21/02/2021

O imaginal é fluxo de ideia-sensação projetada

O: Paramos ontem na percepção de que o fluxo é sempre a projeção da ideia de uma circunstância, acrescido da ideia de uma sensação que será sentida quando nessa circunstância. A percepção desse fluxo de ideia-sensação, dissolve a possibilidade da identificação emotiva reativa com o mesmo. Portanto, a ideia como mecanismo de ação, por estar condicionada, só pode perpetuar a inquietude.

F: A maior arma do fluxo me parece ser a preocupação excessiva com ele mesmo.

O: Sim, o autocentramento. Será possível ação sem o fluxo do imaginal, ou seja, sem a ideia-sensação, visto que ideia não é ação, mas sim, reação?

F: Só quando ocorre de forma espontânea.

O: Diante disso, parece-me lógico que só podemos despertar para a lúcida integridade do estado incondicionado de ser, quando observamos a totalidade do mecanismo de funcionamento da ideia-sensação.

F: Mas o modus operantes, em sua totalidade, está fundamentado no cálculo autocentrado. Fica cada vez mais claro, que nada podemos fazer a nível do imaginal.

O: O imaginal é fluxo de ideia-sensação projetada, ideia de circunstâncias e possíveis sensações. Sempre isso. Parece-me que só podemos conhecer a lúcida integridade do estado incondicionado de ser, quando compreendemos a totalidade do mecanismo formador de ideia-sensação e abandonamos a ilusória e separatista identificação com o que vem de tal mecanismo.

F: A meu ver, isso pode ser assim ou não... não sabemos...

O: Qualquer ação com base no imaginal condicionado, não é ação, mas sim, reação. Reação só produz perpetuação da confusão, da limitação, da inquietude. Só podemos conhecer a beleza da integração se transcendermos a identificação com a ideia e o sentimento, visto que ambos estão condicionados pelo cálculo autocentrado. A beleza da integração não é possível enquanto ocorre a agitação do fluxo do imaginal.

F: Não tem que parar o fluxo... é o próprio fluxo que traz a ideia de que algo tem que ser feito para que ele pare, para que algo além ocorra...

O: Só na beleza da integração é que ocorre a ação sem ideia, que é criação. Parece-me ser de extrema importância, identificar o funcionamento do mecanismo imaginal, o qual é sempre projeção simultânea de uma ideia e de uma sensação relativa a instalação dessa ideia.

F: Isso sim.

O: Quando tal funcionamento é identificado, não ocorre identificação com o mesmo. Nessa "identificação desidentificada", digamos assim, vai se afirmando um estado de centramento não reativo. O mecanismo é sempre projeção de ideia com sensação relativa a própria ideia projetada.

F: Ou já existe alguma sensação corpórea e o imaginal entra rotulando, o que perpetua a mesma sensação; sem o imaginal, o sensorial não solidifica.

O: Se acontecer isso vou sentir isso.... Ou algo diferente disso que sinto agora. Sempre uma projeção de vir-a-ser.

F: Essa é a ação calculada... Esse é o maior truque do imaginal. Acho que estamos cada vez mais nos permitindo sentir o que há; sempre nos relacionamos com base no cálculo autocentrado; buscávamos aos ambientes, já com a sensação pensada... Esse é o supremo golpe do vigário central.

O: Enquanto "adicto do imaginal", não há saída da inquietude. Já está ocorrendo certa abstinência com relação ao que vem do fluxo do imaginal, e isso, já possibilita certa integridade ao não reagir aos seus impulsos. Parece-me que o lance é se permitir, de modo passivo e não reativo, descer até o fundo do poço da inquietude, observando tudo que se apresenta no percurso, de modo desidentificado.

F: Vai entrando um momento de compreender o fluxo tal como é, sem se identificar com mais nada dali, sem querer modificar nada, sem querer fazer nada a respeito.

O: Nada precisa ser feito diante de algo que é percebido como ilusão.

F: A própria inquietude muda por si.

O: Inquietude mudada, ainda é inquietude.

F: O imaginal mantém a inquietude e a atenua. O lance é sentir as mutantes sensações, sem agregar o extra que é sempre do imaginal. As sensações são o “nosso maná de cada dia”, o “Daily Meal”... a refeição diária. No entanto, parece-me que ainda há um ponto interessante a ser observado... Em tudo isso, os pensamentos ocorrem a nível de um processo. Quando ficamos com o que as sensações nos trazem durante o dia, temos muito mais chances de sermos espontâneos em nossas ações, pois o cálculo autocentrado é sempre do imaginal; é sempre ele que imagina um cálculo. Mas no fundo, o que manda é o que se passa na qualidade do sentir... É o sensorial que apresenta o menu do dia, nele, não tem o cálculo.

O: Pensamento e sentimento, parecem-me ser um só mecanismo. Penso que é o próprio imaginal que traz a ideia de que são diferentes, de que são dissociados. Até onde percebo, o sentimento é uma extensão do pensamento, o pensamento materializado, somatizado; o sentimento é a identificação com a ideia, com o pensamento, ainda que de modo inconsciente: “Identifico-me com o pensamento, logo, sinto”.

F: O sentimento, as sensações, também surgem do nada, também surgem antes do pensamento; às vezes o pensamento entra junto, rotulando qual é o tipo de sentimento.

O: Sugiro que você observe melhor. Esse mecanismo pode ocorrer de modo consciente ou inconsciente.

F: Já olhei.

O: Até onde observei, parece-me não existir sentimento dissociado de ideia.

F: Existem sensações rotuladas pela ideia. Neste exato momento, a sensação está ocorrendo aqui, sem nomeação, ela está aqui.

O: Penso não existir sentimento dissociado de ideia.

F: Se eu abrir o leque do imaginal, ele vai categorizar essa sensação. Pode ver. Tem alguma sensação aí, sempre há. Quando não há ação, o imaginal nomeia de vazio, de oco, de nada. Nessa nomeação ele reinicia o looping do imaginal sensorial condicionado. Só que o que existe são as sensações sendo somatizadas.

O: O oco é ausência de sensação, que dá looping no imaginal.

F: O oco, por mais que seja ausência, ainda é um “sentir” de ausência de sensações. O imaginal vem e diz: “Que sensação terrível!”... “Que merda!”... A sensação de oco te engole, te sufoca, queima o peito. Então, há algo ali que sente a ausência de sensações. A coisa revira as entranhas, revira, torce o bucho... Então, veja, mesmo no oco, há sensações que acabam sendo somatizadas no organismo. Por exemplo, ontem à noite, a coisa pedia para que eu batesse a cabeça na parede, de tanto vazio que revirava. Ao mesmo tempo que isso era sentido, havia a risada interna de ver a loucura do fluxo, de ver o próprio imaginal projetando sugestões para sair da sensação de vazio. Chega dar um vácuo na nuca. Tem sensações que somatizam. Trata-se de algo paradoxal. Sinto vazio, sinto oco, sinto isso ou aquilo... Mesmo o não sentir, ainda é uma forma de sentir. Veja o paradoxo.

O: Sim: Sinto que não estou sentindo nada.

F: Exato. Olha que furada... Socorro! Não estou sentindo nada! Como assim? (Risos). Se não estou sentindo nada, então, sinto o nada. Percebe?

O: Claramente.

F: O mecanismo do imaginal sensorial condicionado, é muito patético. Mas vamos com calma! Quem chegou nesta percepção do mecanismo, já não sofre, já não vive na neurose; mas quem não pegou o funcionamento do mecanismo, esse, sofre muito.

O: Por isso afirmei anteriormente que a coisa ocorre de modo consciente ou inconsciente.

F: Sim, pode ocorrer em ambos estados de consciência. Ótimo isso, parece-me que é bem assim. Já passamos por um enorme sofrimento, por estarmos inconscientes do funcionamento do mecanismo de ideia-sensação; foram anos nessa ignorância do funcionamento de si mesmo... preso, sempre correndo sem parar dentro da mesma cela, uma hora para a esquerda, outra para a direita, depois para cima e para baixo... Brecando, acelerando, virando, fazendo assim e assado... Percebe?

O: Sim, come, bebe, fuma, tanto faz!

F: Isso. Ótimo! Um movimento muito patético, neurótico mesmo! O mecanismo do imaginal sensorial condicionado é bem isso... O imaginal vem com a projeção da ideia: “Você é um fracasso”... Na sequência, “Você tem que fazer algo para deixar de ser um fracasso” ou, “Não, eu não sou um fracasso”, ele vem com todo blábláblá que você já conhece... Nisso, a sensação já pegou, ou já havia algo.

O: No principio era o verbo, só uma ideia, então virou carne e habitou em nós em forma de inquietude.

F: Sim, antes estava sentindo esse vazio, o nada. Paradoxo! Mas veja, estava sentido o que o imaginal nomeava de vazio, de oco, de nada. Depois de nomear, o imaginal projeta: Vá fazer alguma coisa... Corre, pedala, mercado, shopping, joga, vê um filme, tenta um sexo com a patroa... Cara, o mecanismo é pura insanidade, é pura emoção violenta. Adultos adulterados adulterantes geral.

O: O pensamento e o sentimento são um só circuito.

F: Isso. Circuito esse que corre em todos os sentidos, está integrado, onde um potencializa o outro.

O: Não tem como negar isso. Não interessa quem começou o circuito.

F: Isso mesmo, não interessa se foi o ovo ou a galinha.

O: O fato é que um reage ao outro e se alimentam mutuamente dessa reação.

F: Isso. Um reage e alimenta ao outro.

O: Há uma simbiose aí, uma codependência.

F: Isso que estamos falando, quebra toda psicanálise, quebra tudo que vimos e tentamos até aqui: Deus, papa, padre, pastor, bispo, guru, padrinho, mentor... Quebra a banca toda.

O: Sem dúvida alguma.

F: Quebra aquele lance de perceber que você não é bom, mas que pelo esforço, pode alimentar o desejo de ser bom. (Risos) Sou mal mas quero ser bom. Percebe? Padre, pequei! Reza doze Ave Marias e três Pai Nosso, e não deixe de vir na missa de domingo. Não deu certo? Bora para a cerveja, enche o caneco de droga... Tenta outra mulher.

O: Pratica os 12 Passos, fala com o padrinho e melhore seu contato com o Deus da sua concepção.

F: Estou me sentido péssimo; estou me sentindo bem; já passou... você vai enlouquecer...

O: Looping é insano, é fluxo de emoção violenta, não tem sentido real. Mas veja que já se instalou uma inteligência, a qual lhe propicia a percepção de tudo isso, sem que você reaja a tudo que está sendo percebido.

