O: Se você observar bem,
perceberá que o mecanismo da nossa estrutura mental emocional condicionada, se
alimenta da preocupação excessiva em sentir um bem-estar que se desconhece, ou
de manter situações que morremos de medo de perdê-las. Apesar dessa
preocupação, ela nunca alcançou esse tão almejado bem-estar.
F: Exato: ela só projeta
imagens, pensamentos, não ficando com o que tem de fato. Ela criou um trampolim
para sair do desconforto, que é a ideia de sair do desconforto pela ação do próprio
pensamento
O: Justo, pelo pensamento que é,
além de condicionado, limitado.
F: Não tem saída mesmo.
O: Parece mesmo que não, apesar
do pensamento não parar de gerar sugestões de saída que se contradizem tão logo
se manifestam.
O: O samba doido que o imaginal
lança o tempo todo: tudo vai dar certo, nada vai dar certo; tudo vai se
harmonizar, tudo vai colapsar. O samba enredo não sai disso. A identificação
com o enredo é que produzia depressão ou qualquer forma de neurótica e emotiva
reação escapista.
F: Na depressão era a identificada
essa mesma sensação que sentimos e com esses pensamentos que estão aqui ainda
passando...
O: Tanto a depressão como a neurótica
e emotiva reação escapista nunca colocaram fim à estrutura. Perceba que se
trata de um enredo feito de imaginados monólogos consigo mesmo ou de
conversações com terceiros, como tentativa de solucionar o estado de
inquietude.
F: Exato, pensamentos criam o
inimigo, montam o discurso, desse surge a somatização, quando você vê, foi
palhaçada de novo... só no palco imaginário. Tanto eu quanto o oponente não
existimos de fato... era um filme... Uma criação do imaginal.
O: Sempre é o mesmo tipo de enredo
neurótico que tocou durante toda vida. Só que depois que passa o enredo, fica
muito fácil de perceber o quanto somos emocionalmente imaturos, o quanto somos
seres inseguros, complexados. Temos uma realidade emocional que não condiz com
nossa idade cronológica. Por isso que muitos de nós entram em pânico só de
pensar na possibilidade de se verem sem as situações que nos são conhecidas. Mesmo
que o imaginal, em muitos momentos de sua agitação, crie a sensação de que
essas situações são intoleráveis, quando, passada a sua agitação, esse próprio
imaginal lança as imagens de um final feliz dentro dessas mesmas situações. O
Bizarro está nessa contraditória dualidade projetada, a qual é a natureza exata
de toda neurose de dependência. Aliás, pelo que percebo aqui, quando o imaginal
está de boa, nada dessas situações causam desconforto, ao contrário, em boa
parte, chegam mesmo a ser prazerosas, por isso que as mantemos até então. No
entanto, quando o imaginal se agita, quase sempre por meio de conceitos de
certo ou errado que leu ou ouviu, que adquiriu de alguma doação psicológica de
terceiros, é aí que o bicho pega. Mas, observe aí, quando o imaginal se aquieta:
cadê aquele bicho que queria lhe pegar e comer tudo que foi construído até então?
Veja, em todas essas agitações do enredo, nada de real está acontecendo
conforme o enredo. Só que no momento da agitação, o enredo se mistura como
sendo a própria realidade. Se você se identifica, logo escorrega, produzindo
alguma forma de adulteração na passarela do cotidiano.
F: É claro que entramos em pânico
só de pensar. Só que não tem nada acontecendo de fato, não há nenhuma “prova do
crime”, nenhum vestígio, nenhum fato, zero, tudo é ficção.
O: Para cada um de nós, o
imaginal entra com uma ideia obsessiva-compulsiva, cada um cria o próprio
enredo conflituoso.
F: Como dizia o poeta, “Cada qual
no seu canto e em cada canto um dor, pra ver a banda passar, cantando canto de
amor... O lance é que o imaginal só se aquieta, basicamente quando as sensações
de inquietude dão uma trégua. Mas, para o nosso desencanto, logo a trégua acaba.
