F: Bom dia! A coisa acorda
sedenta por sentido.
O: Exatamente.
F: Inimaginável... O imaginal
traz os questionamentos que livros e nada podem mais aplacar a própria
inquietude.
O: Quando chegamos neste ponto do
processo de descondicionamento, tudo que se apresenta, se mostra infrutífero
quanto a percepção de um sentido real, tudo se mostra muito superficial,
enfadonho, destituído de real inteligência. Essa percepção não está embasada
num estado depressivo, ácido ou rancoroso. Trata-se simplesmente de perceber
que, aquilo que anteriormente distraia, não distrai mais, não interessa mais. O
looping da rotina diária não satisfaz.
F: Essa percepção nada tem de
depressão. Nada... Tudo é visto de modo muito cru.
O: Programas, jornais, filmes,
séries, reality shows... o próprio modo rotineiro da sociedade... não toca
mais, principalmente para aqueles que foram tocados, ainda que o mais breve
possível, por aquele estado de ser incondicionado. Quando o indivíduo se vê
fora da caixa, por breves segundos que sejam, e depois se vê novamente nela, a
caixa se mostra altamente limitante e sem sentido. Participar de discussões
quanto ao que diz respeito a manutenção do funcionamento da estrutura social
compartilhada, visando o que ela tem por normalidade, se mostra algo totalmente
sem sentido. Para chegar nessa percepção da total falta de sentido, basta dar
uma boa olhada no momento que nossa espécie vive, no que ela, com sua
normalidade fez às demais espécies, ao planeta, ver a desigualdade, a
infinidade de preconceitos. Quando o indivíduo chega neste ponto, sente no mais
fundo de si, um estado de impotência, o qual percebe ser impossível de ser
comunicado para quem ainda se encontra identificado com o que é tido por
normalidade social; aqui, torna-se claro para o indivíduo, a necessidade de uma
radical "mutação psíquica", cuja própria estrutura condicionada,
parece não ter o poder de produzir. Então, não só as notícias e os textos que
se reportam ao funcionamento da estrutura social condicionada, assim como os
textos de grupos espiritualistas, discussões em grupos on-line ou presenciais
sobre os ensinamentos de qualquer mestre ou guru, tudo isso se mostra altamente
superficial, sem sentido de participação. Para o indivíduo que teve a benção —
ou quem sabe a maldição — de vivenciar por breves segundos que sejam, o incondicionado
estado de ser, inevitável que se apresente para ele, o questionamento quanto ao
sentido de ter vivenciado tal experiência, a qual torna o viver conhecido, como
algo totalmente primário, imaturo, patético. Para ele fica a pergunta: qual o
sentido de continuar investindo tempo e energia num modo de ser tão pequeno,
tão patético, quando se sabe da realidade de um imensurável e bem-aventurado
estado de ser? Como continuar se dedicando a coisas tão primárias, infantis e
sem sentido, quando algo de inimaginável beleza e grandeza, parece ter lhe chamado
para um movimento no sentido de seu despertamento pleno? Eis a pergunta que não
se cala, que permanece sem uma resposta convincente.
F: Penso que há uma inteligência em
ver a falta de inteligência de tudo que foi estruturado como um viver normal.
O: Concordo plenamente.
F: É interessante observar o
momento do processo de descondicionamento, onde vivemos um outro aspecto, onde
é possível chegar na percepção da falta de uma inteligência no sentido daquilo
que é oferecido pela sociedade, pela cultura, por todos os meios... A falta de
inteligência que se apresenta em tudo que nos é apresentado. Já conversamos
sobre isso dias atrás... Mesmo que você se decida por ficar sentado, com a boca
escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar, também não se apresenta
nenhuma inteligência nisso, porque, você vai ali, igual o "Pedro
Pedreiro", esperando, esperando, esperando, esperando... E não tem nenhuma
inteligência nesse estado de espera. E, por outro lado, ocorre a percepção de
que você pode sair, pode passear, pode assistir um filme ou alguma outra coisa,
você pode fazer o que quiser, e percebe que nisso tudo, também não há nenhuma
inteligência.
O: Isso também foi constatado
aqui por nós.
