. Como que o que é inquieto, pode se aquietar?

O: Essa pergunta gera mais barulho, se transforma em outra forma de looping.

F: Trata-se de uma pergunta óbvia, só que não importa nada além daquilo que de fato sentimos. Eu quis dizer que isso exatamente cria outra forma de looping. Quero parar nesse ponto: o que de fato sentimos é o que mais importa, não as reações, não mais as perguntas e explicações, pois as mesmas, agora, já não têm mais importância.

O: Sim, pois percebemos as perguntas e as explicações como mais um modo de fuga da inquietude.

F: Veja, se formos muito sinceros e honestos, nesse momento chegamos de fato a ver o seguinte: o que sentimos é o mais próximo da verdade... o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos, é mais próximo da verdade. O mais próximo que jamais algum método ou programação nos permitiu chegar; nada, sem viajar, sem nada, isso é o que de fato existe agora: uma tela de computador na cara e estamos escrevendo sobre o que sentimos; o resto é imaginário e, passear no mundo imaginário, não conta mais, não tem mais serventia.

O: Sim, fora disso, vejo como ranços de condicionamentos ainda não percebidos.

F: Isso mesmo. Esse parece ser o limite até o momento. Veja que é a cena do filme "Revolver" que você citou na nossa última conversa,  ou aquele objeto do filme “A Origem”... ele roda para ver o que é real e o que é fruto da imaginação, do sonho, da ilusão. Rode o objeto da observação e veja o que é imaginário, o que é ranço de condicionamento adquirido de terceiros. Ponto.

O: Também percebo ser bem por aí. Estamos como que descarregando a mente de tudo que foi colhido e que não produziu liberdade real, que não produziu um estado de bem-estar comum. Se o que colhemos fosse de fato funcional, estaríamos livres da base de inquietude.

F: Quer ver quebrar tudo? Quer ver afunilar ainda mais a coisa? Isso é terrível de se fazer... Dê um nome ao que você vê por um minuto. Diga o que você ouve no próximo minuto. Nomeie o que você sente (sensações corporais, como a cadeira embaixo de você). Diga o que você cheira ou o que prova. Aqui a sensação levanta das catacumbas... Só veja quão distante o imaginal nos manda... Só que estamos fazendo o caminho inverso, estamos voltando. Eu lembrei disso de muito tempo atrás... Veja, não quero dizer que temos que praticar nada, longe disso, visto que não é preciso, pois seria só mais um modo de condicionamento. Mas veja que percebo que fizemos isso... Veja como surgem os pensamentos sobre cenários e preocupações futuras, veja quanta imaginação adquirida, quanta coisa. Eu nunca estive vendo assim tão claramente as sensações... por isso que para mim, o que realmente importa, o que realmente faz sentido é ficar com as sensações, pois só elas são reais.

O: Sim, as sensações são reais e não o imaginal.

F: É isso aí...  Não as sensações carregadas como eram, com conteúdos imaginários, os quais eram deturpados, tornando difícil ficar com elas. Essa que foi a mudança, a capacidade de na maioria das vezes não reagir, ou, quando recaímos na reação, observar a própria reação e o que sentimos diante dela.

O: Mas elas ainda continuam sendo carregadas por conteúdos imaginários; elas ainda são um subproduto desse conteúdo imaginado, conteúdo esse que tem por base os condicionamentos.

F: Está tudo sendo sentido na pele, mas, de alguma forma, não nos apegamos mais a isso que é sentido.

O: Sim, não nos apegamos mais a isso que é sentido. O que vejo é que não negamos o que é sentido, mas negamos nos identificar, alimentar e reagir ao que está sendo sentido e que é percebido como um subproduto do imaginal inquieto. Não permitimos mais que as projeções ou mesmos as sensações controlem as nossas ações. De certo modo, podemos dizer que, mesmo ainda com a base de inquietude, pela primeira vez na vida, estamos sendo senhores do nosso destino.