F: Isso. Há total inteligência nisso. A inteligência que se manifesta por meio da observação passiva não reativa, é que está tocando tudo isso: Nunca houve isso! Não se trata de um “eu” se esforçando para fazer isso, pode ver. Não somos nós como pensávamos, de modo algum.

O: Mas essa inteligência está em nós, não se trata de nada de fora, nada do além, nada de sobrenatural, nada de divino. Ela está nisso que somos, por trás daquilo que sempre pensamos que éramos; em nossa exata natureza incondicionada, não no que condicionamos como “eu”, o qual já vimos que é uma ilusão. Isso não se torna óbvio para quem não amadureceu o processo de descondicionamento.

F: Isso. Esse não quebra a identificação, ele é o fluxo. Para ele, isso não é óbvio... Ele continua insistindo em alguma forma de fuga de si mesmo... Sempre em busca do livro certo, do mestre certo. O livro que ele é, ele não quer ler.

O: Não querer virar as folhas que o imaginal sensorial lhe apresenta.

F: Minhas sensações e sentimentos? Não vou ler não! Vou ler o Advaita, quero purpurina, brilhantes flores de plástico. Ler o livro que sou? Credo! Isso dói muito, traz uma inquietude insuportável!

O: O indivíduo não quer ler, ele quer é fugir da inquietude através da leitura.

F: Isso já ficou claro para nós, pois já atravessamos essas ruas.

20/02/2021

O que a observação não conhece, não cabe no imaginal

O: Não sei se você se deu conta do que conversamos aqui, a percepção de que o imaginal projeta uma ideia e, juntamente com a projeção dessa ideia, a ideia de um sentimento que teremos, caso a ideia inicial ocorra. Perceba aí que quando isso é percebido, tal percepção desmonta a instalação da sensação.

F: O imaginal e sensorial são uma única estrutura complexa. Ou o sensorial está com alguma sensação e o imaginal atenua e perpétua a mesma. Não há necessariamente uma ordem nisso mas, basicamente, são interdependentes sim.

O: Outro ponto que acho pertinente a observação, diz respeito a como essa estrutura foi condicionada para ser dependente de pessoas, lugares, circunstâncias e filiações. Ela não recebeu um tipo de educação que aponte para a manifestação de um estado de integração fundamentado na autossuficiência psíquica.

F: Isso mesmo, nossa cultura, nossa chamada “educação”, ambas estão voltadas para a formação e manutenção de dependências, é isso mesmo     .

O: Nosso momento parece ser algo como a crucificação final dessa condicionada estrutura limitada e dependente, para que possamos resgatar a liberdade e a lucidez do estado incondicionado de ser.

F: Isso, realmente não sei mas, há a percepção de que não tem o que ser feito, nem aquele que pode fazer algo; realmente, isso não tem. Se a mecanicidade do fluxo parar, será por si, há a compreensão forte de que é isso...

O: O sentido dessa inquietude está na percepção do mecanismo de dependência dessa estrutura e a retirada — não forçada pelo cálculo autocentrado mas sim através de algo mais fundo em nós —, dessa estrutura dependente. A estrutura só conhece a ilusão de segurança por meio do apego, por meio da dependência. Quando a estrutura se percebe dependente, inevitavelmente, projeta o medo de se ver sem as pessoas, lugares, circunstâncias e filiações que sustentam sua dependência; é daí que surge toda forma de inquietude.

F: O ponto fundamental é que qualquer movimento, para qualquer lado que seja, a nível do imaginal, resulta em mais movimento do imaginal... Quando o imaginal está muito ativo, geralmente é porque o que está mesmo pegando, são a sensações que precisam ser sentidas... Quando você se permite sentir o que surge das emoções, das sensações e sentimentos, isso de certa forma, apazigua o imaginal...

O: Veja que parte da estrutura dependente está na ilusão de que "depende de seu esforço consciente", para a dissolução de toda manifestação de dependência. Mas ela não tem como sair da dependência, enquanto sustenta a dependência do esforço próprio, o qual é sempre limitado e cabível de recaídas, de retrocessos. Isso já se tornou muito claro pela observação de nossa história e da história dos demais.

F: Não tem como sair da dependência... numa observação mais atenta, você constata isso mesmo. Essa é uma ilusão socialmente compartilhada...

O: Não há limites para o poder de criação de fugas ilusórias por parte do imaginal. Ele vai desde as fugas mais grosseiras como as drogas, o álcool, o tabagismo, o comer compulsivo, o sexo ou outro padrão de comportamento obsessivo compulsivo, ou as mais refinadas fugas provenientes do terreno da chamada espiritualidade, como por exemplo, a ideia de que no fundo da mente existe uma porta com as palavras “Eu sou”, por meio da qual, através de um esforço consciente de sua parte, você pode atravessar tal porta e, com isso, ter a dissolução da mente condicionada e a revelação de sua Natureza Essencial de Consciência, sempre presente e Ilimitada, a morada da paz, felicidade e amor.

F: O indivíduo pode ficar cem anos ditando “Eu Sou”, “Ommm,” que talvez não funcione... caso não pegue a observação, bem provável que nada surtirá efeitos práticos... A estrutura é algo que rola por si... sendo por si, ela provavelmente é isso. O que temos é o ver através dela...

O: Tudo isso pode soar muito "bunitm", mais desafio qualquer um a ver se isso se mostra realmente funcional, ou tão somente, mais uns dos truques da estrutura condicionada, em busca por mais e mais formas de condicionamentos. Você pode ficar repetido o tal do "Eu Sou" pelo tempo que quiser, e verá que isso não tem o poder de mudar a estrutura condicionada e dependente pela qual você funciona no momento.

Não é difícil perceber que os que ainda se agarram nessas firulas espirituais, só se agarram a elas, devido ao não revelado estado de inquietude, vazio, confusão, dependência e ausência de real comunhão. Para tais indivíduos, parece que encarar a realidade condicionada, limitada e dependente do mecanismo interno pelo qual enfrentam a realidade, é algo altamente assustador, por isso, a fuga pela crença, ainda que mais refinada, parece ser tão tentadora.

F: Encarar tudo isso, ver como a estrutura é de fato, é bem estranho...

O: O imaginal vai tentar todos os cálculos, toda análise, para ver se consegue fechar a conta da sua já percebida condicionada estrutura limitada e dependente, mas, por meio de seus cálculos, de suas análises, de suas comparações com os preconceitos adquiridos, essa conta nunca fecha.

F: O imaginal vai lançar a ideia de que temos que fazer algo para solucionar o imaginal e atingir tal estado, mas quem está lançando isso é o próprio imaginal...

O: Isso pode ser percebido com muita clareza, enquanto, de forma passiva e não reativa, observa-se o inquietante movimento do imaginal, em busca de soluções para sua inquietude original.

F: Isso fica muito claro... parece que o calçado que temos não serve mais... queremos outro... mas nunca olhamos para o que temos, olhamos para outro com o que temos.

O: Veja a total insanidade disso: pelo inquietante movimento, querer acabar com a inquietude. Foi a incapacidade de ficar com essa mesma inquietude que criou a imatura ideia de Deus como nós o concebemos, Poder Superior, Eu Maior, Eu Divino, Eu Sou, como instrumentos que podem colocar fim a tal inquietude.

F: Foi exatamente isso.

O: A meu ver, parece não existir cena tão reveladora sobre essa conquistada capacidade de se manter silenciosamente observando o digladiar da inquietude, como a cena do filme “Revolver”, onde o personagem principal, depois de muito esforço de sua parte, se vê desprovido de qualquer ajuda externa, sem nenhum mestre, sem qualquer ferramenta nas mãos, assistindo os delírios da estrutura condicionada tentando instalar a adulterante e neurótica identificação reativa. Ao observar de modo passivo e não reativo, as projeções coléricas da mente que se vê em ameaça de extinção, o personagem central percebe que o volume das vozes vai perdendo sua intensidade até que, num momento inesperado, lhe ocorre um derrame de integrativa e libertária lucidez, através da qual, todas as vozes se calam, todo medo é percebido e transcendido.

F: Só chegou a lucidez para o personagem, quando ele ficou com a estrutura, sem qualquer apoio, sem qualquer ajuda, sentindo-a, ouvindo-a. Foi só assim que ele percebeu que ele não era aquelas vozes, aquelas imagens, aquelas sensações. Mas tem algo interessante ali: também houve um lapso lá na cena, alguns segundos e, de repente, a estrutura reapareceu, mas o medo caiu.

O: Mas não mais a mesma estrutura. Um estado diferente de ser se manifestou ali. Sem dúvida alguma, temos que dar os parabéns para a estrutura condicionada do imaginal sensorial, por sua poderosa e quase que inesgotável capacidade de criação de caóticos enredos dramatúrgicos. Mas também podemos nos parabenizar pela capacidade alcançada de perceber, cada vez mais de imediato, a projeção desses enredos, sem com eles se identificar, sem vestir a roupagem de seus personagens. Perceber tudo isso, sentir isso e deixar ir, de modo passivo, não reativo e silenciosamente, esse sim tem se mostrado o único poder superior ao digladiar da inquietude.

F: Exatamente, parabéns para a estrutura do imaginal; em sua capacidade de ilusão, ela é suprema.

O: Através desse observado deixar ser e deixar ir, é que tudo da ilusória e adulterante identificação está sendo consumado.

F: Pode ser isso mesmo. Acredito que a estrutura seguirá, mas, poderá sofrer alguma mutação, porque de certa forma, precisamos da mente. Não tem como, só que lúcida. Mas não tenho como afirmar isso. Sinceramente, isso não interessa.

O: Sim, pois aí recairíamos no looping da crença, da conjectura.

F: Isso. Veja que não há diferença entre Deus, vida eterna, lucidez, céu, além do ser... Tudo ainda é o imaginal, o pensamento, portanto, nada disso interessa. A única coisa que temos é o nosso sentimento agora; ele mesmo é mutável, mas a capacidade de ficar com ele, de modo passivo e não reativo, é o que temos no momento como um Poder Superior.

O: Isso realmente está fazendo toda a diferença. Não há como negar a capacidade de autonomia psicológica que vem se instalando através disso.

F: Mas me parece que só tem isso a ser feito: ficar com o que se manifesta do imaginal e do sensorial, sem permitir a interferência do imaginal.

O: Isso acaba com qualquer crença, com qualquer esperança, visto que a esperança, também tem base no imaginal.

F: Nesse momento, sim. Ocorreu uma mudança no nosso sentir, no modo como nos relacionamos com a própria estrutura psíquica, qualidade do sentir que pode modificar nosso viver. Não uma grande ideia. Parece-me que é isso.