F: Você vê, comentávamos ontem
que no ano passado, apenas um filme nos chamou atenção, aquele filme “O diabo
de cada dia”... só um filme nos marcou, que nos gerou reflexão... Só um filme
chamou nossa atenção. Então, chegamos num momento do processo de
descondicionamento, que nos apresenta essa falta de inteligência... Na verdade,
a própria inteligência está percebendo a falta de inteligência do que se
apresenta como novo. Essa percepção é a própria inteligência em ação. É ela que
percebe que não tem inteligência nenhuma em ficar sentado no trono de um
apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar,
mas que também não tem nenhuma inteligência em buscar em nenhuma instituição,
crença ou lugar que já se mostrou sem inteligência real. Não tem um ambiente,
não tem um lance em que você fala: vou fazer isso, vou fazer aquilo, vou fazer
assim assado, vou lá para aquele lugar... não tem uma cultura voltada para uma
inteligência além do que se convencionou como padrão de normalidade de ser. A
cultura foi jogada para a disputa, para o consumismo, para a ilusão da
meritocracia, para a aquisição de metas e objetivos, quase sempre fundamentadas
em condicionamentos prévios de terceiros, etc., etc., etc. Para quem chegou
nesse ponto do processo de descondicionamento, não tem espaço para mais nada
disso! Na direção daquilo que foi postulado como fator de busca social, não tem
meta alguma! É um momento em que a inteligência vai percebendo a falta de
inteligência em tudo... Já curtiu noitada em barzinho ou finos restaurantes, já
investiu numa carreira de sucesso, já morou em Nova Iorque, já votou na esquerda e na direita, já foi para os sistemas de crença organizada,
já foi para os grupos de autoajuda, já buscou na espiritualidade, já viu a
superficialidade e a ilusão de tudo isso, já viu a falta de inteligência, a manipulação,
os jogos de substituição de condicionamentos... Então, você fica num estado de
inação, praticamente é isso, vamos colocar assim. Você vai esperar... Você vai
esperar! Se surgir algo você faz, se não surgir não faz, porque a percepção da estrutura,
revelou o jogo sistêmico, revelou o truque por completo.
O: Quebrou a banca!
F: Você observa e pega o looping em
tudo. Quando caiu aquela esperança de tudo se ajeitar, aquela esperança de que
a observação vai te dar alguma coisa, quando cai esse truque da própria
estrutura... Porque a observação virou uma natureza, um estado natural...
Quando cai esse truque da estrutura... Acabou! Xeque-mate! Game over!... Chegou
num outro ponto. Não é mais questionando, porque você vê o looping de
questionamentos entrando, você vê tudo... E vê que os questionamentos também
partem dos condicionamentos que recebemos, e que não tem sentido nenhum em
dedicar tempo e energia nos mesmos. Não tem sentido, não tem! O imaginal vai
sempre trazer novos loopings de questionamentos...
O: Sim, o questionamento do tipo:
“De onde viemos? O que viemos fazer aqui nesta nave chamada terra? Para onde
iremos?”...
F: O que estamos constatando,
pelo menos até este momento, é a total falta de inteligência que é percebida
por essa nova inteligência. Sim, porque tem que ter uma nova qualidade de inteligência
para poder ver a falta de inteligência no que condicionamos como modo normal de
viver. Você viu a falácia da crença, da espiritualidade, da busca de poder e
prestígio, viu a falácia de um modo de viver hedonista ou mesmo de simplicidade
voluntária, viu a falácia do imaginal pessoal ou coletivo, viu a falácia da
estrutura condicionada... Você viu a falta de inteligência de tudo!
O: Sim, você viu o medo por trás
disso tudo!
F: Você não só viu, como sentiu
tudo isso! Isso não veio por meio de livros, isso veio por meio de um consciente
contato direto. Se não tivesse isso, não estaria ai o questionamento “E agora?...
E agora?”...
O: Sim, vai correr para onde?...
Vai chorar no colo de quem?... Vai pedir explicação para quem?
F: No que diz respeito a busca de
sentido e felicidade, uma inteligência viu a total falta de inteligência de
tudo que se encontra estruturado... Ela escancarou tudo.
O: Sim, ela revelou o grande
truque.
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