F: Espera. Vamos com calma, pois ainda não sinto isso.. O que sinto é que as sensações são sentidas...

O: Como você não sente isso? Você continua reagindo de modo inconsciente e inconsequente ao que vem do fluxo do imaginal sensorial? Claro que não! Então, de certo modo, você está criando seu destino pela primeira vez de modo consciente, tão consciente a ponto de perceber tanto o fluxo do imaginal quanto do sensorial, sem com eles se identificar de modo emotivo reativo.

F: Não acho que haja destino e tal coisas.

O: Esqueça a palavra destino... substitua por sua experiência cotidiana.

F: Ok! Já entendi o contexto. Perfeito! Pela primeira vez não reagimos e todo um percurso se altera.

O: A observação impede que você sai chutando o pau da barra de modo inconsciente e inconsequente.

F: Pela ação da observação, nem respondemos muitas vezes, pois aprendemos a ficar calados, vendo o circo pegar fogo ao invés de queimar com ele.

O: De certo modo, você já não opina sobre o conteúdo do próprio imaginal e mesmo quanto ao imaginal de terceiros. Já consegue muitas vezes não reagir a nada disso; mas, por vezes, ainda escorrega.

F: Já não mais e assim pouco consta em papel, não há mais provas do crime. Estamos virando bandido de primeira classe. Crime perfeito. Não respondemos a situações, ambientes, pessoas que já estão reagindo. Já não vivemos mais de pura reação.

O: Sim, deixamos de ser reação pura, estamos menos explosivos, menos reativos. Como aprendemos a não levar a sério os próprios pensamentos e sensações, aprendemos a não levar a sério os pensamentos e sensações dos demais.

F: Sim. Vamos deixando sim, por conta de ficar na sensação, de ver que o externo nada tem a ver com o que é sentido por nós.

O: O que chacoalha tudo é a qualidade da nossa inquietude. Se estamos agitados, qualquer coisa de fora ressalta nossa agitação. Mas, se estamos de boa, o ambiente não tem poder sobre nós.

F: A base inquieta está sempre lá... Esse é um filme muito forte. Mas quando estamos de boa, quando a base não está agitada, tudo nos ambientes se torna mais fácil.

O: Portanto, todo problema está na base inquieta, ou melhor, no modo como lidamos com a base inquieta.

F: Sim. O problema está nessa sensação primária de inquietude, no modo como reagimos a ela.

O: Nunca tivemos uma educação no sentido de ficarmos com a sensação, de ver que o pensamento é uma reação a sensação e que a sensação é um subproduto do pensamento.

F: Nunca tivemos uma educação que apontasse para a percepção das variações de pensamentos e sensações, que explicassem decentemente a dinâmica desse mecanismo mente-emoção-sensação. Nunca tivemos uma educação para aprendermos a vivenciar isso, e de ver que é assim.

O: Sim, nunca tivemos isso lá atrás, mas agora, já fomos educados sobre isso; isso nos foi devidamente apresentado. E isso está produzindo uma mutação significativa no modo como lidamos com as ocorrências internas, bem como com as ocorrências externas. Cada vez mais temos a capacidade de não derramar nossa inquietude nas ambientações, bem como de não se deixar mais ser contaminado, quando do derrame da base de inquietude dos demais. Isso é que eu chamo de "centramento", o qual percebo que está ocorrendo.

F: Podemos dizer que sim.

O: Digamos que a observação nos permite deixar o Urubu pousar em nossa cabeça, só não permitimos mais que ele faça ninho em nossas sensações e reações. Só para constar, o Urubu é o imaginal. Não temos poder sobre o Urubu. Não sabemos de onde vem, quando vem ou com quantos vem.

F: Perfeita analogia.

O: A observação é uma espécie de "Chooo" silencioso.

F: Aí está todo o segredo que precisa ser visto. Se não for visto, de nada serve a leitura desse material aqui.

O: Perfeito. Se não for visto, isso aqui, vira só mais uma forma de condicionamento.