O: Inegável que uma mutação ocorreu e continua ocorrendo.

F: Sem dúvida.

O: Veja, isso aqui jogou todos os livros, todos os mestres, todos os sistemas, toda programação, toda prática dita espiritual, todo conceito por chão.

F: Sim. Será que isso que era a sacada do provérbio: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Mas sem se agarrar a isso também. Digo somente no sentido de jogar fora todo intelecto livresco, a lógica e a razão condicionada, a ilusão de sabedoria, ou seja, toda forma de blábláblá.

O: Está jogando também ao chão, as mais sutis manifestações de fuga da inquietude, que antes não eram sequer percebidas como fugas.

F: Veja, o intelecto não segura o que se passa no peito, aliás, torna-o ainda mais inquieto.

O: Não há como negar isso; quanto mais intelecto, mais lenha para o imaginal, quanto mais lenha para o imaginal, mais fogo para o sensorial.

F: Então, temos o imaginal inquieto querendo quietude, temos aquele que se percebe insano, querendo a sanidade; a conta não fecha aqui. Por outro lado, um sensorial mutante em suas sensações, que ao serem sentidas, parecem nos trazem a autossuficiência! O que vejo aqui, é que quanto mais imaginal, mais carvão na fornalha da inquietude.

O: Sim, o incendiário, querendo apagar o fogo com gasolina.

F: O causador de tudo é o imaginal.

O: Isso me parece ser o mesmo que querer saber quem nasceu primeiro, se foi o ovo, ou se foi a galinha. Também isso não importa.

F: Excelente!

O: O lance é que vemos o fluxo de ambos, e que um alimenta o outro, trata-se de uma codependência.

F: Isso! Mas correm lado a lado.

O: O imaginal e o sensorial como um único sistema.

F: A diferença, pelo que me parece, é que o incendiário é o imaginal, uma vez que quando o sensorial é sentido, sem que ocorra a interferência do imaginal, o sensorial se desmancha por si.

O: Isso me parece ser um fato facilmente observável.

F: No início do processo, não é fácil observar isso. Agora é que está sendo fácil observar. Mas não é nada fácil chegar nesse momento em que temos a capacidade de ficar com isso, de modo passivo e não reativo.

O: Se fosse fácil, o paradigma holotrópico teria vários seguidores. Como já vimos, são poucos os que alcançam isso. Trata-se da velha máxima: "Muito se pode dizer à poucos. Pouco se pode dizer à muitos. Muito nunca se pode dizer a muitos." Ou então, “Tudo que o homem não conhece não existe para ele. Por isso o mundo tem, para cada um, o tamanho que abrange o seu conhecimento”. O que a observação não conhece, não cabe no imaginal.

F: Sentir o que tem para sentir; ficamos com isso. Veja que quando ficamos com o que sentimos, praticamente, não existe mais nada o que ser feito. Para de existir aquele movimento de não aceitar o que há no sensorial, de tentar sair, fugir ou mudar o que nele se manifesta. Algo muda. Praticamente, isso é um Poder Superior ao velho e eterno conflito.

O: É isso.

Não leve a sério a impermanência do imaginal

 

O: Continuemos. Há o conflito, há a inquietude, os quais partem do imaginal e sensorial e, toda sugestão de solução, ainda é parte do fluxo do imaginal, sugestão que é condicionada pelo conteúdo do conhecido. Então, qualquer identificação com a sugestão, não resolve o conflito, apenas o posterga, lança-o para outras situações e ambientes, além de reforçar a estrutura projetante. Toda sugestão de futuro é o passado projetado, o qual forma o conflito presente.

F: Todo conteúdo projetado está sendo imediatamente descartado.

O: O que faz sentido é o descarte instantâneo da identificação com o conteúdo projetado, isso tem sido o diferencial aqui. Nesse descarte, além de um certo centramento, há uma consciência cada vez maior das nuances de funcionamento da estrutura, a percepção de seu processo formador de imagens, de como ela funciona por meio de imagens e para sustentar uma imagem de si mesma. Como disse na conversa anterior, isso aqui vai contra a lógica e a razão estabelecida, pois aqui, ficar com a inquietude, parece ser a única coisa que vai revelando a o falso da estrutura.

F: Já foi mais árdua a vivência dessa inquietude crônica.

O: Trata-se de um maduro estar com a inquietude, estar esse que esclarece a estrutura, que é o próprio observador, o próprio ficante. Na medida em que o observador vai enfraquecendo a identificação reativa, sem perceber, vai enfraquecendo a si mesmo, dando lugar a uma quantidade maior de clareza, a qual torna cada vez mais fácil o sentir da inquietude, sem com ela se identificar. Vai ficando cada vez mais rápido e mais fácil o acompanhamento do fluxo, sem qualquer identificação reativa ao mesmo. Vemos que são as imagens projetadas, que impedem a real comunhão, inclusive a imagem que temos do amor e seus imaginados tipos de manifestação.

F: O que falam sobre o amor, não é amor. Deve ser um algo ali que nada tem a ver com tudo isso que é falado.

O: O que se tem por amor, é tudo fruto da imatura imaginação condicionada.

F: A impressão que tenho é que estamos vendo a coisa como é. Foi muita purpurina sobreposta. Quando a gente olha para a estrutura como um todo, como ela é de fato, conseguimos compreender essa situação caótica que se apresenta na sociedade, porque o indivíduo que não despertou para a observação passiva não reativa, ele é aquilo, ele é a identificação inconsciente com o fluxo mecânico e não solicitado do imaginal condicionado. Tal individuo vive o tempo todo estressado, sendo cobrado pela própria estrutura e pela compartilhada estrutura social condicionada, que no fundo, é a mesma estrutura. Então, tal indivíduo, não tem como sair disso. Então, isso vai cada vez mais afunilando o individuo em vários tipos de fuga, desde as socialmente aceitas, como as fugas que são recriminadas; mas nenhuma dessas fugas resolve a estrutura estressante. Pela observação, já constatamos a futilidade de tudo isso.

O: Sim, poder, prestígio, distração, viagens, aquisições, filiações, drogas, crenças, programações, sistemas, militância...

F: Quando chegamos neste ponto em que estamos, entramos num outro momento, o qual, por si só, revela a inteligência do processo de ficar com tudo isso que é projetado do imaginal, e de sentir as emoções e sensações por ele projetadas, e de olhar para essa estrutura, do jeito que ela é, sem colocar qualquer purpurina sobre ela.

O: Sim, ver o que é, do jeito que é, sem tentar maquiar o que é.

F: Aquilo que era terrível, aquele fundo de poço que atravessamos, até o momento é real, e não sabemos o que nos espera, vamos dizer assim, pode acontecer qualquer coisa, com o processo do próprio corpo. Mas o indivíduo que não que não tem a percepção de si mesmo, de como funciona sua estrutura mental e emocional... Que não tem a capacidade de ficar com sua inquietude, observá-la e sentí-la do mesmo modo que estamos vendo tudo isso... Ver a estrutura da inquietude, a sua fonte... Ele se torna a inquietude, e sai derramando-a em suas relações e atividades. A observação passiva não reativa faz toda diferença, pois ela nos dá condições de ver as coisas do jeito que é e de ficar com o que é.

O: É bem por aí.

F: Parece-me que vamos chegando num ponto muito interessante que é a queda desse interesse, a queda do desejo, dessa vontade de buscar essa própria realidade incondicionada, porque você cai num paradoxo sem fim, você cai numa espiral que é a estrutura se condicionando para ter o resgate do real incondicionado, esse é o buraco em que chega o processo de descondicionamento... A percepção disso que não é a nossa real natureza incondicionada, querendo a real natureza incondicionada. Veja que tudo isso são só imagens sobrepostas. Aqui caímos num xeque-mate. A estrutura que desconhece a realidade, deseja a realidade, e isso cria um looping infinito que retroalimenta o imaginal. Enquanto ficar na ação, como autor das coisas, inevitavelmente cairemos nesse mesmo looping, nesse imaturo sobe e desce sem fim. Tudo que a ilusão pode ver, é o funcionamento dela mesma; fica claro que só há a observação, que esse é o limite: sentir o que há para sentir.

O: Trata-se do que tenho chamado de “Contato consciente com o colapso da estrutura”... O se permitir ser “crucificado” de modo passivo e não reativo. Parece-me que sem esse estado de boa vontade, não pode haver ressurreição psicológica.

F: Pode ser isso o que dizia tudo que lemos, que pesquisamos, etc., etc., de ficar diante da porta que se abre por si...

O: Não há nenhum "Abre-te Sésamo".

F: Talvez seja isso, o mais próximo de tudo, e daqui em diante, não podemos fazer mais nada. O processo de descondicionamento nos trouxe até aqui, onde sabemos que não temos como abrir a porta, muito menos o que tem atrás dela. Mas faz sentido, não adianta sofrer, nem fingir nada. Para mim, chegamos na rendição total, na entrega, algo do tipo, a palavra não importa. A identificação emotiva caiu muito aqui; há uma estranheza nisso. Isso é muito forte, parece-me que isso aqui não é todo mundo que acompanha.

O: Enquanto na total ignorância do funcionamento real de si mesmo, sem se ver fora da auto imagem, é natural o indivíduo imaginar que não tem problema, imaginar que ama, entre outras imaginações mais. Autoconhecimento não é para os fracos. Ver a coisa do jeito que é, não é para qualquer um. Por isso que a maioria ou fica pelo caminho ou morre na praia. Quando a gente desperta para o real do nosso hermético “lado B”, é uma benção não enlouquecer de culpa.

F: Não há mais culpa, não há mais nada disso, esse momento já passou. O que percebo é que vai caindo o ranço, a acidez que antes havia fortemente.

O: E tem mais, se você se aventurou até a metade do processo de descondicionamento, não tem como parar, se parar, morre na praia da inquietude, ou fica um bobo, enganando a outros bobos, com chavões espiritualistas. Ver o que é, inicialmente, você sabe bem, leva quase ao desespero.

F: No início do processo, sim, mas agora, parece que não mais.

O: Inicialmente, sem ajuda, o indivíduo não aguenta.

F: Provável que não.

O: Teríamos morrido.

F: Por isso que eu disse que sempre recebemos ajuda. A ajuda sempre chegou. Esses são os lados ilógicos da coisa, isso fica fora daquele consciente certinho.

O: Mas agora, a ajuda não ajuda, só atrapalha. A ajuda condiciona.

