F: A conversa da manhã foi uma bagaçada,
algo parecido a uma forte pancada na nuca, tipo clube da luta.
O: Precisa ocorrer uma percepção
que produza integração interna, que produza percepção da libertária ação
assertiva.
F: Não vou entrar aí.
O: Não sei porque, isso é óbvio.
Você está aí nesse estado interno de desordem, porque, assim como eu, não sabe
o que fazer para transcender o looping da base de inquietude original. Assim
como eu, carece de libertária e integrativa lucidez.
F: Isso são só ideias.
O: Não, não são ideias, são fatos.
F: Deste ponto em diante, não
sabemos o que deve ou não correr, não tem como saber. Já, já, quem sabe, algo surge
aí, mas, por hora, não temos esse algo. Logo surge.
O: Isso é um fato: se não
enxergarmos mais longe, ficamos onde estamos e com a mesma base, desconhecendo se
é possível ou não, a manifestação de um estado de bem-estar comum. Essa é a
esperança que tenho.
F: Sem essa esperança, ficamos rodando
em círculos.
O: A esperança de um despertar de
um nível superior de percepção, é só o que me restou... a esperança de ver algo
além do funcionamento limitado e confuso desta estrutura mental e emocional
pelo qual funciono num modo que é sentido como limitado e disfuncional.
F: Então, algo logo surge.
O: Sinto que precisamos de uma
ocorrência interna que nos proporcione ordem, sem isso, permanece a desordem
interna.
F: Tem muito do Krishnamurti
nessa sua fala.
O: Foda-se o Krishnamurti; não
tem nada dele aqui.
F: Acho que precisamos apenas
sentir o que é bem-estar, apenas se sentir bem; algo do tipo, só isso.
O: Ordem e bem-estar é o mesmo.
F: Continuo vendo o Krishnamurti aí.
O: Isso é só o seu
condicionamento de ver Krishnamurti nas coisas, parte de seu fundo adquirido.
Pergunto: existe ordem na sua vida?
F: Que é ordem ? O que você
considera isso?
O: Ahhhhh! Fala sério!
F: Não vejo ordem em nada. Como ver
ordem? O que é isso?
O: Não vai começar com suas
punhetas mentais, vai?
F: Cara, a coisa é muito simples
aqui: o que existe é mal-estar.
O: Não tem como ter bem-estar sem
a presença de ordem.
F: Ok! Só mais um tijolo; chegamos
no fim disso. Não conheço ninguém que tenha explorado a estrutura de mesmo como
como a exploramos; moemos seu mecanismo de ação; varremos seu fluxo. É simples o
que sentimos, o resto, é só acréscimo da própria estrutura. O que sentimos é
mal-estar.
O: Veja, sinto assim: tem que
ocorrer uma percepção que nos mostre assim: é isso e ponto! Seu mal-estar advém
disso e seu bem-estar depende disto! Algo assim. Uma percepção que não dê espaço
para qualquer tipo de argumentação por parte da estrutura. Se não ocorrer isso,
segue o looping.
F: Perfeito, na altura do
processo, nada mais satisfará, nenhuma palavra, zero. Esse é o meu momento.
O: Não satisfará mesmo: nenhuma
palavra, nenhuma explicação, nenhum sistema de crença, nenhum conceito
espiritual, nenhuma fala de mestre, nenhuma série de perguntas auto-formuladas,
ou melhor, formuladas pela própria estrutura, muito menos, qualquer um de
nossos achismos. Tudo que temos foi tomado pela estrutura, agora faz parte da
estrutura; assim como tudo que vem de fora, é recebido dentro dos limites da
própria estrutura inquieta; sua inquietação, não deixa receber nada de fora em
sua integralidade. Portanto, penso que se não surgir algo que transpasse os
bloqueios defensivos da estrutura, permanecemos nela; penso que se não surgir
algo que dissolva a base de cálculo e de certo e errado da estrutura, permanecemos
na mesma. Sem esse algo inusitado, ficamos no looping de mal-estar, o qual vem,
dá um tempo e volta novamente. O processo de descondicionamento nos levou à
descrença com relação a qualquer tipo de doação psicológica, visto que nenhuma
delas nos “con-venceu”, nenhuma delas venceu a estrutura.