F: Se não tiver visto o imaginal como ele realmente é, ele entra nas sensações. Sem o maturar da observação, o indivíduo não tem acesso a esse momento de percepção do que surge no sensorial, bem com a capacidade de ficar com o que dele surge. Não há como.

Sobre o avançado platô de percepção da realidade – Parte 3

O: Se você observar bem, perceberá que o mecanismo da nossa estrutura mental emocional condicionada, se alimenta da preocupação excessiva em sentir um bem-estar que se desconhece, ou de manter situações que morremos de medo de perdê-las. Apesar dessa preocupação, ela nunca alcançou esse tão almejado bem-estar.

F: Exato: ela só projeta imagens, pensamentos, não ficando com o que tem de fato. Ela criou um trampolim para sair do desconforto, que é a ideia de sair do desconforto pela ação do próprio pensamento

O: Justo, pelo pensamento que é, além de condicionado, limitado.

F: Não tem saída mesmo.

O: Parece mesmo que não, apesar do pensamento não parar de gerar sugestões de saída que se contradizem tão logo se manifestam.

O: O samba doido que o imaginal lança o tempo todo: tudo vai dar certo, nada vai dar certo; tudo vai se harmonizar, tudo vai colapsar. O samba enredo não sai disso. A identificação com o enredo é que produzia depressão ou qualquer forma de neurótica e emotiva reação escapista.

F: Na depressão era a identificada essa mesma sensação que sentimos e com esses pensamentos que estão aqui ainda passando...

O: Tanto a depressão como a neurótica e emotiva reação escapista nunca colocaram fim à estrutura. Perceba que se trata de um enredo feito de imaginados monólogos consigo mesmo ou de conversações com terceiros, como tentativa de solucionar o estado de inquietude.

F: Exato, pensamentos criam o inimigo, montam o discurso, desse surge a somatização, quando você vê, foi palhaçada de novo... só no palco imaginário. Tanto eu quanto o oponente não existimos de fato... era um filme... Uma criação do imaginal.

O: Sempre é o mesmo tipo de enredo neurótico que tocou durante toda vida. Só que depois que passa o enredo, fica muito fácil de perceber o quanto somos emocionalmente imaturos, o quanto somos seres inseguros, complexados. Temos uma realidade emocional que não condiz com nossa idade cronológica. Por isso que muitos de nós entram em pânico só de pensar na possibilidade de se verem sem as situações que nos são conhecidas. Mesmo que o imaginal, em muitos momentos de sua agitação, crie a sensação de que essas situações são intoleráveis, quando, passada a sua agitação, esse próprio imaginal lança as imagens de um final feliz dentro dessas mesmas situações. O Bizarro está nessa contraditória dualidade projetada, a qual é a natureza exata de toda neurose de dependência. Aliás, pelo que percebo aqui, quando o imaginal está de boa, nada dessas situações causam desconforto, ao contrário, em boa parte, chegam mesmo a ser prazerosas, por isso que as mantemos até então. No entanto, quando o imaginal se agita, quase sempre por meio de conceitos de certo ou errado que leu ou ouviu, que adquiriu de alguma doação psicológica de terceiros, é aí que o bicho pega. Mas, observe aí, quando o imaginal se aquieta: cadê aquele bicho que queria lhe pegar e comer tudo que foi construído até então? Veja, em todas essas agitações do enredo, nada de real está acontecendo conforme o enredo. Só que no momento da agitação, o enredo se mistura como sendo a própria realidade. Se você se identifica, logo escorrega, produzindo alguma forma de adulteração na passarela do cotidiano.

F: É claro que entramos em pânico só de pensar. Só que não tem nada acontecendo de fato, não há nenhuma “prova do crime”, nenhum vestígio, nenhum fato, zero, tudo é ficção.

O: Para cada um de nós, o imaginal entra com uma ideia obsessiva-compulsiva, cada um cria o próprio enredo conflituoso.