F: Veja que ainda há ajuda, sempre há. Pode não ser claro, mas a própria coisa toca de algum modo mais sutil, mais simples, de modo diferente. Ainda não sei explicar. Algo do tipo que você sente que tem algo rolando, mas não tem o que fazer, pois é algo interno.

O: Não tem ajuda.

F: Recebo ajuda aí na troca de ideias, na troca de experiências e percepções.

O: Isso só informa, não dá o poder de desformar a estrutura. Entende? A ajuda, inevitavelmente, condiciona, sustenta dependência.

F: Isso sim, isso é claro.

O: No ponto em que chegamos, não há ajuda.

F: Entendi... Acho que nisso, você está certo.

O: Podemos trocar mais do mesmo, só mais nuances do funcionamento da estrutura e seus condicionamentos. Só isso, nada além, nada do incondicionado estado de ser.

F: Ficamos num “não saber”, de forma muito madura. Não tem nada, esse momento do processo de descondicionamento, tira até as palavras.

O: Sem dúvidas, bafo de boca não cozinha ovo. Não há o que fazer. O próprio Krishnamurti deixa esse momento bem relatado. Veja: “O que você faz quando tem a profunda conscientização de que o pensamento não pode acabar com ele mesmo? O que acontece? Observe-se. Quando tem plena consciência desse fato, o que acontece? Você compreende que toda reação é condicionada e que, por meio do condicionamento, não pode haver liberdade, nem no início, nem no fim, e liberdade está no começo, não no fim... Quando você compreende que toda reação é uma forma de condicionamento, o que dá continuidade ao eu em diferentes maneiras, o que acontece? Você precisa estar bastante certo a respeito disso”.

F: Forte. Esse é o momento aqui: percepção que se o fluxo parar, será por si. Essa percepção remove grande carga de energia que era envolvida na tentativa de transcender tudo isso. Não existe distinção entre dizer que pensamento crio Deus, ou criou o eu, ou criou a solução para ele mesmo. Percebe? O que temos agora, é só a observação, mais nada. Só tem o observar e o sentir de modo passivo e não reativo. Tudo se resume nisso. O que surge na tela da mente e do corpo, é imediatamente pego sem qualquer identificação, sem transformar o irreal em real. Tudo é só pensamento e sentimentos não solicitados, atividades dos sentidos condicionados. Tudo isso é pego na observação silenciosa.

O: Isso é o que entendo pelo lema que conhecemos nas salas dos grupos anônimos: "Mantenha o simples", "Não se leve muito a sério".

F: Faz sentido.

O: Esse repassar instantâneo da observação, de momento a momento, vai fazendo você perder o medo diante do que ocorre no imaginal e no sensorial, por mais inquietante que seja o conteúdo manifesto. Você vai ganhando a capacidade de não deixar que o conteúdo do fluxo controle suas ações; vai perdendo a necessidade neurótica de fugir do que quer que esteja se manifestando na mente ou nas emoções e sensações. Isso vai criando condições de ver o que há de falso e de verdadeiro no meio do fluxo, pois o fluxo também lhe apresenta suas limitações, os aspectos de seus apegos, dependências e medos. Isso vai dando condições de perceber também a insanidade do fluxo, sem se identificar, sem se assustar com tal insanidade percebida. Isso soa como um paradoxo, mas há uma lucidez que vê a insanidade. Você percebe que a projeção traz tanto a ideia de uma situação a ser enfrentada, bem como a ideia do que você vai sentir se tal situação ocorrer. Você vê isso e não se identifica, não dá vida a sensação projetada. Algo diferente do que costumava ocorrer num passado de inconsciência. Portanto, por mais inquietante que seja, você não perde mais o controle de si, não reage impulsivamente. Você vai analisando tudo que se passa, mas percebe também que sua análise, ainda não tem a libertária força assertiva.

F: Tudo é visto em sua desconexão, então, só há observação do conteúdo que muda, que é instável, aleatório, volátil, sem sentido, até mesmo de ser analisado. Ele muda em um segundo, ali são só jogos de palavras, imagens e sensações contraditórias. As sensações, quando sentidas e não nomeadas, não têm a mesma intensidade de quando tentávamos entendê-las ou delas fugir. Parece-me que o lance é perceber que o fluxo não para; se parar, será por si... Veja bem, se parar.

O: Há quem afirme que pare, mas isso, agora, nada significa para nós; doações psicológicas, incertas certezas emprestadas, não tem o poder de produzir a mutação psíquica. O imaginal, ao se ver na possibilidade de que seu fluxo não pare, projeta a ideia de que esse fluxo mecânico deteriorará a mente, que acabaremos loucos ou com Alzheimer. Ele tenta sempre instalar a identificação com uma preocupação excessiva consigo mesmo, algo que é percebido como muito patético.

F: Sim, ele manda mais e mais para que se instale a adulterante identificação reativa que sustenta sua estrutura condicionada.

O: Tudo que o imaginal projeta, vem sempre num enredo de dramaturgia de pânico, de preocupação consigo mesmo, de caos, de conflito, de carência, de solidão ou de prazer imediato para fugir da inquietude.

F: Da mesma maneira que ele cria a ideia de vida eterna, ele cria ideia de que vai morrer. Suas projeções são insanas. Você percebe que não tem fim para o seu arsenal de truques, e que não há nada a ser feito, porque, aquele que faz, na verdade, é também uma ilusória criação do imaginal.

O: Sim, muito volátil. O imaginal cria o fazedor, cria o reagente.

F: Imaginal criou o fazedor, o pensador, o observador, etc., etc., etc. O grande lance é que foi sempre essa identificação inconsciente que nos deixava toda manhã prostrados na cama, em pânico sob o edredom. Mas agora tudo isso é visto, sem o poder de nos controlar. Cada filme que imaginal projeta, vem carregado de uma emoção diferente. Por exemplo: olhe a projeção da morte... Vem uma sensação junto da mesma... A projeção de que vamos acabar enlouquecendo, vem carregada de outra sensação. Desemprego, desamparo, solidão... Tudo vem carregado de uma sensação.

O: Muito bem, pegue isso, fique com isso, porque essa percepção é muito importante! Tudo que é projetado pelo imaginal, traz também a projeção de uma sensação a ser vivida, mas veja, isso não está ocorrendo de fato, é só mais uma projeção que tem por fim, a possibilidade de identificação que sustenta a continuidade da estrutura autocentrada.

F: Vem junto, porque é uma única estrutura, complexa, de pensamentos e sensações.

O: Antes não víamos e caíamos no truque. Não poderia ser diferente, visto que nunca tivemos uma educação para perceber isso.

F: Não. Inevitavelmente, nos identificávamos e entrávamos em pânico, ou nos identificávamos com algum tipo de impulso emotivo reativo, neurótico, insano... Sempre foi uma mistura disso: Pânico, edredom, droga, calmante, sexo, medo, cama, crença, oração, súplicas, mais cama, mais deprê...

O: Era identificação automática.

F: Triste de quem está nisso, muito ruim, apesar da observação não ser linda como pintam os ditos mestres...

O: Sempre a projeção não solicitada da ideia do que fazer e do que seria sentido ao fazer.

F: Exato: faço isso e sentirei isso.

O: Ou de que se não fizer o que é imaginado, sentirá algo do tipo. E toda imaginação tem seus fundamentos na memória do que foi vivido, lido ou adquirido de doações psicológica de terceiros.

F: Isso.

O: Sempre o passado se movendo num futuro imaginado. Essa movimentação rouba a beleza e o bem-estar do instante.

F: Mas essas projeções acontecem no “presente”; o conteúdo é passado ou futuro, ou abstração total.

O: Elas ocorrem no presente, impedindo a vivência do presente, fragmenta a percepção do presente instante.

F: Ocorrem no presente, tudo ocorre nele. Veja a ilusão então dos patéticos mestres, som seus discursos de métodos para ficar no presente. Mas vamos dizer que isso é o que é, pois toda tentativa de modificar a coisa como é, gera uma inquietude descomunal.

O: Novamente o imaginal imaginando como, pela ação do esforço, pela ação de um método, se manter no presente, a fim de sentir algo diferente.

F: Como se víssemos de fato que a parte não pode ver o todo.

O: Sempre o imaginal projetando a ação e o que será sentido por meio da ação, o velho truque de sempre.

F: Não há nada a ser feito: a ilusão não pode ver o real.

O: É fácil encontrar escritos sobre a prática do poder do agora, mas não sobre o poder adulterante do fluxo do imaginal.

F: Sem o choque psíquico, parece-me que o agora, é só delírio.

O: Se entender o poder do fluxo, quem sabe, descubra o que é o poder de viver integralmente no agora.

F: Não dá para saber. Parece-me que só temos o observar. Há essa limitação que sinto aqui. O fluxo não é controlável. A observação deita por terra toda papagaiada do poder de controlar a mente, o poder de ficar no agora, de silenciar mente, de alimentar pensamentos positivos. Parece-me que o lance é ver se é possível olhar para tudo, do mesmo modo como olhamos para o imaginal... Olhamos cada vez mais para o imaginal, sem uma ideia formada, sem preconceito, sem opinião pessoal. Olhamos para ele cada vez mais assim, sendo que o mesmo olhar está ocorrendo agora, no que diz respeito as emoções, sentimentos e sensações. Isso nunca foi possível antes, pois não tínhamos a percepção desse mecanismo, não tínhamos conhecimento da observação passiva não reativa; tínhamos medo de sentir, não permitíamos o sentir, logo bloqueávamos mentalmente tudo, nos agarrando a algo. Só que agora, cada vez mais olhamos o imaginal é sensorial no momento de sua projeção. Só isso pode ser feito e está fazendo toda a diferença. Parece-me que por meio disso, talvez possa ocorrer com tudo.

O: Sim.

F: É assim que vejo a coisa no momento, por enquanto. Percebo que a ilusão não pode ver o real e nem parar a própria ilusão, porque é ilusão. Máximo que temos é observar, sentir, mais nada.

O: Sim, somente deixar ser e deixar ir, pois tudo ali, como tudo, é impermanente.

19/02/2021

Toda tentativa de explicação racional, não liberta do imaginal

O: Outra coisa que percebo, é que pela ausência de um surto criativo, permanecemos numa rotina de situações que, até aqui, se mostram limitadas em sua significância. Não sei se esse surto criativo, necessariamente, nos jogaria em outras situações, ou se, em sua manifestação, digamos assim, poderia ocorrer uma substancial ressignificação das mesmas, algo semelhante ao espírito da expressão proferida pelo mestre dos cristãos: "Eu torno nova todas as coisas".