O: E retoma o looping com seu
enredo compulsivo-obsessivo.
F: Isso.
O: Olhando a trajetória até aqui,
percebo facilmente que a estrutura sempre fez de tudo, sempre abriu mão de tudo,
apenas para manter a si mesma. Foi sempre pela identificação com o impulso
emotivo reativo escapista que ela impediu a continuidade da inquietude que,
quem sabe, ao alcançar determinado ponto de manifestação, pudesse fazer a
estrutura colapsar.
F: Medo. Sim, medo de sentir a
inquietude até o seu talo. Sempre evitando o sentir da inquietude.
O: Sempre um mecanismo, sempre
uma arma para evitar o sentir da inquietude em sua plenitude.
F: Aqui, bem isso mesmo!
O: isso me fez lembrar da cena do
filme “Revolver”, onde, dentro do elevador, no auge do enredo da estrutura
egóica, o personagem deixa cair a arma ao chão e, logo a seguir, ocorre a
libertação do medo.
F: A arma é o pensamento (medo).
O: A arma é tudo aquilo que o
pensamento sugere como opção para deixar de sentir a inquietude.
F: Isso. Só que no filme “Revolver”,
finda o fluxo da mente, mas aqui, parece que não finda.
O: Parece que há algo em comum
que é a incapacidade de ficar com a inquietude, pois chega num determinado
ponto, sempre tentamos escapar dela, mesmo que sendo por meio de uma volta pelas
calçadas da rua, ou mesmo por meio de um copo d’água sem ao menos se ter sede.
Pode ver aí, a mente sempre justifica o fazer algo para não ter que observar a
inquietude até sua exata natureza.
F: A mente foge por meio do próprio ato de pensar
sobre a inquietude. Não tem como. Curtos segundos de ficar com a inquietude,
depois, ela reage por meio do pensamento.
O: Lembra que o personagem do
filme "Revolver" sempre tentava escapar das situações que lhe
causavam inquietude, como, por exemplo, o uso do elevador? Esse é um ponto
interessante, pois vejo que o diretor quis orientar nossa visão para esse
mecanismo de fuga da inquietude.
F: Sim. Mas pode ver que não
ficamos porque há um mecanismo de fuga. Mesmo que você retorne, a estrutura foge,
retorna, foge, não tem como. Ficamos com a inquietude, apenas por curtos
momentos.
O: Por que não ficamos? Qual é a
sensação que nos faz desistir de ficar com o que está se manifestando no
sensorial inquieto? O que é que diz que não vamos aguentar, senão o próprio
pensamento, a própria estrutura? Percebe que é ela mesma tentando evitar seu
colapso? Ou quem sabe, de impedir seu funcionamento em cima das velhas bases
adquiridas?
F: Sim, óbvio que é isso, mas não
é óbvio para quem não esteja nisso. Mas é isso que falei cedo, no primeiro diálogo,
a mesma pergunta que você lança, eu fiz pela manhã, a mesma pergunta.
O: Olhando para a trajetória desta
estrutura, percebo que ela, ao se sentir inquieta por causa da percepção de seu
comportamento adulterado e adulterante, sempre forçou o distanciamento das
situações em que ela se adulterou assim como aos demais, só para poder
reiniciar seu curso em novos palcos, como novos coadjuvantes. Sempre foi isso,
e, por meio desse mecanismo de funcionamento, é que ela se cristalizou. Ela
nunca permitiu que a inquietude causada pela tomada de consciência quanto às
suas adulterações, chegasse a tal ponto de fazer com que ela colapsasse em seu
atual mecanismo de ação e, quem sabe, descobrisse uma nova maneira de percepção,
recepção e interação.
