O: É o fundo de inquietude que
pede por uma ação, uma atividade que seja “sentida” como algo com real sentido
de ser. Cada vez mais claro isso.
F: Sim, sem dúvida, é ele.
O: Assim como tudo que passa no
imaginal, são flashes do que já foi vivido, lido, escutado ou assistido.
F: Sim, tudo produto de doações
de fora.
O: O imaginal não traz nada novo
de fato; ele só traz novas projeções do mesmo velho conteúdo. Só isso.
F: O imaginal é sempre velho a
cada novo momento.
O: Com a percepção disso, vai
ficando cada vez mais fácil se desidentificar de tudo que parte do imaginal,
mesmo do início de sensação que deriva de tal projeção imaginal.
F: Vai ficando possível ficar
cada vez mais com as sensações sem qualquer tipo de mimimi ou chororô.
O: Percebo que com o
amadurecimento da observação, o hiato antes existente entre a percepção da projeção
do imaginal e a somatização psíquica de tal projeção, está se tornando quase
que inexistente, o que vai produzindo maior centramento, o qual impossibilita a
identificação com o impulso emotivo reativo escapista. Quando esse hiato é
quebrado e não se instala a identificação nem com o conteúdo do imaginal e nem
com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente se instala na dimensão do
coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da ansiedade desequilibrante.
Essa energia se manifesta em forma de uma quentura que é prazerosa.
F: Percebo que a observação pegou
o hiato entre a sensação e a reação. Já ocorreu essa mudança com essa
capacidade de ficar com o sensorial (o fato do que é sentido), observando a fuga pelo imaginal
ou outra atividade.
O: A observação pega, inclusive,
o impulso emotivo que surge de querer obter uma solução definitiva, a qual
traga o apaziguamento do mental e do emocional.
F: Ela também matou isso. Ela também
pegou isso e, mesmo que isso venha do pensamento, ela pegou. É a própria
inquietude que gera esse impulso pela percepção final.
O: Você vê esse impulso e não se
identifica nem mesmo com ele, pois percebe que o mesmo é também parte de um
processo de fuga da inquietude. O mais interessante é perceber as falas
lançadas pelo imaginal, que o fato de estarmos nesse processo de observação do
que ocorre em nossa estrutura psíquica, não estamos vivendo a vida com a mesma
intensidade que o imaginal imagina que os outros estejam vivendo. Tipo, isto
aqui não é viver, viver é estar na euforia que a maioria está.
F: Esse é o seu truque sublime...
A comparação entre o modo de vida dos outros e o meu, é também produto do
imaginal. Está tudo ali o tempo todo, o imaginal está sempre em comparação. Ali
está tudo dominado; mesmo pela observação, não somos capazes de acabar com as
imagens, com as ideias, com o fluxo, etc. A observação não foi capaz disso,
pelo menos, até aqui.
O: Quero voltar aqui, veja isto...
Quando esse hiato é quebrado e não se instala a identificação nem com o
conteúdo do imaginal e nem com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente
se instala na dimensão do coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da
ansiedade desequilibrante. Essa energia se manifesta em forma de uma quentura
que é prazerosa; ela é centrante, manifesta-se através de uma queimação diferente,
que nada tem a ver com a queimação da angústia.
F: Não tenho muito a acrescentar,
apenas que percebo que não se trata mais da angústia que muitas vezes sentimos,
mas apenas sensações em forma de calor. É bem isso! Fica cada vez mais claro
que é só uma sensação corporal; como saiu a reação ao imaginal, parece que isso
vem como resultado de ficarmos com a sensação, do modo que ela é, sem que
ocorra a reação do imaginal. Não sei nem se é a sensação que mudou ou a nossa
capacidade de não reagir a ela, de não pular para o escape do imaginal. Não se
trata de algo controlado, muito ao contrário; o hiato é aumentado entre a sensação
e a reação escapista; por exemplo, é essa sensação que faz você perceber que
está sozinho nas relações, mas veja, não há qualquer tipo de sofrência nessa
percepção; só é percebido que a relação era imaginária e ponto.
O: O imaginal imagina o que é ter
uma relação genuína, apesar de nunca ter vivido isso. O que ele imagina ser uma
relação funcional, também está alicerçado naquilo que leu, naquilo que ouviu de
terceiros. É também uma imagem. Quando o imaginal olha para as relações que ele
mantém e as compara com o conceito de relação que ele colheu de terceiros,
constatando que elas não têm nada do que lhes foi apresentado, instala-se mais
inquietude. Como vimos anteriormente, o imaginal está sempre em comparação,
pois ele foi educado com base na mesma.
F: Exato.
O: Ele carrega consigo uma imagem
do que deve ser o amor e, como em seus relacionamentos, não tem nada parecido
com essa imagem, ele se ressente, se inquieta. Ele também carrega a imagem do
que é uma relação disfuncional ou uma relação dependente e, quando compara e
sente que sua relação é muito semelhante a esses conceitos adquiridos, também
se inquieta. E a inquietação maior se dá porque, além do conceito do que deve
ser uma genuína relação, ele também adquiriu as receitinhas do que deve fazer
quando percebe que sua relação não está fundamentada no conceito de amor que
ele formou para si com base nas doações de terceiros, e então, mais conflito se
instala. Perceba que até aqui, a mente continua no jogo de imitação dos
conceitos adquiridos de certo e errado, de funcional e disfuncional, de
liberdade e de dependência. Mas a mente condicionada não conhece nada disso por
si mesma, digo, viver correto, liberdade, funcionabilidade relacional.
