27/05/2021

O xeque-mate da observação passiva não reativa


O: Essa fase avançada do processo de descondicionamento produz uma enorme carga de ansiedade.

F: Sim, ansiedade misturada com a vontade de não fazer nada daquilo que forçosamente precisa ser feito. Waking dead, Walking life.

O: Mas são apenas ondas de passante energia.

F: Sim, nada mais que isso. É só a base se agitando enquanto é observada passivamente.

O: Essas ondas de energia não podem ser levadas a sério.

F: Claro, são apenas sensações e mais historinhas; só que é muito cansativo, desgastante. Mas veja, há alguns anos atrás não havia a menor possibilidade de ver isso, não tinha como identificar essas ondas e energia, por isso, sempre ocorria a identificação emotiva reativa. Hoje estamos muito menos reativos, algo vai mudando no decorrer da maturação da capacidade de observação. Isso porque, tanto as historinhas como as sensações delas decorrentes, não são mais levadas a sério, portanto, não machucam mais. Só que fica nisso, esse interrupto purgar de histórias e sensações. Você vê que é uma completa piada, pois que cada momento você está numa história diferente... Piada, véio! Mas é isso! Não temos ainda a real; essa observação sem identificação reativa é o máximo que tem. O mais próximo do real é isso: as sensações que temos. Tudo porque a observação vai neutralizando a reatividade. Veja, éramos movidos pela reatividade. A observação deixou claro o quão débil é se identificar com as histórias e sensações e a elas reagir. Não faz sentido! Não resolve! Só alimenta a estrutura. A observação está arrancando a nutrição da estrutura, a qual me parece ser a reação.

O: Vejo que é inegável que já se instalou a base de uma significativa mutação psíquica, só que ficou só numa base, não fundamentou uma nova estruturação descondicionada. Mesmo com essa qualidade de observação passiva e não reativa, ainda permanece a base inquieta, sendo vista pela base de observação não reativa. Insisto que algo além do que conquistamos até aqui com a observação, precisa ocorrer.

F: Precisar, precisa, mas... A observação passiva não reativa é só o que temos até o momento. O que tem é isso: histórias acrescidas de sensações, sendo observados e sentidas de modo passivo e não reativo... Só isso que tem.

O: Sim, é o que temos, sem abrigar nenhuma firula ou cacoete espiritualista.

F: Veja, Out, estes dias eu estava conversando com um familiar, a respeito de outro familiar que quebrou financeiramente, está todo endividado por causa da identificação com a ilusão do jogo sistêmico. Acreditou na ideia de correr muito para ter muito... conhecemos bem esse jogo. Onde quero chegar? Percebo que nós conversamos num nível de troca, a qual é visceralmente cortante, mas o paradoxo é que ela não nos corta mais. Percebo que não tem como conversar com esses familiares, nesse mesmo nível, pois isso rapidamente machuca a pessoalidade, arranha a auto-imagem. A observação tornou nossa palavra muito certeira, cortante no que diz respeito ao cultivo das ilusões. Então, ficou extremamente claro, como já se instalou uma significativa mudança em nosso modo de pensar, sentir e interagir. Mas, pode ser bem isso, a base para uma mutação maior, que é a capacidade de observação relâmpago, ela já está instalada; só nos resta aguardar. Estamos praticamente numa impotência geral.

O: Sim, a base se instalou sem a consciência de que estava sendo instalada. Não existiu um cálculo para instalá-la. Isso foi ocorrendo.

C: Out, cada vez mais, vamos chegando numa mesma percepção: não há nada o que se possa fazer, enquanto na estrutura, para dissolver de vez a velha estrutura...

O: Nada mais do que observar e sentir, sem se identificar com os impulsos emotivos reativos escapistas... algo como que assistir a agonia da estrutura, só isso que vejo ser possível de nossa parte. Não tem nem mais como levantar afirmações, conclusões, crenças do que deve ou não deve ser feito. Só observar enquanto se sente a inquietude, enquanto se percebe as limitações e dependências. Não reagir às passantes ondas de energia. Deixar a estrutura queimar na chama quente da observação. Só ficar observando seus impulsos autocentrados, a forma como ela tende a manipular aos demais para ter a satisfação de seus desejos imaturos.

C: Até mesmo porque, qualquer coisa que se faça, dá no mesmo... Não tem como obter resultado diferente, sendo a própria estrutura, limitada e repetitiva em tudo que é.