Ao sair de tais situações,
enquanto a dor produzida pela inquietude ainda estava fresca, ela até que se
mantinha no propósito de seguir de modo diferente, mas, passada a dor, logo era
tomada novamente pela euforia que a lançava sempre no mesmo padrão de ação. Talvez,
por isso a cultura criou a expressão: "de boas intenções, o inferno está cheio";
ou então a expressão: "Eu faço o mal que não quero fazer e, o bem que
quero fazer, eu não faço." Enquanto nessa estrutura, esse bem parece nunca
ser possível, uma vez que tal estrutura funciona com base no cálculo
autocentrado, no auto-interesse manipulador.
Esse auto-interesse nunca nos
deixa ver as coisas, as pessoas e as circunstâncias como realmente são; ao
contrário disso, faz com as vejamos de acordo com aquilo que é ou não de nosso
interesse momentâneo. Não é difícil observar que, uma vez que o interesse mude,
descartamos as coisas, as pessoas e as circunstâncias sem o mínimo remorso ou
preocupação, não levando nem alguns dias para esquecer que elas existiram. Em
algumas situações, até encenamos uma tristeza, um remorso ou preocupação, mas
tudo como mais um cálculo com base na preservação da própria imagem. Quando
damos as costas, lá está a velha estrutura, com seus cálculos para as novas
formas de satisfação de seus instintos naturais adulterados, os quais, uma vez
realizados, se tornarão novos focos de inquietude. Essa tem sido a base do
nosso viver.
Não ficamos com a inquietude,
porque a própria mente inquieta justifica o não ficar com a inquietude, dizendo
que isso não é viver, que a vida está passando sem ser vivida, que se o
indivíduo ficar com a inquietude, acabará por enlouquecer ou coisa do tipo.
F: Não ficamos, ponto. Há um
mecanismo – os próprios pensamentos são reações à inquietude, os próprios
pensamentos são uma forma de fuga. Porque há sempre a sensação ou ideia de que
tem que ser feito algo para alterar ou fugir dessa sensação ou dessas sensações.
Veja, funciona como um mecanismo. Mas será mesmo assim sempre ou isso pode
modificar e quebrar isso como é apontado no filme “Revolver”?
O: E a mente inquieta justifica
esse fazer algo para sair da inquietude, de modo quase sempre muito sutil,
quase mesmo que imperceptível. A observação nos faz ver que, mesmo conversar ou
escrever sobre a inquietude, é também uma forma de fuga da inquietude que é
impulsionada pela sagacidade da estrutura.
F: Mas é claro que é... É ela ainda... somos pura inquietude... Essa é a grande sacada, perceber que está condicionada, que não há o que fazer; isso é tão lógico, tão claro. A sensação está ok então como está, mesmo desconfortável? Parece aquele dilema dos dois soldados voltando da guerra, onde um traumatiza enquanto que o outro volta como herói de guerra. Por que um não aguentou e o outro sim? O próprio pensamento é mecanismo de fuga, entretanto, agora ele está sendo visto e talvez algo surja daí.
O: Quando o indivíduo chega nessa
percepção, a inquietude se torna quase que enlouquecedora, pois ele não tem
mais como mentir para si mesmo, pois agora, é percebida de imediato a natureza
exata que dá vida as suas ações (ou reações?). Aqui, o indivíduo pode ir aonde
for, que já sabe de antemão que foi até lá em vão. E aí sim o viver se tornar
terrivelmente enfadonho e sem real sentido. Durma bem com essa percepção, se é
que é possível.
F: Mentimos a vida toda, sempre
dizendo que estamos bem, quando, de fato, estávamos inquietos. Tipo: Tudo bem,
João? Tudo, e você? Tudo! Então, tá! Tudo bem inquieto, foram 40 anos mentindo.
O: Penso que precisa surgir uma
percepção que transcenda todo cálculo, todo interesse, toda forma de mania ou dependência.
F: Iniciou o looping novamente...
O que separa o ficar com a inquietude da reação? A sensação está boa como está?
Você sente que tem que “fazer” algo para alterar ou fugir dessa sensação/ou
dessas sensações?... Veja, é assim que a estrutura joga sutilmente, é assim que
ela se alimenta em forma de looping.
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