F: Tudo isso está embasado, não
na percepção direta, mas do que foi colhido pelo rádio, televisão, filmes, novelas,
músicas, leituras.
O: Aí, tem também aquela mente
que, para fugir de si mesma, mergulhou nos conteúdos do Advaita Vedanta, que
afirma que a relação é uma ilusão, visto que na essência, somos todos um, somos
o Um sem um segundo. Quem cai nisso e se identifica com isso, penso ser pior
ainda, porque passa a acreditar que sua exata natureza é de Puro Amor, o que
para mim, é um modo de negar a percepção visceral de como realmente percebe,
recebe e reage ao mundo que lhe cerca.
F: Aí é só blá-blá-blá. Puro
ser... Sei! Tudo fuga do que é! Fiquemos com os fatos!
O: Claro, vejo isso como só uma
forma sublimada de fuga ao modo que de fato funcionamos em nossas atividades e
relações. Nada sabemos de um estado puro de ser, pois, até esse estado puro de
ser, é só mais um dos condicionamentos, só mais um produto imaginado por uma
mente adulterada. Inclusive, a própria ideia de "puro ser", cria a
comparação com aquilo que realmente somos, produzindo mais inquietude, esta
manifesta pelo desejo de alcançar o tal do "puro ser", o qual é
"puro love".
F: Vamos voltar aos fatos, deixemos
de lado tudo isso. Como que o que é inquieto, pode se aquietar?
O: Essa pergunta gera mais
barulho, se transforma em outra forma de looping.
F: Trata-se de uma pergunta óbvia,
só que não importa nada além daquilo que de fato sentimos. Eu quis dizer que
isso exatamente cria outra forma de looping. Quero parar nesse ponto: o que de
fato sentimos é o que mais importa, não as reações, não mais as perguntas e explicações, pois
as mesmas, agora, já não têm mais importância.
O: Sim, pois percebemos as
perguntas e as explicações como mais um modo de fuga da inquietude.
F: Veja, se formos muito sinceros
e honestos, nesse momento chegamos de fato a ver o seguinte: o que sentimos é o
mais próximo da verdade... o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos, é mais próximo
da verdade. O mais próximo que jamais algum método ou programação nos permitiu
chegar; nada, sem viajar, sem nada, isso é o que de fato existe agora: uma tela
de computador na cara e estamos escrevendo sobre o que sentimos; o resto é
imaginário e, passear no mundo imaginário, não conta mais, não tem mais serventia.
O: Sim, fora disso, vejo como ranços
de condicionamentos ainda não percebidos.
F: Isso mesmo. Esse parece ser o
limite até o momento. Veja que é a cena do filme "Revolver" que você citou na
nossa última conversa, ou aquele objeto
do filme “A Origem”... ele roda para ver o que é real e o que é fruto da
imaginação, do sonho, da ilusão. Rode o objeto da observação e veja o que é imaginário, o que é ranço de
condicionamento adquirido de terceiros. Ponto.
O: Também percebo ser bem por aí. Estamos
como que descarregando a mente de tudo que foi colhido e que não produziu
liberdade real, que não produziu um estado de bem-estar comum. Se o que colhemos fosse de fato funcional, estaríamos livres da base de inquietude.
F: Quer ver quebrar tudo? Quer
ver afunilar ainda mais a coisa? Isso é terrível de se fazer... Dê um nome ao
que você vê por um minuto. Diga o que você ouve no próximo minuto. Nomeie o que
você sente (sensações corporais, como a cadeira embaixo de você). Diga o que
você cheira ou o que prova. Aqui a sensação levanta das catacumbas... Só veja quão
distante o imaginal nos manda... Só que estamos fazendo o caminho inverso,
estamos voltando. Eu lembrei disso de muito tempo atrás... Veja, não quero dizer
que temos que praticar nada, longe disso, visto que não é preciso, pois seria só mais um modo de condicionamento. Mas veja que
percebo que fizemos isso... Veja como surgem os pensamentos sobre cenários e
preocupações futuras, veja quanta imaginação adquirida, quanta coisa. Eu nunca
estive vendo assim tão claramente as sensações... por isso que para mim, o que
realmente importa, o que realmente faz sentido é ficar com as sensações, pois
só elas são reais.
O: Sim, as sensações são reais e
não o imaginal.
F: É isso aí... Não as sensações carregadas como eram, com conteúdos
imaginários, os quais eram deturpados, tornando difícil ficar com elas. Essa
que foi a mudança, a capacidade de na maioria das vezes não reagir, ou, quando
recaímos na reação, observar a própria reação e o que sentimos diante dela.