Quando faço uso de expressões do tipo "derrame de libertária e integrativa lucidez" ou "surto criativo", me refiro a algo que nos possibilite o conhecimento de uma amorosa e integrativa ação assertiva, na totalidade de nossas relações e atividades. Penso que a presença da amorosa e integrativa ação assertiva, manifestaria a presença de um estado de ser, totalmente fora da caixa dos adulterantes domínios do cálculo autocentrado.

Essas expressões apontam para a ocorrência de algo novo, algo que nada tem a ver com o ajustamento de regras de ações, tomadas no passado por outros indivíduos e propagadas como condições

B: Lendo isso. Seria então que a nossa capacidade de cálculo, categorização existe, mas foi condicionada de forma autocentrada? Egóica? O comichão da insatisfação existe, a capacidade de cálculo e categorização também. Culturalmente condicionada a olhar só para esse abafamento da inquietação, do oco? Na criação de personagem que busca sentido? O eterno? Que tem medo de morrer?

O: A capacidade de cálculo tem seu devido lugar no que diz respeito as coisas técnicas do viver diário, mas não tem lugar no que diz respeito a manifestação de um estado de ser psicologicamente consciente e autossuficiente.

B: Entendi. Seria uma ferramenta e não um modo operante natural, naturalizado na cultura.

F: Na realidade, ficamos presos num conjunto de ideias refinadas... Uma ação espontânea, impensada, racional... Isso não acontece na maioria. Tipo aquela ação que tira mão do fogo antes mesmo de queimar e de sentir dor, tipo isso. A coisa fica num nível raso, preso, grudento. Mas pode ser que algo toque ali, daqui.

B: O looping parece infinito. A dissolução da estrutura implicaria em colocar a capacidade de cálculo em um lugar de segundo plano? Ou acabaria?

O: Aí você está entrando no terreno das conjecturas, que a meu ver, não serve para nada.

B: Sim, é isso. Percebo que nesse estado de observação passiva, estamos vendo o cálculo. Já não fazemos ele de forma tão condicionada. Teria que eclodir uma nova forma de estar aqui.

O: Mas isso me parece ser outra forma mais sutil de cálculo.

B: Caraí, em! Aqui que o cristão tem como o servo acordado quando o senhor chegar: um estado de não reação quando vendo a dissolução. Mas é maluco. Porque mesmo ao perceber o cálculo, pode-se escorregar para um novo cálculo.

F: Isso me parece um cálculo sutil... O que percebo aqui é que sempre, sempre, nossa vida inteira, sempre fomos ajudados, sempre houve alguma coisa que, em determinado momento tocou nossa consciência. Sempre! Foi através da escuta de uma partilha, foi através de um livro, foi através de uma fala, foi através de algo, ou foi através de um insight que ocorreu em nós mesmos. Sempre ocorreu algo, sempre! Percebe? Esse tipo de toque, que sempre ocorreu, seja antes dos grupos anônimos ou mesmo neles, não é uma coisa que você fica ali pensando e tal... Não foi produto da análise, do cálculo forçoso... Não! Quando ocorre esse tipo de toque, você fala, “nossa!” Esse algo que lhe toca, produz uma mudança imediata. Parece-me que essa coisa ainda existe, ela não é desse nível tão grotesco, pegajoso, calculista, entende? Ela não é nada disso aí. Ela não é isso! É difícil expressar com precisão o que sinto aqui por meio dessa nossa reflexão diária. Mas essa coisa aí, ela sempre e dá um toque na gente, assim, do nada... Não tem nada a ver com tudo que já foi escrito, dito ou compartilhado na condicionada estrutura social. Não acho palavras para explicar.

O: Compreendo o que você aponta. Mas, veja, aquilo serviu apenas no que diz respeito a um determinado condicionamento pessoal, não foi capaz de deitar ao chão, a totalidade da estrutura.

F: Mas sinto que isso parece estar ocorrendo em nós. Isso não cobra. É estranho.

O: Mas veja, tudo isso nos manteve como que apagando pequenos focos de incêndios no campo seco da estrutura condicionada, sem colocar fim ao incendiário que é a própria condicionada estrutura calculista, que agora pode estar calculando, por meio da memória de ocorrências passadas, que algo pode chegar aqui e acabar com a inquietude do momento.

B: Isso.

F: Não é isso. Não estou dizendo que vai apagar inquietude.

O: Se não apagar a inquietude, continuamos no grotesco, no pegajoso.

F: Isso então sempre vai acabar aí, na própria fonte da inquietude.

B: A percepção do cálculo produz um cálculo mais sutil, através dos pequenos alívios que apresentou. Mas continuamos na mesma ladainha. Mesmo percebendo que a estrutura perde força, ela ainda vem através de cálculo do que foi experimentado.

F: Não acho que seja isso que estou me referindo; me refiro que em determinados momentos da caminhada, algo nos tocou de forma muito simples... e pummm! Sem cálculo. A nossa caminhada mostra isso.

O: Ok. Sem dúvida, mas, mudança não é mutação. O bom é inimigo do melhor que, por sua vez, é inimigo da excelência de ser.

B: Sim, sim! Mas, perceber isso aqui, não é novo.

F: Nessa altura do processo de descondicionamento, não existe fórmula mágica da paz. Nessa altura, não mais. Não vejo ser possível.

B: O dia a dia aciona esse cálculo, nas coisas mais básicas. Daí o estrangulamento causando a angústia, a inquietude. Porque a máquina pifa na tentativa de calcular onde desembocar.

F: Inquietude ainda é resto de identificação com a somatização. Vejo que da mesma forma que recebemos aqueles insights que modificaram nossas percepções, aquilo ainda pode ocorrer. É que sempre foi mais simples do que pensávamos, pode ver aí no seu processo, não tem como negar.

O: O insight não precisa de nosso cálculo, do nosso esforço.

B: Sim, ele ocorre sem nossa participação consciente.

F: Sim, sem esse limbo consciente.

B: De qualquer forma, alguém que de certa forma não foi "tocado" ou que não experimentou o que não tem nome, por meio do cálculo, não chega nessa percepção.

F: Pode ser essa a coisa. Não é só aquilo que foi vivido em fragmentos, que deve ser isso. Aquilo é algo além até disso tudo. Mais ainda. Aquele estado lá ultrapassa tudo, como que se materializasse isso tudo que é mais simples.

O: O fragmento nunca apresenta o Todo, mas o Todo sempre apresenta os fragmentos. Mesmo que venha um novo fragmento de percepção da realidade, a grotesca e pegajosa estrutura permanece, só que um pouco mais esclarecida quanto ao funcionamento de sua estrutura. Foi o que ocorreu até aqui. Precisamos conhecer a transcendência da estrutura.

F: Pelos fragmentos, a estrutura permanece.

B: Perfeito.

F: Vamos com calma... A estrutura está aí, sendo vista pelo que é. Dizer que “Precisamos conhecer a transcendência da estrutura”, isso para mim, já joga longe. Me parece que pensamento não pode ser parado, nem as sensações, o fluxo segue em sua mecanicidade não solicitada, mesmo depois dos insights ocorridos. Então, a questão não deve ser assim, tipo, eliminar algo.

O: Não mesmo. A superação de qualquer coisa pontualizada, qualquer mania, qualquer tendência, qualquer dependência, pelo menos até aqui, não colapsou o funcionamento da estrutura.

B: Entendo que a estrutura permanece. Mas me parece que não tem outro "caminho". Esse estado da observação passiva não reativa, parece ser uma "parte" da realidade que permite a dissolução e não a destruição, não? Mas dilui... Houve percebimento de que é falso.

O: Isso é o mesmo que meia mulher grávida... Não trouxe o rebento! Ainda não deu a luz.

B: Saquei. Não é uma dissolução, seria a eclosão do novo?

F: Eu não disse que vai colapsar; nada colapsou. Dom Quixote lutando contra moinho, vida toda foi assim. Percebe, nada disso colapsou. Não temos nenhuma escolha diante disso. Nenhuma! Não se trata de ser pessimista ou depressivo. Não é nada disso. Ao contrário.

O: Tudo que fizemos até aqui, só foi capaz de colocar determinados condicionamentos em estado de stand by.

F: Veja quantos livros temos na estante... Fomos Don Quixote, O Cavaleiro Andante. Lutando a vida inteira contra o rei, joga as cartas, lê a minha sorte, tanto faz a vida como a morte, o pior de tudo eu já passei. Veja que não temos o que fazer, não temos. Não se trata de depressão, nem de tristeza, não é nada disso.  

O: Não sei se podemos afirmar que o pior já passamos.

F: Até o momento, afirmo que sim, eu consigo ver que sim, quanto ao amanhã, não posso afirmar que sim.

B: Mas fica uma expectativa aí, a da eclosão, a do colapso, não fica?

F: Eu não tenho expectativa, estou zerado aqui, sem estar deprimido ou coisa parecida. Nada. Simplesmente vejo a mecanicidade do fluxo não solicitado... Se parar, talvez, mas será por si, uma reflexividade.

B: Buguei aqui, no que diz respeito a expectativa de eclosão, de colapso.

O: Estamos assistindo toda tentativa de negociação, todo cálculo que passa na tela do imaginal. Parece-me ser a única ferramenta que dispomos, ferramenta essa que tem feito o serviço de um poderoso “fio terra” que impede os raios da reação emotiva escapista.

B: Sim. Posso estar nessa negociação. Mas é o que passa aqui. Faltam palavras, não sei. Nem penso no que tenho que falar, às vezes, mas vem. Só então se assim fora o percebimento do ops, estou no cálculo.

F: Estamos observando passivamente, todo descontrole, confusão, o imaginal tentando achar uma saída, o seguimento do fluxo, o baile... A observação é ainda consciente, se tornando natural, cada vez mais sem esforço. Mas ainda percebo que isso não é mais tão caótico quanto já foi. A confusão já foi nossa rotina de emotivas reações insanas. Veja que a própria estrutura sofre uma forte influência da observação. Ela continua confusa, desconexa, volátil e tal; a natureza exata dela pode ser essa, enfim! O fator da observação passiva não reativa atua ali. Esse é o ponto.

B: Poxa. Comentário lúcido, cara. Clareou.

F: O fator observação atua ali, não sou eu quem faço, nem você, apesar de parecer, mas veja bem se é. Para mim é isso: Há uma inteligência atuando nisso tudo, só que nossa rotina, nossa consciência medíocre, nossos apegos e mimimis mais sutis, ficam interferindo ali. Não é algo simples, não. Pode ser que isso seja tão simples, que fica perdido na total punhetação mental.

B: Estamos observando. A angústia, por vezes, suga aqui. Mas o observar parece uma bênção. Não sei se devo chamar assim.