F: Como dizia o poeta, “Cada qual no seu canto e em cada canto um dor, pra ver a banda passar, cantando canto de amor... O lance é que o imaginal só se aquieta, basicamente quando as sensações de inquietude dão uma trégua. Mas, para o nosso desencanto, logo a trégua acaba.

O: E retoma o looping com seu enredo compulsivo-obsessivo.

F: Isso.

O: Olhando a trajetória até aqui, percebo facilmente que a estrutura sempre fez de tudo, sempre abriu mão de tudo, apenas para manter a si mesma. Foi sempre pela identificação com o impulso emotivo reativo escapista que ela impediu a continuidade da inquietude que, quem sabe, ao alcançar determinado ponto de manifestação, pudesse fazer a estrutura colapsar.

F: Medo. Sim, medo de sentir a inquietude até o seu talo. Sempre evitando o sentir da inquietude.

O: Sempre um mecanismo, sempre uma arma para evitar o sentir da inquietude em sua plenitude.

F: Aqui, bem isso mesmo!

O: isso me fez lembrar da cena do filme “Revolver”, onde, dentro do elevador, no auge do enredo da estrutura egóica, o personagem deixa cair a arma ao chão e, logo a seguir, ocorre a libertação do medo.

F: A arma é o pensamento (medo).

O: A arma é tudo aquilo que o pensamento sugere como opção para deixar de sentir a inquietude.

F: Isso. Só que no filme “Revolver”, finda o fluxo da mente, mas aqui, parece que não finda.

O: Parece que há algo em comum que é a incapacidade de ficar com a inquietude, pois chega num determinado ponto, sempre tentamos escapar dela, mesmo que sendo por meio de uma volta pelas calçadas da rua, ou mesmo por meio de um copo d’água sem ao menos se ter sede. Pode ver aí, a mente sempre justifica o fazer algo para não ter que observar a inquietude até sua exata natureza.

F:  A mente foge por meio do próprio ato de pensar sobre a inquietude. Não tem como. Curtos segundos de ficar com a inquietude, depois, ela reage por meio do pensamento.

O: Lembra que o personagem do filme "Revolver" sempre tentava escapar das situações que lhe causavam inquietude, como, por exemplo, o uso do elevador? Esse é um ponto interessante, pois vejo que o diretor quis orientar nossa visão para esse mecanismo de fuga da inquietude.

F: Sim. Mas pode ver que não ficamos porque há um mecanismo de fuga. Mesmo que você retorne, a estrutura foge, retorna, foge, não tem como. Ficamos com a inquietude, apenas por curtos momentos.

O: Por que não ficamos? Qual é a sensação que nos faz desistir de ficar com o que está se manifestando no sensorial inquieto? O que é que diz que não vamos aguentar, senão o próprio pensamento, a própria estrutura? Percebe que é ela mesma tentando evitar seu colapso? Ou quem sabe, de impedir seu funcionamento em cima das velhas bases adquiridas?

F: Sim, óbvio que é isso, mas não é óbvio para quem não esteja nisso. Mas é isso que falei cedo, no primeiro diálogo, a mesma pergunta que você lança, eu fiz pela manhã, a mesma pergunta.

O: Olhando para a trajetória desta estrutura, percebo que ela, ao se sentir inquieta por causa da percepção de seu comportamento adulterado e adulterante, sempre forçou o distanciamento das situações em que ela se adulterou assim como aos demais, só para poder reiniciar seu curso em novos palcos, como novos coadjuvantes. Sempre foi isso, e, por meio desse mecanismo de funcionamento, é que ela se cristalizou. Ela nunca permitiu que a inquietude causada pela tomada de consciência quanto às suas adulterações, chegasse a tal ponto de fazer com que ela colapsasse em seu atual mecanismo de ação e, quem sabe, descobrisse uma nova maneira de percepção, recepção e interação.

