25/05/2021

Sobre o avançado platô de percepção da realidade – Parte 4


O: É o fundo de inquietude que pede por uma ação, uma atividade que seja “sentida” como algo com real sentido de ser. Cada vez mais claro isso.

F: Sim, sem dúvida, é ele.

O: Assim como tudo que passa no imaginal, são flashes do que já foi vivido, lido, escutado ou assistido.

F: Sim, tudo produto de doações de fora.

O: O imaginal não traz nada novo de fato; ele só traz novas projeções do mesmo velho conteúdo. Só isso.

F: O imaginal é sempre velho a cada novo momento.

O: Com a percepção disso, vai ficando cada vez mais fácil se desidentificar de tudo que parte do imaginal, mesmo do início de sensação que deriva de tal projeção imaginal.

F: Vai ficando possível ficar cada vez mais com as sensações sem qualquer tipo de mimimi ou chororô.

O: Percebo que com o amadurecimento da observação, o hiato antes existente entre a percepção da projeção do imaginal e a somatização psíquica de tal projeção, está se tornando quase que inexistente, o que vai produzindo maior centramento, o qual impossibilita a identificação com o impulso emotivo reativo escapista. Quando esse hiato é quebrado e não se instala a identificação nem com o conteúdo do imaginal e nem com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente se instala na dimensão do coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da ansiedade desequilibrante. Essa energia se manifesta em forma de uma quentura que é prazerosa.

F: Percebo que a observação pegou o hiato entre a sensação e a reação. Já ocorreu essa mudança com essa capacidade de ficar com o sensorial (o fato do que é sentido), observando a fuga pelo imaginal ou outra atividade.

O: A observação pega, inclusive, o impulso emotivo que surge de querer obter uma solução definitiva, a qual traga o apaziguamento do mental e do emocional.

F: Ela também matou isso. Ela também pegou isso e, mesmo que isso venha do pensamento, ela pegou. É a própria inquietude que gera esse impulso pela percepção final.

O: Você vê esse impulso e não se identifica nem mesmo com ele, pois percebe que o mesmo é também parte de um processo de fuga da inquietude. O mais interessante é perceber as falas lançadas pelo imaginal, que o fato de estarmos nesse processo de observação do que ocorre em nossa estrutura psíquica, não estamos vivendo a vida com a mesma intensidade que o imaginal imagina que os outros estejam vivendo. Tipo, isto aqui não é viver, viver é estar na euforia que a maioria está.

F: Esse é o seu truque sublime... A comparação entre o modo de vida dos outros e o meu, é também produto do imaginal. Está tudo ali o tempo todo, o imaginal está sempre em comparação. Ali está tudo dominado; mesmo pela observação, não somos capazes de acabar com as imagens, com as ideias, com o fluxo, etc. A observação não foi capaz disso, pelo menos, até aqui.

O: Quero voltar aqui, veja isto... Quando esse hiato é quebrado e não se instala a identificação nem com o conteúdo do imaginal e nem com o conteúdo do sensorial, uma energia diferente se instala na dimensão do coração, tomando o lugar da angústia sufocante ou da ansiedade desequilibrante. Essa energia se manifesta em forma de uma quentura que é prazerosa; ela é centrante, manifesta-se através de uma queimação diferente, que nada tem a ver com a queimação da angústia.

F: Não tenho muito a acrescentar, apenas que percebo que não se trata mais da angústia que muitas vezes sentimos, mas apenas sensações em forma de calor. É bem isso! Fica cada vez mais claro que é só uma sensação corporal; como saiu a reação ao imaginal, parece que isso vem como resultado de ficarmos com a sensação, do modo que ela é, sem que ocorra a reação do imaginal. Não sei nem se é a sensação que mudou ou a nossa capacidade de não reagir a ela, de não pular para o escape do imaginal. Não se trata de algo controlado, muito ao contrário; o hiato é aumentado entre a sensação e a reação escapista; por exemplo, é essa sensação que faz você perceber que está sozinho nas relações, mas veja, não há qualquer tipo de sofrência nessa percepção; só é percebido que a relação era imaginária e ponto.

O: O imaginal imagina o que é ter uma relação genuína, apesar de nunca ter vivido isso. O que ele imagina ser uma relação funcional, também está alicerçado naquilo que leu, naquilo que ouviu de terceiros. É também uma imagem. Quando o imaginal olha para as relações que ele mantém e as compara com o conceito de relação que ele colheu de terceiros, constatando que elas não têm nada do que lhes foi apresentado, instala-se mais inquietude. Como vimos anteriormente, o imaginal está sempre em comparação, pois ele foi educado com base na mesma.

F: Exato.