O: Mas elas ainda continuam sendo
carregadas por conteúdos imaginários; elas ainda são um subproduto desse
conteúdo imaginado, conteúdo esse que tem por base os condicionamentos.
F: Está tudo sendo sentido na
pele, mas, de alguma forma, não nos apegamos mais a isso que é sentido.
O: Sim, não nos apegamos mais a
isso que é sentido. O que vejo é que não negamos o que é sentido, mas negamos
nos identificar, alimentar e reagir ao que está sendo sentido e que é percebido
como um subproduto do imaginal inquieto. Não permitimos mais que as projeções
ou mesmos as sensações controlem as nossas ações. De certo modo, podemos dizer
que, mesmo ainda com a base de inquietude, pela primeira vez na vida, estamos
sendo senhores do nosso destino.
F: Espera. Vamos com calma, pois ainda não
sinto isso.. O que sinto é que as sensações são sentidas...
O: Como você não sente isso? Você
continua reagindo de modo inconsciente e inconsequente ao que vem do fluxo do
imaginal sensorial? Claro que não! Então, de certo modo, você está criando seu
destino pela primeira vez de modo consciente, tão consciente a ponto de
perceber tanto o fluxo do imaginal quanto do sensorial, sem com eles se
identificar de modo emotivo reativo.
F: Não acho que haja destino e
tal coisas.
O: Esqueça a palavra destino... substitua
por sua experiência cotidiana.
F: Ok! Já entendi o contexto. Perfeito!
Pela primeira vez não reagimos e todo um percurso se altera.
O: A observação impede que você
sai chutando o pau da barra de modo inconsciente e inconsequente.
F: Pela ação da observação, nem
respondemos muitas vezes, pois aprendemos a ficar calados, vendo o circo pegar
fogo ao invés de queimar com ele.
O: De certo modo, você já não
opina sobre o conteúdo do próprio imaginal e mesmo quanto ao imaginal de
terceiros. Já consegue muitas vezes não reagir a nada disso; mas, por vezes,
ainda escorrega.
F: Já não mais e assim pouco
consta em papel, não há mais provas do crime. Estamos virando bandido de primeira classe.
Crime perfeito. Não respondemos a situações, ambientes, pessoas que já estão
reagindo. Já não vivemos mais de pura reação.
O: Sim, deixamos de ser reação
pura, estamos menos explosivos, menos reativos. Como aprendemos a não levar a
sério os próprios pensamentos e sensações, aprendemos a não levar a sério os
pensamentos e sensações dos demais.
F: Sim. Vamos deixando sim, por
conta de ficar na sensação, de ver que o externo nada tem a ver com o que é
sentido por nós.
O: O que chacoalha tudo é a
qualidade da nossa inquietude. Se estamos agitados, qualquer coisa de fora
ressalta nossa agitação. Mas, se estamos de boa, o ambiente não tem poder sobre
nós.
F: A base inquieta está sempre lá...
Esse é um filme muito forte. Mas quando estamos de boa, quando a base não está
agitada, tudo nos ambientes se torna mais fácil.
O: Portanto, todo problema está
na base inquieta, ou melhor, no modo como lidamos com a base inquieta.
F: Sim. O problema está nessa
sensação primária de inquietude, no modo como reagimos a ela.
O: Nunca tivemos uma educação no
sentido de ficarmos com a sensação, de ver que o pensamento é uma reação a
sensação e que a sensação é um subproduto do pensamento.
F: Nunca tivemos uma educação que
apontasse para a percepção das variações de pensamentos e sensações, que
explicassem decentemente a dinâmica desse mecanismo mente-emoção-sensação.
Nunca tivemos uma educação para aprendermos a vivenciar isso, e de ver que é
assim.
O: Sim, nunca tivemos isso lá
atrás, mas agora, já fomos educados sobre isso; isso nos foi devidamente
apresentado. E isso está produzindo uma mutação significativa no modo como
lidamos com as ocorrências internas, bem como com as ocorrências externas. Cada
vez mais temos a capacidade de não derramar nossa inquietude nas ambientações,
bem como de não se deixar mais ser contaminado, quando do derrame da base de
inquietude dos demais. Isso é que eu chamo de "centramento", o qual
percebo que está ocorrendo.
F: Podemos dizer que sim.
O: Digamos que a observação nos
permite deixar o Urubu pousar em nossa cabeça, só não permitimos mais que ele
faça ninho em nossas sensações e reações. Só para constar, o Urubu é o
imaginal. Não temos poder sobre o Urubu. Não sabemos de onde vem, quando vem ou com quantos vem.
F: Perfeita analogia.
O: A observação é uma espécie de
"Chooo" silencioso.
F: Aí está todo o segredo que
precisa ser visto. Se não for visto, de nada serve a leitura desse material
aqui.
O: Perfeito. Se não for visto,
isso aqui, vira só mais uma forma de condicionamento.
F: Se não tiver visto o imaginal como ele realmente é, ele entra nas sensações. Sem o maturar da observação, o indivíduo não tem acesso a esse momento de percepção do que surge no sensorial, bem com a capacidade de ficar com o que dele surge. Não há como.
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