Ao sair de tais situações, enquanto a dor produzida pela inquietude ainda estava fresca, ela até que se mantinha no propósito de seguir de modo diferente, mas, passada a dor, logo era tomada novamente pela euforia que a lançava sempre no mesmo padrão de ação. Talvez, por isso a cultura criou a expressão: "de boas intenções, o inferno está cheio"; ou então a expressão: "Eu faço o mal que não quero fazer e, o bem que quero fazer, eu não faço." Enquanto nessa estrutura, esse bem parece nunca ser possível, uma vez que tal estrutura funciona com base no cálculo autocentrado, no auto-interesse manipulador.

Esse auto-interesse nunca nos deixa ver as coisas, as pessoas e as circunstâncias como realmente são; ao contrário disso, faz com as vejamos de acordo com aquilo que é ou não de nosso interesse momentâneo. Não é difícil observar que, uma vez que o interesse mude, descartamos as coisas, as pessoas e as circunstâncias sem o mínimo remorso ou preocupação, não levando nem alguns dias para esquecer que elas existiram. Em algumas situações, até encenamos uma tristeza, um remorso ou preocupação, mas tudo como mais um cálculo com base na preservação da própria imagem. Quando damos as costas, lá está a velha estrutura, com seus cálculos para as novas formas de satisfação de seus instintos naturais adulterados, os quais, uma vez realizados, se tornarão novos focos de inquietude. Essa tem sido a base do nosso viver.

Não ficamos com a inquietude, porque a própria mente inquieta justifica o não ficar com a inquietude, dizendo que isso não é viver, que a vida está passando sem ser vivida, que se o indivíduo ficar com a inquietude, acabará por enlouquecer ou coisa do tipo.

F: Não ficamos, ponto. Há um mecanismo – os próprios pensamentos são reações à inquietude, os próprios pensamentos são uma forma de fuga. Porque há sempre a sensação ou ideia de que tem que ser feito algo para alterar ou fugir dessa sensação ou dessas sensações. Veja, funciona como um mecanismo. Mas será mesmo assim sempre ou isso pode modificar e quebrar isso como é apontado no filme “Revolver”?

O: E a mente inquieta justifica esse fazer algo para sair da inquietude, de modo quase sempre muito sutil, quase mesmo que imperceptível. A observação nos faz ver que, mesmo conversar ou escrever sobre a inquietude, é também uma forma de fuga da inquietude que é impulsionada pela sagacidade da estrutura.

F: Mas é claro que é... É ela ainda... somos pura inquietude... Essa é a grande sacada, perceber que está condicionada, que não há o que fazer; isso é tão lógico, tão claro. A sensação está ok então como está, mesmo desconfortável? Parece aquele dilema dos dois soldados voltando da guerra, onde um traumatiza enquanto que o outro volta como herói de guerra. Por que um não aguentou e o outro sim? O próprio pensamento é mecanismo de fuga, entretanto, agora ele está sendo visto e talvez algo surja daí.

O: Quando o indivíduo chega nessa percepção, a inquietude se torna quase que enlouquecedora, pois ele não tem mais como mentir para si mesmo, pois agora, é percebida de imediato a natureza exata que dá vida as suas ações (ou reações?). Aqui, o indivíduo pode ir aonde for, que já sabe de antemão que foi até lá em vão. E aí sim o viver se tornar terrivelmente enfadonho e sem real sentido. Durma bem com essa percepção, se é que é possível.

F: Mentimos a vida toda, sempre dizendo que estamos bem, quando, de fato, estávamos inquietos. Tipo: Tudo bem, João? Tudo, e você? Tudo! Então, tá! Tudo bem inquieto, foram 40 anos mentindo.

O: Penso que precisa surgir uma percepção que transcenda todo cálculo, todo interesse, toda forma de mania ou dependência.

F: Iniciou o looping novamente... O que separa o ficar com a inquietude da reação? A sensação está boa como está? Você sente que tem que “fazer” algo para alterar ou fugir dessa sensação/ou dessas sensações?... Veja, é assim que a estrutura joga sutilmente, é assim que ela se alimenta em forma de looping.