O: Não há o que fazer, porque hoje, SOMOS ESSA ESTRUTURA. Pode a mente, apoiada em tudo que já ouviu ou leu, afirmar que não somos isso, que somos puro amor, que somos o Eu Sou e blábláblá... mas, o fato, é que não conhecemos nada disso, só conhecemos a inquietude, a qual é uma derivação da preocupação excessiva com o nosso bem-estar. Repetir isso é o mesmo que repetir “Eu sou Coca-Cola”, até acreditar que é Coca-Cola. Não tem como! Você não é Coca-Cola, do mesmo modo que até aqui, você não é nada de Puros Ser. Sabemos bem como somos e o que somos. Nada é orgânico, é tudo programado e eu achando que tinha me libertado. E lá vem eles novamente – os impulsos emotivos reativos – para tentar cristalizar o sistema psíquico estruturado. Você pode ficar ai pensando, pensando, pensando em como modificar sua vida, em como encontrar sentido para a mesma, em como conseguir substituir uma base de dependência e insegurança, por segurança e amor... pode tentar isso o quanto quiser... Se for sério, vai ver que não tem como por ação do esforço e da vontade. Carência de poder, impotência, esse é o ponto em que chegamos no processo de descondicionamento. Se não surgir um poder superior, permanecemos exatamente onde e como estamos. Isso é claro e facilmente perceptível pois, com o pensamento, a cada instante você pensa uma coisa, acha uma coisa, deseja uma coisa que logo se contradiz no momento seguinte.

C: Não tenho dúvidas, pois já tentamos de todas as formas: livros, filmes, viagens, grupinhos, gurus... foi só mais e mais inquietude.

O: Sim, já tentamos práticas, programações, abstinências, renúncias, métodos de vida... Nada disso alterou de modo substancial a qualidade do nosso estado de ser; sempre permaneceu, antes, durante e depois, a mesma base de inquietude, de desconforto, de inadequação, de senso de estar perdido. Seguindo os limitados cálculos do pensamento, você nunca vai saber o que é viver sem dependência psíquica, não vai saber o que é amor, o que é liberdade, felicidade e um estado de bem-estar comum. Não há como, tentamos isso por décadas, tentamos tudo que o pensamento alheio criou, assim como o que foi criado pelo nosso próprio pensamento. Nunca obtivemos sucesso com essa ferramenta. O fato é que somos insatisfação e inquietude pura, sempre em busca de coisas, atividades, circunstâncias, pessoas, que nos deem, momentaneamente, a ilusão de satisfação, a sensação de que estamos vivendo de verdade, de que estamos em relação real.              

F: Sempre em busca de satisfação cujo pensamento causa uma espécie de adicção, pensamento compulsivo, e não para de pensar, pois é autônomo, causando sensação, vício.

O: Por isso que as redes sociais fizeram tanto sucesso, ao ponto de se tornarem a maior adicção já criada pela espécie humana. Elas nos dão a sensação de que estamos conectados, mas trata-se de uma conexão fake. Como não conseguimos aquele “Click” que solucione de vez o nosso viver, vamos pelas redes sociais, de clique em clique, aparentando uma vida de felicidade e lucidez, mas, no fundo no fundo, tudo não passa de pose: é tudo imagem e ninguém revela o negativo, ninguém revela a inquietude. O mais interessante é que, a cada dia que passa, são muitos os que vão se entediando com a superficialidade do que encontram nessas redes.

C: Acho que não revelam, pelo fato de não saberem que, quando estão buscando, na verdade estão buscando sair da inquietude, e não se dão conta disso.

F: Nós a estamos revelando. Mas para os demais é mais difícil, porque não é óbvio, não dá para ver o fundo.

O: Não conseguem ver o fundo de inquietude, porque se abarrotam de atividades. A cultura não consegue ver nas atividades, uma forma de droga com a qual é possível fugir de si mesmo. Agora, como diz a Deca, tirem eles de suas atividades... deixe que fiquem com eles mesmos e só com eles mesmos, apenas por um dia... Tire-os de suas atividades, dos que eles acreditam ser relações ou mesmo de sua situação financeira... Então, o surto de inquietude se torna inevitável e impossível de ser disfarçado. Então, você verá, em meio de seus surtos de inquietude, a grande maioria recorrendo a condicionamento "Deus", como tentativa desesperada de sair da situação de inquietude. Isso é tão certo quanto o calor do fogo. Já dizia Guilherme Arantes: “A moçada está no cio, são donos da madrugada e não dispensam um agito, em seu coração aflito”.

F: Por hora, estamos sem saída. Xeque-mate.

O: Simples assim!

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