O: Não é preciso nomear a somatização, visto que ela funciona em loopings de manifestação, por ser volátil. Podemos diferenciar na manifestação, mas só no momento, pois trata-se de um looping volátil.

F: Nomeou, ela deita e rola, faz morada, passa o dia, semana, mês aí... Já, já, vence aluguel. São só sensações, pelo menos isso aqui está claro.

O: Um looping não só de sensações, mas de imaginações que desencadeiam as sensações, que por sua vez, reforçam o fluxo de imaginações e cálculos. É um delírio assistido de modo passivo e não reativo.

F: Ou é uma imaginação que desencadeia ou existe alguma sensação, por exemplo, você sente uma simples dor de barriga, e o imaginal arrebenta, com os flashes de dramaturgia de morte, angústia, etc., etc., etc. O que temos é isso; algo está tornando capaz de assistir isso tudo, sem as velhas reações neuróticas. Só que isso ainda é superficial, apesar de ser bem o estado atual da nossa caminhada, vamos dizer assim, tem se mostrado funcional. Mas quero dizer ainda que, a meu ver, há uma coisa que está agindo aí... Deve ser química, sei lá, algo está limpando.

O: Sim, está descondicionando, está trazendo clareza e centramento.

F: Algo está trabalhando para nós, talvez seja assim, mas não sabemos... Tudo isso ainda fica muito na análise mais refinada. Eu ainda sinto aqui, que deve ser até mais simples que isso. Não sei explicar por que isso está rolando aqui. Algo então leva para isso... Não estou afirmando nada de Deus, nada disso. Mas é algo que não sabemos, só não dá para saber, mas tem algo acontecendo aí.

B: Sim. A inteligência que faz nossa digestão, que enche nosso pulmão, sofre interferência do delírio imaginal sensorial.

O: Essa mesma inteligência pegou o jogo do imaginal sensorial e suas reações adulterantes. Pegou o truque adulterante de querer resolver tudo pelo cálculo, por esforço, por reação. Essa mesma inteligência, aponta para a possibilidade de um colapso da estrutura por meio da ferramenta da observação passiva não reativa. Qualquer outra ferramenta, cai no looping conhecido, são ruas que já sabemos onde vão dar.

F: Para mim é isso que rola, e faz todo sentido. Não é lógico, não é racional. Mas isso que quiz dizer que sempre agiu, do nada, sem lógica, sem padrão... Não estou dizendo de estado, nada. Aquilo já é muito além até de um estado, estou dizendo de algo mais simples.

O: O que estamos fazendo por meio da observação passiva não reativa, vai contra toda lógica e razão estabelecida, pois descontrói qualquer caminho, qualquer opção de condicionamento. Trata-se da prática da negação, de modo inteligente.

F: Essa inteligência, não sei explicar, mas é possível deixar ela agir? Percebe o ponto? Porque me parece que esse já é o ponto, não? Mas ainda vou mais além, não diria nem mais que se trata de uma prática, mas eu entendo.

B: Deixar ela ser, me parece ser só observar, só ver...

F: No condicionado e compartilhado modus operantes, tudo precisa ser quadrado, redondo, triangular... Isso não é assim, nunca foi, só que parecia ser, mas não foi.

O: Ver sem qualquer ação da estrutura... Essa me parece ser a real e única entrega.

B: Não percebo esforço em ver, e sim no interpretar. Vejo algo e já vem a categorização da memória. Mas parece que tem um gap, um espaço antes da categorização.

O: Na categorização, a observação não ocorreu de forma não identificada.

F: De novo entramos num modo que me parece complicado. Para mim há algo já rolando, isso é muito claro aqui, muito, não é possível ver o que nem como nada. Na visão, difícil, consigo no ouvir, na visão não consigo, no ouvir e no sentir sim, no cheirar também. Não é possível ver como é isso que está fazendo essa coisa fluir. Simplesmente estamos seguindo. Até fios de cabelos contados me parece ser fato.

O: Toda tentativa, por mais racional que seja, para tentar explicar o que nos ocorre, não nos liberta, ao contrário, só nos lança novamente no início do looping do imaginal.

F: Exato. Então chegamos nisso, algo do tipo... “Não andeis solícitos pelo dia de amanhã”... Seria isso, tudo indica que sim. Onde chegamos então?

B: Parece então, que a observação já seria uma parte da inteligência. Parece que ela acontece por si.

O: Não creio que seja a inteligência, mas um portal para ela. Se essa inteligência estivesse aqui no que diz respeito ao mecanismo, não estaríamos inquietos, confusos.

F: Inteligência parece usar isso, não sabemos, não tem como; só que há uma inteligência nisso.

B: Sim. Mas o ver está acontecendo...  Quando acordo de manhã o ver acorre, mas aí a avalanche do imaginal interfere.

O: Temos que parar para o almoço. Podemos continuar depois?

B: Tranquilo, Out. Vai lá!

A assistida impotência de transcendência

O: Bom dia confrade! Estava meditando aqui, sobre a exata natureza que move nossas relações e atividades, nas quais sempre nos vemos envolvidos em situações que produzem conflito, mesmo quando tentamos evitá-lo com o maior esforço. Gostaria de olhar isso com você. Parece-me, cada vez mais, que sem um derrame de libertária e integrativa lucidez, permanecemos amanhecendo sempre para o mesmo looping de pensamentos e emoções inquietantes.

F: Não sei se vai parar (risos). Pelo menos, aqui, o fluxo não para.

O: Nossas relações e atividades permanecem no nível de dependência e codependência.

F: Dependemos de tudo e todos, esse é o jogo.

O: Sim, esse é o jogo da compartilhada estrutura de dependência.

F: Exato. Não há o que fazer quanto a isso, a não ser, apenas sentir o que tem o sentir, mais nada.

O: Sim, porque por não ser lúcida e psicologicamente autônoma, essa estrutura sempre age por meio do cálculo autocentrado, do auto-interesse. Toda ação da estrutura autocentrada, não é ação, mas sim, calculada reação emotiva escapista. Ela foge de uma zona de conflito e, de pronto, cria outra. Ela não dá ponto sem nó, ela tem sempre um coringa embaixo da manga.

F: Exato.

O: Ela sai da casa dos pais para ter liberdade e se casa... Pelo cálculo autocentrado, inicia a dança do ajustamento, da simulação, da intolerância reprimida...

F: As pessoas fazem as mesmas coisas todos os dias e querem sentir algo diferente.

O: Até que a intolerância explode, então, o mesmo looping do cálculo se inicia... Com a mesma estrutura, só que cada vez mais calculista, se separa, se casa novamente ou foge do conflito pelo isolamento que, ao seu devido tempo, se mostra também conflituoso.

F: Exato. Dentro disso mesmo, é isso. Esse mecanismo não é óbvio para a maioria, ninguém vê nada disso.

O: Veja, mesmo o fato de percebermos esse mecanismo de funcionamento, tanto em nós como nos demais, não nos dá o poder de sairmos dessa estrutura com base no auto-interesse.

F: Exato.

O: Querer sair disso, me parece outra faceta do próprio cálculo autocentrado. Percebe? Querer sair, é mais um impulso emotivo reativo escapista em ação. Se não eclodir em nós, uma qualidade de ser que não seja condicionada pelo cálculo autocentrado, parece não haver fim para o looping de inquietude, de conflito nas relações e atividades.

F: Querer sair disso, é o maior cálculo autocentrado.

O: Essa estrutura faz quase tudo com má vontade, sem real entusiasmo.

F: Boa parte de suas ações é cumprir protocolo.

O: Perceba como ela tem sua base na intolerância reprimida.

F: Sim, intolerância reprimida. Essa foi foda... Ficamos carrancudos, birrentos, revoltados, pois o próprio cálculo do que imaginamos ser liberdade, se mostra sufocado... Liberdade de não fazer o que não quer e ter que fazer.

O: Se não for do auto-interesse, é só simulação de boa vontade, a qual tem sua base no auto-interesse.

F: Essa simulação de boa vontade, cujo fundo é auto-interesse, é mostrada de forma clara, no filme “Tigre branco”, na Netflix.

O: Sim, muito claro ali, o funcionamento da compartilhada estrutura autocentrada. Essa simulação de boa vontade, está quase sempre fundamentada no medo da repreensão, do abandono, do desamparo ou solidão. Apesar de percebermos tudo isso, não sabemos como transcender esse modo de ser. Já tentamos por meio do esforço, e vimos que não funciona.

F: A transcendência não é possível pelo esforço. O esforço é uma forma de condicionamento que não supera, de vez, o modo condicionado de ser. Pelo esforço, há sempre a possibilidade de recaída, o medo e o cálculo se perpetuam.

O: Já vimos a furada do esforço; sempre recaímos numa explosão de intolerância, na má vontade, na impaciência ou no impulso separatista

F: O que nos leva a perceber que o esforço é em vão, trampolim de retrocesso; tentar sair disso pelo esforço, torna a estrutura mais forte ainda.

O: Caímos novamente na percepção de impotência de transcendência... Essa percepção não vem com o antigo desespero imaturo, o qual apelava para rezas e súplicas à um Deus imaginário, produto do medo, do desespero e da confusão; trata-se de uma percepção centrada.

F: Sim, sem desespero, sem neurose. Nada disso.

O: Essa centrada percepção de impotência, torna clara a necessidade do surgimento de um estado de funcionamento totalmente diferente. Não se trata de algo condicionado por uma ação de um agente externo, mas sim, nisso que somos no mais fundo de nós, algo que seja anterior a instalação do cálculo autocentrado... Um rebento...

F: O que nos cabe é continuar observando, sentindo o que tiver para ser sentido.

O: Sim, sem se identificar com qualquer reação emotiva.

F: Ficar num estado de espera, sem esperança, pois, no fundo, sentimos que há algo maior que isso... Sentimos isso... Sentimos que nada podemos fazer a não ser assistir o capítulo do dia, o ato do momento...

O: Veja que já tentamos, inclusive, as reparações, mas elas ainda nos deixam dentro da mesma estrutura que recai sempre nos mesmos comportamentos que pedem por novas das mesmas reparações.

F: Reparações são imaginárias, não são reais.

O: Mudaram as estações, nada mudou...

F: Veja, mudou qualidade do sentir o que tem para ser sentido. A própria percepção do sentimento presente.

O: Não digo que mudou a qualidade do sentir, pois sentimos o mesmo de sempre. Digo que mudou a maneira como lidamos com o que se apresenta do sensorial. Veja, mesmo as reparações são parte dos cálculos autocentrados, portanto, não são reparações de fato, é só o mesmo auto-interesse de modo mais sutil. A reparação não faz parar a ação da estrutura, só a mantém em módulo de stand-by, a mantém camuflada por um tempo, até que a reprimida intolerância se derrame novamente.