O: Temos sido intensos em tudo
que vivenciamos, inclusive no que diz respeito a superação dessa base de
mal-estar. Tentamos de tudo e nada do que foi tentando, suplantou a estrutura.
O máximo que conseguimos, foi poli-la em algum de seus cantos, mas não
desestruturou essa estrutura que, até aqui, só produziu adulteração, conflito,
inquietude. Sabemos bem o quanto fomos intensos, tanto no lícito como no
ilícito que usamos, para tentar superar de vez o mal-estar. Você tem alguma
dúvida quanto a isso?
F: Você descreveu tudo
corretamente, todo processo, todos os detalhes, mas não há saída. O pensamento
vai trazer qualquer ideia mas ainda é ele, ainda é conteúdo da mesma estrutura
confusa e limitada. Ninguém descreveu todo processo como vocês fizeram, só que
não tem saída, porque ainda é a estrutura, e, por meio dela, impossível qualquer
saída.
O: Por isso afirmamos que
qualquer tipo de descrição, seja de terceiros como pessoal, não serve de nada,
pois tudo é doação de material colhido no passado. Veja, o que está
estruturado, seja interno ou externo, não nos liberta.
F: Resta apenas o que eu sinto,
como sendo o mais próximo da verdade. Vejo que o mesmo ocorre aí também.
O: Sim, a verdade, o fato, não
está nas descrições, está no que é sentido. Por isso, não existe qualquer
palavra que possa colocar com assertividade, o que é preciso ocorrer para a
superação do que é sentido de fato em nossa qualidade interior.
F: Sim. De fato, é isso.
O: Veja, a própria estrutura fica
a todo momento lançando ideia do que deveria ou não ser feito, mas, em questão
de segundos, ela mesma dissolve essas sugestões. Por meio dela, até aqui, não
se apresentou uma ideia definitivamente libertária. Isso por ela está
alicerçada no medo e no cálculo. Ela diz: o que você precisa fazer para acabar com
a sua inquietude, é isso! No instante seguinte, ela lança o medo, aliado ao
cálculo, e contradiz a ideia anterior.
F: Sempre foi isso, sempre foi
esse o mecanismo, mas não era visto.
O: Mas veja, mesmo percebendo o
mecanismo, não conseguimos superá-lo.
F: Então, mesmo que você fique com
a inquietude, quem está dizendo para você ficar com ela, é a própria
inquietude, e assim terá o elixir prazeroso. É a estrutura que diz: fique com a
inquietude e no findar dela... pummmmmmmmmmm! Tudo será resolvido! Sempre foi
isso, a fórmula mágica, o pensamento mágico. Sim, mesmo percebendo o mecanismo,
não conseguimos superá-lo. Toda vez que ela lança a ideia de um fim para a inquietude,
ao mesmo tempo está estruturando a inquietude pela porta de saída.
O: Isso me parece um truque da
estrutura, no qual ela deixa você ver
até que partes avançadas de seu mecanismo. Isso me faz lembrar aquela frase do
filme “Revolver”, onde o cara diz que o segredo está em fazer o inimigo
acreditar que está controlando o jogo, lembra?
F: Sim. E assim mantém o
indivíduo no looping. Você não pode negar a inteligência do inimigo... Parece
que é bem isso que a estrutura faz: ela te dá mais um quarto para você explorar,
e com isso mantem o looping. Xeque-mate.
O: Ela nunca dá o jogo de chaves.
F: Nunca, porque sempre é vazio
de realidade, sempre é produto da condicionada imaginação. Apenas o que
sentimos, é o mais próximo do real. E agora, chegamos na percepção de que
nenhuma descrição, seja pessoal ou de terceiros, se aproxima da realidade que
liberta; não adianta.
O: Sim, o looping, é sempre uma
sequência de projeções do imaginal, sempre projeções de situações que nunca
saberemos se vão ou não de fato ocorrer. Sempre foi isso, só que não havia a
observação e, por sua ausência, sempre se dava a emotiva identificação reativa,
que criava toda forma de confusão. As projeções continuam a todo instante, mas
a observação se fortalece com cada uma dessas projeções percebidas como
projeções.
F: Perfeita descrição. Parece-me
que todo processo do nosso tumultuado viver está aí. A observação separa o joio.
O: A observação, de certo modo,
tem produzido uma grande dose de imunização no que diz respeito a emotiva
identificação reativa.