O: Ele carrega consigo uma imagem do que deve ser o amor e, como em seus relacionamentos, não tem nada parecido com essa imagem, ele se ressente, se inquieta. Ele também carrega a imagem do que é uma relação disfuncional ou uma relação dependente e, quando compara e sente que sua relação é muito semelhante a esses conceitos adquiridos, também se inquieta. E a inquietação maior se dá porque, além do conceito do que deve ser uma genuína relação, ele também adquiriu as receitinhas do que deve fazer quando percebe que sua relação não está fundamentada no conceito de amor que ele formou para si com base nas doações de terceiros, e então, mais conflito se instala. Perceba que até aqui, a mente continua no jogo de imitação dos conceitos adquiridos de certo e errado, de funcional e disfuncional, de liberdade e de dependência. Mas a mente condicionada não conhece nada disso por si mesma, digo, viver correto, liberdade, funcionabilidade relacional.

F: Tudo isso está embasado, não na percepção direta, mas do que foi colhido pelo rádio, televisão, filmes, novelas, músicas, leituras.

O: Aí, tem também aquela mente que, para fugir de si mesma, mergulhou nos conteúdos do Advaita Vedanta, que afirma que a relação é uma ilusão, visto que na essência, somos todos um, somos o Um sem um segundo. Quem cai nisso e se identifica com isso, penso ser pior ainda, porque passa a acreditar que sua exata natureza é de Puro Amor, o que para mim, é um modo de negar a percepção visceral de como realmente percebe, recebe e reage ao mundo que lhe cerca.

F: Aí é só blá-blá-blá. Puro ser... Sei! Tudo fuga do que é! Fiquemos com os fatos!

O: Claro, vejo isso como só uma forma sublimada de fuga ao modo que de fato funcionamos em nossas atividades e relações. Nada sabemos de um estado puro de ser, pois, até esse estado puro de ser, é só mais um dos condicionamentos, só mais um produto imaginado por uma mente adulterada. Inclusive, a própria ideia de "puro ser", cria a comparação com aquilo que realmente somos, produzindo mais inquietude, esta manifesta pelo desejo de alcançar o tal do "puro ser", o qual é "puro love".

F: Vamos voltar aos fatos, deixemos de lado tudo isso. Como que o que é inquieto, pode se aquietar?

O: Essa pergunta gera mais barulho, se transforma em outra forma de looping.

F: Trata-se de uma pergunta óbvia, só que não importa nada além daquilo que de fato sentimos. Eu quis dizer que isso exatamente cria outra forma de looping. Quero parar nesse ponto: o que de fato sentimos é o que mais importa, não as reações, não mais as perguntas e explicações, pois as mesmas, agora, já não têm mais importância.

O: Sim, pois percebemos as perguntas e as explicações como mais um modo de fuga da inquietude.

F: Veja, se formos muito sinceros e honestos, nesse momento chegamos de fato a ver o seguinte: o que sentimos é o mais próximo da verdade... o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos, é mais próximo da verdade. O mais próximo que jamais algum método ou programação nos permitiu chegar; nada, sem viajar, sem nada, isso é o que de fato existe agora: uma tela de computador na cara e estamos escrevendo sobre o que sentimos; o resto é imaginário e, passear no mundo imaginário, não conta mais, não tem mais serventia.

O: Sim, fora disso, vejo como ranços de condicionamentos ainda não percebidos.

F: Isso mesmo. Esse parece ser o limite até o momento. Veja que é a cena do filme "Revolver" que você citou na nossa última conversa,  ou aquele objeto do filme “A Origem”... ele roda para ver o que é real e o que é fruto da imaginação, do sonho, da ilusão. Rode o objeto da observação e veja o que é imaginário, o que é ranço de condicionamento adquirido de terceiros. Ponto.

O: Também percebo ser bem por aí. Estamos como que descarregando a mente de tudo que foi colhido e que não produziu liberdade real, que não produziu um estado de bem-estar comum. Se o que colhemos fosse de fato funcional, estaríamos livres da base de inquietude.

F: Quer ver quebrar tudo? Quer ver afunilar ainda mais a coisa? Isso é terrível de se fazer... Dê um nome ao que você vê por um minuto. Diga o que você ouve no próximo minuto. Nomeie o que você sente (sensações corporais, como a cadeira embaixo de você). Diga o que você cheira ou o que prova. Aqui a sensação levanta das catacumbas... Só veja quão distante o imaginal nos manda... Só que estamos fazendo o caminho inverso, estamos voltando. Eu lembrei disso de muito tempo atrás... Veja, não quero dizer que temos que praticar nada, longe disso, visto que não é preciso, pois seria só mais um modo de condicionamento. Mas veja que percebo que fizemos isso... Veja como surgem os pensamentos sobre cenários e preocupações futuras, veja quanta imaginação adquirida, quanta coisa. Eu nunca estive vendo assim tão claramente as sensações... por isso que para mim, o que realmente importa, o que realmente faz sentido é ficar com as sensações, pois só elas são reais.

O: Sim, as sensações são reais e não o imaginal.

F: É isso aí...  Não as sensações carregadas como eram, com conteúdos imaginários, os quais eram deturpados, tornando difícil ficar com elas. Essa que foi a mudança, a capacidade de na maioria das vezes não reagir, ou, quando recaímos na reação, observar a própria reação e o que sentimos diante dela.