F: Exato. Percebo o mesmo aqui.

O: Na reparação, ainda há uma simulação de real afetação, mas, numa análise mais aprofundada, torna-se claro que ela é movida pelo auto-interesse, uma forma de impulso emotivo reativo que procura fugir da inquietude causado pelo peso na consciência. A reparação, no linguajar popular, é um mero "passar de pano". Na reparação tentamos apenas a reconciliação dos efeitos e não a dissolução da estrutura que causa toda forma de adulteração da realidade.

Chegamos no ponto em que, se correr a inquietude pega, se ficar com a inquietude, quem sabe, a própria inquietude come a estrutura. Até aqui, essa me parece a única opção que se apresenta. O resto já tentamos, não se mostrou funcional. Nada nos libertou de fato, da má vontade, da intolerância reprimida, da simulação de respeito e bem-querer, nada nos apresentou a livre expressão de ser, a genuína e significativa relação. Permanecemos cada vez mais conscientes, da nossa assistida impotência de transcendência. Sem a transcendência de um modo de vida fundamentado no cálculo autocentrado, no auto-interesse, parece não haver a menor possibilidade da manifestação de relações corretas, ou seja, livre da adulteração dos conflitos e dos jogos de compartilhada dependência psíquica.

17/02/2021

A observação nos remente ao consciente mentecídio

 

O: Gostaria de aprofundar um pouco mais nessa questão da necessidade de um colapso observado... Já vimos juntos que a observação não tem o poder de causar o findar do fluxo. Vimos também que por meio dela, conseguimos não nos identificar com as imagens e sensações que antigamente nos faziam reagir de modo neurótico, o que adulterava ainda mais a nossa realidade e ainda cristalizava a débil estrutura psíquica.

O: Mas mesmo a observação, não acaba com a sensação, com a inquietude, com o oco, com a solidão ou com qualquer forma de emoção dolorosa. A inquietude, em sua forma de manifestação, vai minando a possibilidade de viver a experiência da vida em sua plenitude criativa e integrativa.

Já conversamos sobre isso, sobre a necessidade de um poder superior à própria observação. Olhando de modo bem científico, descartamos a ideia convencional de um Deus concebido em nosso estado de confusão, e percebemos nos relatos históricos, a impotência e o colapso como fatores determinantes da eclosão de uma significativa mutação psíquica. Vimos também que o exercício da vontade e do esforço pessoal, em todos os casos, se mostraram totalmente ineficazes, até mesmo como poderosas traves de tropeço... "Faço o mal que não quero, mas o bem que quero, não consigo fazer"... "Eu por mim mesmo nada sou".

F: Sim. Mas toda nossa energia é jogada nisso e ficamos no nível do imaginal e do sensorial. Esse, a meu ver, é o ponto que foi ocorrendo e que levou ao colapso anterior e a breve experiencia do estado incondicionado de ser. Naquele momento, eu estava muito mais atento, por exemplo, ao que acontecia ao redor, no ambiente. Isso foi ocorrendo.

O: Sim, mas, veja que chegamos também na percepção de que carecemos de uma libertária lucidez integrativa. Hoje já temos a percepção de fragmentos do falso, mas não a totalidade da realidade.

F: Tudo era como era... não havia extras antes mesmo de ocorrer o lance no carro... era como se estivesse apenas nos sentidos puros sem influência do imaginal. Percebe que gastamos tempo e energia demais no imaginal... Nossa educação e cultura contribui para isso. Como eu disse ontem, o imaginal prega um truque, mesmo com raciocínio mais lógico e apurado, ele cria sensação de que estamos usando-o. De fato, estamos, mas, no fundo, estamos sendo usados por ele. É algo parecido ao uso de drogas: ficamos tão intoxicados, que nem nos damos conta do que acontece ao redor. Vírus, verme, ideia...

O: Continue.

F: Por mais que tentemos ordenar as ideias, usar a lógica, ela é desfeita, aparenta uma lógica no momento, mas na sequência, ela se perde igual fumaça, percebe? Por isso só há a observação que permite ver o truque, o jogo, o funcionamento da estrutura. Vejo que entramos numa percepção mais profunda: a de que não somos nós quem produz o fluxo, e que o fluxo não é para mim. Era a identificação ilusória que dava essa impressão e tornava tudo pessoal. Mas veja por si... Você não faz nada aí para que surja o próximo pensamento, sentimento ou sensação... Você pode até usar a mente, do mesmo modo que usa suas mãos, mas vai dar em nada, pois está tudo consumado. Entrou uma questão mais de perceber que não há controle de nada, nenhuma decisão, nada. A meu ver, tudo isso é ilusão, pelo menos é o que percebo aqui. Não tem escolha a nível profundo dessa situação, já tentamos de tudo... Veja nossa própria rebeldia no passado, a qual foi uma reação a tentativa de não ser condicionado.

O: Sim.

F: Pelo exercício da observação passiva não reativa, a crença na estrutura caiu, esse me parece ser o ponto. Chegou naquela parte do filme “Revolver”, onde o personagem central diz para a própria mente: “Eu não sou você”, “Você não me controla”, essa foi a crença central em torno da qual tudo estava girando antes da observação.

F: Não sou eu quem faço nada, nem mesmo piscar os olhos... veja, ficávamos perdidos nas histórias do imaginal, foram décadas perdido nesses enredos ilusórios; mas não tem nada. Se há algo que possa causar colapso, isso não sei. O que pode trazer mais clareza? Também não sei. Mas, penso que é o próprio imaginal jogando mais, mais e mais. E pelo imaginal, a história continua, não tem fim. Mas com a observação, a crença na história desaparece, cai a crença, do mesmo modo que está caindo a preocupação com a qualidade de manifestação do próprio sensorial.

Toda vez que no momento da observação entra o "se", entramos novamente na identificação com a história e, novamente, mais uma vez uma forma de crença se instala. No fundo é isso que vejo. Nós, humanos, nos adulteramos com os rótulos. E olhe por exemplo, para o mundo da moda, e veja como as marcas, as etiquetas, os logotipos, são tão importantes! A adulteração se cola a outras adulterações, criando castelos elaborados de adulteração.

O: Compreendo.

F: Esses castelos de adulteração é que nos forçam a ter aquela velha opinião formada sobre tudo, sobre o que é o amor, sobre que eu nem sei quem sou...

O: Ou mesmo as opiniões sobre o que é ou não é necessário para a possível mutação psíquica.

F: Sim. Só tem adulteração, só tem condicionamento. Veja as frases típicas: "Na minha opinião preciosa", "É assim que as coisas são e como deveriam ser", "É assim que os outros deveriam ser", "Preocupo-me com o que pode acontecer se isso acontecer"... Tudo condicionamento, tudo velharia.

O: Entendo.

F: Veja, com o exercício da observação, estamos queimando tudo, tacando fogo em tudo, compreende? Todas as ideias que recebemos dos familiares, sobre o que somos e o que não somos, para onde estamos indo, o que realmente queremos... puts! Tudo isso não dá mais, caiu por terra. Perder o que não serve mais não é uma perda. Tudo é o imaginal, é sempre ele que cria o sensorial, e é ele que mantém as inquietantes manifestações do sensorial.

O: Estendo isso além da família, incluindo tudo o que vivenciamos, tudo o que colhemos das escolas místicas, dos sistemas de crença, das programações de anônimos, dos livros que lemos, dos mestres que cultuamos no passado. Tudo, tudo, não serve mais, pois se tivesse servido, não teríamos mais a inquietude.

F: Concordo com tudo. Para mim, a inquietude não termina por conta do imaginal, visto que é ele que a cria e a mantém. Mesmo que a observação pegue sua criação, algo dela sempre passa, sempre somatiza. Pode ver.

O: Concordo. Nenhum conceito, nenhum regra, nenhum sistema, nenhuma programação, nada, nada, nada, no que diz respeito a transcendência da limitada e condicionada psiquê, serve agora para o nosso momento. Tudo isso é feito pele de cobra na beira da estrada.

Felipe: Sim, tudo é passado, tudo isso está contaminado pelos condicionamentos das mentes que permitiram a sua criação. Como todas as crenças, aquelas crenças que dizem como isso é, como deveria ser e como isso não é suficiente.

O: Trata-se de um consciente mentecídio e não de um inconsciente suicídio, mas um mentecídio causado não por alguma ferramenta, mas, simplesmente, pelo fato da não alimentar a mente com as antigas e ilusórias identificações reativas. Trata-se de deixar o fluxo do imaginal e do sensorial, morrer de morte natural.

F: PQP, cara! Bingo! Você vai na mosca! Caraio, véi! O próprio filme “Revolver” deixa isso bem claro... Todas as crenças geram mais histórias condicionantes, mais imaginal, mais emoções intensas e mais inquietação do sensorial, inquietação essa que vêm com essas histórias que clamam pela nossa atenção, macacos de terno... Cara, isso pode levar ao surto, quem não está no exercício pleno da observação passiva não reativa.

O: Quem não está nela, não entende nada do que queremos dizer com isso, aliás, nem consegue ler dois parágrafos que seja. Quem não está pronto para isso, como dizem os Titãs, o acaso protege enquanto estiver distraído.

A necessidade de um colapso da psique condicionada

F: A grande maioria dos seres humanos está até os fios dos cabelos, dominada pela identificação ilusória com o fluxo do imaginal sensorial condicionado. A identificação com o corpo, o imaginal sensorial, roubou a cena, querendo ser mais e mais, mas chegou em sua falência, na percepção de que ele não faz nada. Ele é o parasita do filme “A Origem”, não é? Veja, não estou indo em direção a qualquer ideia de um Deus da própria imaginação. Já vimos e descartamos por completo essa forma de delírio, cujos fundamentos estão no medo e sua confusão. Permaneço em direção à própria percepção de que tudo acontece por si, sem aparente causa: o fluxo, o coração, sangue, vento, e tudo mais. O desordenado em questão é o imaginal sensorial e o erro está na ilusória identificação. Pode ser isso que os cristãos denominam de a queda.

O: Não tenho dúvidas de que o problema não é a droga, mas sim a identificação com a ideia do uso da droga, seja ela a droga química, comportamental ou do imaginal sensorial. O fator de queda, o fator de adulteração, o fator de fragmentação e separação, estão na identificação com o conteúdo do imaginal sensorial condicionado, o qual é passado projetado num futuro imaginado, que embota a percepção do agora factual.