F: Era apenas uma sequência
interminável de pensamentos não solicitados, ou melhor, ainda é. A construção
construída com lógica circular, com lógica no looping de inquietude, é falsa...
o inimigo, que é a estrutura pela qual funcionamos, é sim inteligente, como bem
diz o filme “Revolver”. No entanto, o conteúdo do pensamento, ou seja, o que
eles tratam não são "reais", são apenas fantasias, imaginações,
projeções na tela da mente.
O: Mas é real o que esse conteúdo
produz no sensorial. A observação tem sido como o “peão” usado no filme “A
Origem”, para você saber o que é a realidade e o que é o sonho.
F: Sim, é real o que o conteúdo
projetado na tela do imaginal, produz no sensorial.
O: Como você diz, o que flui no
sensorial, é o mais próximo da verdade.
F: Aqui a observação pega a reação
ao próprio sensorial, para não punhetar sobre o que está sendo sentido, para
não se identificar com o impulso emotivo reativo escapista do mimimi ou do
chororô. Impede aquele emotivo círculo vicioso que aprendemos nas salas de
anônimos.
O: Sim, a observação impede
aquele discurso pautado na inquietude pessoal.
F: Sim. Antes era só isso. Queríamos
apenas a ausência de dor, era o momento.
O: A observação nos levou a
perceber que "bafo de boca não cozinha ovo". Explanações,
explicações, sequenciais de perguntas, só alimentam a estrutura; isso se
mostrou de modo muito claro. A fala não coloca fim às falas da mente. Mas
também mostrou que o silêncio, também não coloca fim, porque o mesmo tem sua
base num cálculo autocentrado.
F: Nem a fala, nem o silêncio
forçoso, calculado, coloca fim às falas não solicitadas do imaginal. Esse não
falar é apenas outro truque da estrutura barulhenta, a qual diz que se ela se
silenciar, aí sim, teremos o tão sonhado bem-estar. Mas como? De que jeito? Eu
sou barulhento e, se eu silenciar, atingirei a iluminação... Só mais um truque...
ommmmm... posição de lótus... algumas sacadas tiradas da literatura de anônimos,
como por exemplo, “o pensamento tem que morrer de morte natural”... A
observação deixa passar tudo isso.
O: O fato é que não sabemos se o
fluxo de imagens cessa; o que sabemos, é que o fluxo de inquietude que
sentimos, até aqui, por mais que tentamos, não cessou.
F: O fato que sabemos é que tanto
as imagens como as sensações decorrentes de tais imagens, não cessaram até aqui,
e não temos como saber se cessam. Perfeito.
O: Mais que isso, é entrar no
terreno do imaginal; é se identificar com doações psicológicas de terceiros que
adquirimos em algum ponto do processo.
F: Exato. Perfeito novamente.
O: Mas também é fato que,
perceber tudo isso, amplia a inquietude, devido o sentido de impotência de
lucidez.
F: Descarnou, dissecou a
estrutura, expos tudo, não havia como fazer isso antes.
O: Você fica apenas com a
inquietude sentida, sem ter mais a que recorrer, a que apelar, com o que fugir.
F: A observação traz a percepção
de que as respostas são apenas programação (física, cultural, familiar etc.) e
nada mais. Então, aqui precisamos ir com cautela... Vou falar de mim... Eu fico
até não mais aguantar, porque as sensações enchem o saco. Por quê? Não sei. Só
sei que cansa, satura, enche... um saco sem fundo de inquietude.
O: A mente lança a ideia que produz
a inquietude e, com a própria ideia seguinte pela qual ela diz que você se
livrará da inquietude, ela instala ainda mais inquietude. Desse modo, o looping
de inquietude se mantém. O próprio fluxo mecânico e não solicitado do imaginal
parece bloquear a descoberta de uma possível ação correta.
F: O fluxo não deixa sentir
totalmente nem a própria inquietude.
O: Aí me surge a sensação de que
só há saída disso por meio de duas possibilidades: um esgotamento da própria
estrutura que se auto-observa, ou por meio de um insight, um derrame de
lucidez, um "Ah! É isso!"
F: Ou uma terceira opção: que não
há saída.
O: Isso de modo algum seria uma
opção.
F: Tem razão, pois seria já o que
há.
O: Isso.
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