O: Mas elas ainda continuam sendo carregadas por conteúdos imaginários; elas ainda são um subproduto desse conteúdo imaginado, conteúdo esse que tem por base os condicionamentos.

F: Está tudo sendo sentido na pele, mas, de alguma forma, não nos apegamos mais a isso que é sentido.

O: Sim, não nos apegamos mais a isso que é sentido. O que vejo é que não negamos o que é sentido, mas negamos nos identificar, alimentar e reagir ao que está sendo sentido e que é percebido como um subproduto do imaginal inquieto. Não permitimos mais que as projeções ou mesmos as sensações controlem as nossas ações. De certo modo, podemos dizer que, mesmo ainda com a base de inquietude, pela primeira vez na vida, estamos sendo senhores do nosso destino.

F: Espera. Vamos com calma, pois ainda não sinto isso.. O que sinto é que as sensações são sentidas...

O: Como você não sente isso? Você continua reagindo de modo inconsciente e inconsequente ao que vem do fluxo do imaginal sensorial? Claro que não! Então, de certo modo, você está criando seu destino pela primeira vez de modo consciente, tão consciente a ponto de perceber tanto o fluxo do imaginal quanto do sensorial, sem com eles se identificar de modo emotivo reativo.

F: Não acho que haja destino e tal coisas.

O: Esqueça a palavra destino... substitua por sua experiência cotidiana.

F: Ok! Já entendi o contexto. Perfeito! Pela primeira vez não reagimos e todo um percurso se altera.

O: A observação impede que você sai chutando o pau da barra de modo inconsciente e inconsequente.

F: Pela ação da observação, nem respondemos muitas vezes, pois aprendemos a ficar calados, vendo o circo pegar fogo ao invés de queimar com ele.

O: De certo modo, você já não opina sobre o conteúdo do próprio imaginal e mesmo quanto ao imaginal de terceiros. Já consegue muitas vezes não reagir a nada disso; mas, por vezes, ainda escorrega.

F: Já não mais e assim pouco consta em papel, não há mais provas do crime. Estamos virando bandido de primeira classe. Crime perfeito. Não respondemos a situações, ambientes, pessoas que já estão reagindo. Já não vivemos mais de pura reação.

O: Sim, deixamos de ser reação pura, estamos menos explosivos, menos reativos. Como aprendemos a não levar a sério os próprios pensamentos e sensações, aprendemos a não levar a sério os pensamentos e sensações dos demais.

F: Sim. Vamos deixando sim, por conta de ficar na sensação, de ver que o externo nada tem a ver com o que é sentido por nós.

O: O que chacoalha tudo é a qualidade da nossa inquietude. Se estamos agitados, qualquer coisa de fora ressalta nossa agitação. Mas, se estamos de boa, o ambiente não tem poder sobre nós.

F: A base inquieta está sempre lá... Esse é um filme muito forte. Mas quando estamos de boa, quando a base não está agitada, tudo nos ambientes se torna mais fácil.

O: Portanto, todo problema está na base inquieta, ou melhor, no modo como lidamos com a base inquieta.

F: Sim. O problema está nessa sensação primária de inquietude, no modo como reagimos a ela.

O: Nunca tivemos uma educação no sentido de ficarmos com a sensação, de ver que o pensamento é uma reação a sensação e que a sensação é um subproduto do pensamento.

F: Nunca tivemos uma educação que apontasse para a percepção das variações de pensamentos e sensações, que explicassem decentemente a dinâmica desse mecanismo mente-emoção-sensação. Nunca tivemos uma educação para aprendermos a vivenciar isso, e de ver que é assim.

O: Sim, nunca tivemos isso lá atrás, mas agora, já fomos educados sobre isso; isso nos foi devidamente apresentado. E isso está produzindo uma mutação significativa no modo como lidamos com as ocorrências internas, bem como com as ocorrências externas. Cada vez mais temos a capacidade de não derramar nossa inquietude nas ambientações, bem como de não se deixar mais ser contaminado, quando do derrame da base de inquietude dos demais. Isso é que eu chamo de "centramento", o qual percebo que está ocorrendo.

F: Podemos dizer que sim.

O: Digamos que a observação nos permite deixar o Urubu pousar em nossa cabeça, só não permitimos mais que ele faça ninho em nossas sensações e reações. Só para constar, o Urubu é o imaginal. Não temos poder sobre o Urubu. Não sabemos de onde vem, quando vem ou com quantos vem.

F: Perfeita analogia.

O: A observação é uma espécie de "Chooo" silencioso.

F: Aí está todo o segredo que precisa ser visto. Se não for visto, de nada serve a leitura desse material aqui.

O: Perfeito. Se não for visto, isso aqui, vira só mais uma forma de condicionamento.

F: Se não tiver visto o imaginal como ele realmente é, ele entra nas sensações. Sem o maturar da observação, o indivíduo não tem acesso a esse momento de percepção do que surge no sensorial, bem com a capacidade de ficar com o que dele surge. Não há como.

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