F: Sem dúvidas de que isso é fato!

O: Tanto o imaginal como o sensorial se contradizem de momento a momento, não tem mais como levar nada dali com seriedade.

F: Como se essa inquietude, essa desordem, essa confusão, estivessem contidas numa ordem maior, saca?

O: Para mim isso já é conjectura, já é imaginal em ação mais refinada. O funcionamento do corpo, faz sentido, mas não a desordem psicológica.

F: Trata-se sim do imaginal, mas é possível perceber que tudo acontece sem a mínima influência dele, por mais que ele clame por essa autoria de tudo. A desordem psicológica é visível, observável.

O: A desordem psíquica não faz sentido algum. É mero produto de condicionamento ainda não superado.

F: É a percepção dela mesma, certo? Uma espécie de estrangulamento, não é?

O: Sinto que sem um colapso conscientemente vivido, não há fim para a estrutura e suas variantes formas de dependência. Já tentamos até o condicionamento de fazer reparações, mas isso não dissolveu a estrutura; a reparação só serviu de respiro, um alívio momentâneo da pressão de outra nuance da própria estrutura: a culpa.

F: Facetas da própria estrutura, artimanhas. Aliás, sensação nela mesma, a qual ela tenta aliviar com uma ação externa, através da qual, ela sempre se camuflou.

O: Uma estrutura pretensamente humilde e consciente.

F: Ela só muda de nuance, não sofre uma real mutação.

O: Perceba que mesmo com a reparação, você por várias vezes já recaiu no mesmo padrão de reação que pediu por tal reparação. Isso é mais um truque da estrutura.

F: Sim.

O: Então chegamos no ponto de perceber que a estrutura tem sempre uma carta embaixo da manga, tem sempre um coringa rindo das suas ações, portanto, que qualquer ação calculada por nossa parte, por mais lógica e racional que se apresente para nós, não tem como colocar fim à estrutura e suas múltiplas formas de condicionamentos e dependências.

F: Chegamos também na percepção de que basta chegar nesse ponto em que não é necessário mais gastar tempo com isso, certo?

O: Pelo menos até aqui, o que percebemos é que a única ferramenta que dispomos é a observação passiva não reativa, uma observação que vai assistindo o tripudiar da estrutura, a sua agonia, como na cena do elevador no filme "Revolver".

F: Então fica um ponto aqui... É possível abandonar tudo isso? Abandonar no sentido de não mais perder tempo observando a estrutura e seus golpes ilusionistas? Ou só é possível ver através disso?

O: Penso que não tem como não observar a estrutura e suas artimanhas, isso seria total imaturidade.

F: Penso que se ficarmos somente nisso, também acabamos presos, mas a observação não para. Então, seria isso, sem mais nem alguma preocupação, meta, algo a alcançar?

O: Vejo com clareza que se não ocorrer um colapso no fluxo mecânico e não solicitado do imaginal sensorial, não teremos o fim da inquietude crônica, original.

F: Mas isso joga no looping, mesmo vendo com clareza.

O: Se não tivesse ocorrido um lapso no fluxo que fazia você se identificar com o uso de drogas, talvez você nem estaria mais aqui.

F: Provável mesmo.

O: Vejo que aqui, o movimento não pode ser diferente.

F: Mas não dá para saber qual ação ou o que deve ocorrer para ter fim a inquietude, nem saber como isso é, concorda? Pois isso é lenha na fogueira!

O: Não tem ação nenhuma de nossa parte, pois já admitimos impotência perante a inquietude, perante a mecanicidade do fluxo.

F: Não tem. Mas percebo aqui, que quando canto a bola de que uma ação tipo um colapso deve ocorrer, isso já movimenta tudo de novo, como algo sólido, como verdadeiro, mais uma cenoura... Nisso que quero chegar. Nunca foi tão claro para mim.

O: Não vejo assim, visto que não estamos correndo atrás da cenoura do colapso, mas só percebendo conforme as experiências já vividas, tanto por nós, como pelos relatos de outros homens do passado. O que temos, é só a observação passiva não reativa.

F: Não disse que estamos correndo, disse que isso é a cenoura.

O: Essa cenoura já está cozida, já era.

F: Percebo que temos que arrancar tudo o que achamos fora de cogitação. Se é para estrangular, então, que seja de vez. Mas isso é como estou vendo aqui. Acho salutar esse compartilhar.

O: Perceba que você colocou aí a cenoura do “tem que arrancar tudo o que achamos...” isso é mais uma forma de cálculo, a cenoura de arrancar tudo.

F: Percebi sim.

O: A conta é simples: há um fluxo que produz constante inquietude. Se o fluxo não parar, não para a inquietude.

F: Se for isso, parece que a conta fecha.

O: Arrancamos as cenouras do esforço pessoal ou da ação da Graça de um Deus da confusa concepção. Ficamos com a impotência e a observação passiva e não reativa. O esforço pessoal e a ajuda de Deus de nossa confusa concepção, já foram tentadas e nada disso se mostrou funcional. O que tem se mostrado, parcialmente funcional, tem sido a observação passiva não reativa.

F: Deixa a casa cair... é o imaginal sensorial esperneando.

O: Não vejo que criamos outro looping com isso.

F: O looping é criado se acreditar e buscar isso.

O: Mas a impotência tirou isso, senão, não seria impotência.

F: Qualquer coisa que cremos ainda é contaminado. Só a impotência é real.

O: A necessidade do colapso não se trata de crença, se trata de observar os fatos históricos.

F: Por que isso conta agora? Quero dizer, qual fato ali importa? E por quê? A meu ver, nenhum mais, mas é a minha visão limitada.

O: Preciso usar droga para perceber que o uso de droga não me convém? Ou posso aprender por meio da observação da experiência infeliz de terceiros?

F: Duro isso.

O: Se você pegar livros como “Variedades da Experiência Religiosa”, “Consciência Cósmica”, “Filosofia Perene”, “Antologia do Êxtase”, “O mais elevado estado de consciência”, e observar os relatos ali expostos, você verá o ponto em comum de todos os casos: um colapso total da psiquê.

F: Às vezes, uma palavra aciona o gatilho e pum... Pode ocorrer. Agora entendi.

O: Fato que grande parte dos relatos ali expostos, não se trata da recuperação plena do estado incondicionado de ser, visto que a experiência, ao invés de libertá-los de suas antigas crenças, as cristalizaram ainda mais. Mesmo na nossa experiência, o colapso, ainda que parcial, antecedeu a experiência.

F: Sim, o colapso ocorreu.

O: Tivemos até aqui, colapsos fragmentados, mas não um colapso radical.

F: Sabe o que acontece aqui... Acho que achei o ponto... Cansei da segurança da lógica e da razão, percebendo que não há um caminho, um protocolo, que não há nada.

O: Acho que você está negando a lógica de observar além da própria experiência limitada, o que para mim, é ilógico. Ninguém falou aqui de um caminho, de um protocolo, mas sim, da observação de uma ocorrência comum.

F: Não é tão comum, mas, ok! Não sei se é negação. Não deu tempo de pesquisar esses livros, alguns eu não tenho aqui. Para simplificar, vejo que há apenas a observação do momento, mais nada.

O: Observe apenas o processo na experiência de Krishnamurti, e poderá constatar o que eu digo ali. Havia uma estrutura psíquica limitada, traumática, envergonhada, apegada ao irmão, depressiva e, depois de um colapso, vivenciou a experiência descondicionante, uma profunda e significativa mutação psíquica, a qual deu sentido real a sua existência até o fim da mesma.

F: Sim, isso é fato!

O: Ele não conseguiu aquilo pelo esforço, pelo cálculo ou por mero conformismo. Houve um colapso e uma eclosão. Ele é um dos aros casos em que a experiência do colapso e da mutação, o desligou por completo de todas as crenças anteriores.

F: Krishnamurti foi um, você é outro e os demais são outros.

O: Não, não, não, não. A estrutura é a mesma.

F: Sim, ela é a mesma em todos, concordo! Agora, Krishnamurti já tinha a observação instalada com 15 anos de idade. Desculpe ser advogado do diabo. Onde quero chegar com isso? Que pode ser mesmo que estejamos no processo e a qualquer hora a coisa colapsar.

O: Eu e você já sentíamos, mesmo aos 15 anos, que algo estava errado, já havia uma certa observação do falso.

F: Antes mesmo.

O: E jogue fora também todo o romantismo esotérico criado em cima da figura do jovem K, por parte dos membros da teosofia.

F: Você quer chegar aonde?

O: Que observando as próprias experiências, assim como as experiências dos homens que nos antecederam, assim como faz um cientista sério, percebemos que há um fator comum: a manifestação de um colapso psíquico para a manifestação de uma nova qualidade psíquica, precedido de uma percepção de total impotência de salvação.

F: Para mim isso é fato e caminho ao mesmo tempo. Por que não nos leva a lugar algum certo? Apenas são algumas inferências que pegamos de algumas pessoas. Pode ser diferente disso?

O: Essa pergunta lança na cenoura da conjectura. Estou trabalhando na observância de fatos estudados.

F: Calma! Você diz assim: a manifestação de um colapso psíquico para a manifestação de uma nova qualidade psíquica... Você quer dizer que isso só que tem que ocorrer. Eu pergunto se algo além disso pode ocorrer?

O: Cara, olhe para você... Olhe para sua história com o uso de drogas...

F: Não há dúvidas quanto a isso. Esse fator comum é incausado? Porque parece que havia um stress em nós, agora a observação filtra isso. Ela não permite mais o colapsar, isso é o que parece. Faz sentido isso?

O: Não permitiu até aqui, mas você não pode se fechar numa conclusão.

F: Isso, ok! Mas ela tem outra coisa, ela mudou o giro... antes o trem parava sempre nessa estação, ficava ali estacionado na adulterante identificação. Agora o trem está passando, praticamente ela tirou a estação de jogo, praticamente a estação está abandonada para isso. Isso é um outro tipo de mudança.

O: Creio que você está se esquecendo do que digo a respeito desse colapso, dele ser agora assistido, de momento a momento, de modo consciente, uma espécie de entrega consciente não a um Deus, mas sim, ao próprio processo de colapso.

F: Faz sentido! Pois tirou o sofrimento extra, que era expresso em forma de mimimi.

O: Lembra-se da fala do filme “Revolver”?... “Até que ponto você está pronto para ser radical, Mister Green?”

F: Sim, sim; são confirmações do colapso. O filme todo ali é da ruptura da estrutura egóica, ou como dizemos aqui, do imaginal sensorial, da estrutura.

O: Isso mesmo.