O: Essa fase avançada do processo
de descondicionamento produz uma enorme carga de ansiedade.
F: Sim, ansiedade misturada com a
vontade de não fazer nada daquilo que forçosamente precisa ser feito. Waking
dead, Walking life.
O: Mas são apenas ondas de passante
energia.
F: Sim, nada mais que isso. É só a
base se agitando enquanto é observada passivamente.
O: Essas ondas de energia não
podem ser levadas a sério.
F: Claro, são apenas sensações e
mais historinhas; só que é muito cansativo, desgastante. Mas veja, há alguns anos
atrás não havia a menor possibilidade de ver isso, não tinha como identificar
essas ondas e energia, por isso, sempre ocorria a identificação emotiva
reativa. Hoje estamos muito menos reativos, algo vai mudando no decorrer da
maturação da capacidade de observação. Isso porque, tanto as historinhas como
as sensações delas decorrentes, não são mais levadas a sério, portanto, não
machucam mais. Só que fica nisso, esse interrupto purgar de histórias e
sensações. Você vê que é uma completa piada, pois que cada momento você está numa
história diferente... Piada, véio! Mas é isso! Não temos ainda a real; essa
observação sem identificação reativa é o máximo que tem. O mais próximo do real
é isso: as sensações que temos. Tudo porque a observação vai neutralizando a
reatividade. Veja, éramos movidos pela reatividade. A observação deixou claro o
quão débil é se identificar com as histórias e sensações e a elas reagir. Não
faz sentido! Não resolve! Só alimenta a estrutura. A observação está arrancando
a nutrição da estrutura, a qual me parece ser a reação.
O: Vejo que é inegável que já se
instalou a base de uma significativa mutação psíquica, só que ficou só numa
base, não fundamentou uma nova estruturação descondicionada. Mesmo com essa
qualidade de observação passiva e não reativa, ainda permanece a base inquieta,
sendo vista pela base de observação não reativa. Insisto que algo além do que conquistamos
até aqui com a observação, precisa ocorrer.
F: Precisar, precisa, mas... A observação
passiva não reativa é só o que temos até o momento. O que tem é isso: histórias
acrescidas de sensações, sendo observados e sentidas de modo passivo e não
reativo... Só isso que tem.
O: Sim, é o que temos, sem abrigar
nenhuma firula ou cacoete espiritualista.
F: Veja, Out, estes dias eu estava
conversando com um familiar, a respeito de outro familiar que quebrou
financeiramente, está todo endividado por causa da identificação com a ilusão
do jogo sistêmico. Acreditou na ideia de correr muito para ter muito...
conhecemos bem esse jogo. Onde quero chegar? Percebo que nós conversamos num
nível de troca, a qual é visceralmente cortante, mas o paradoxo é que ela não
nos corta mais. Percebo que não tem como conversar com esses familiares, nesse
mesmo nível, pois isso rapidamente machuca a pessoalidade, arranha a
auto-imagem. A observação tornou nossa palavra muito certeira, cortante no que
diz respeito ao cultivo das ilusões. Então, ficou extremamente claro, como já
se instalou uma significativa mudança em nosso modo de pensar, sentir e
interagir. Mas, pode ser bem isso, a base para uma mutação maior, que é a
capacidade de observação relâmpago, ela já está instalada; só nos resta
aguardar. Estamos praticamente numa impotência geral.
O: Sim, a base se instalou sem a
consciência de que estava sendo instalada. Não existiu um cálculo para
instalá-la. Isso foi ocorrendo.
C: Out, cada vez mais, vamos chegando
numa mesma percepção: não há nada o que se possa fazer, enquanto na estrutura,
para dissolver de vez a velha estrutura...
O: Nada mais do que observar e
sentir, sem se identificar com os impulsos emotivos reativos escapistas... algo
como que assistir a agonia da estrutura, só isso que vejo ser possível de nossa
parte. Não tem nem mais como levantar afirmações, conclusões, crenças do que
deve ou não deve ser feito. Só observar enquanto se sente a inquietude,
enquanto se percebe as limitações e dependências. Não reagir às passantes ondas
de energia. Deixar a estrutura queimar na chama quente da observação. Só ficar
observando seus impulsos autocentrados, a forma como ela tende a manipular aos
demais para ter a satisfação de seus desejos imaturos.
C: Até mesmo porque, qualquer
coisa que se faça, dá no mesmo... Não tem como obter resultado diferente, sendo
a própria estrutura, limitada e repetitiva em tudo que é.
O: Não há o que fazer, porque
hoje, SOMOS ESSA ESTRUTURA. Pode a mente, apoiada em tudo que já ouviu ou leu, afirmar
que não somos isso, que somos puro amor, que somos o Eu Sou e blábláblá... mas,
o fato, é que não conhecemos nada disso, só conhecemos a inquietude, a qual é uma
derivação da preocupação excessiva com o nosso bem-estar. Repetir isso é o
mesmo que repetir “Eu sou Coca-Cola”, até acreditar que é Coca-Cola. Não tem
como! Você não é Coca-Cola, do mesmo modo que até aqui, você não é nada de Puros
Ser. Sabemos bem como somos e o que somos. Nada é orgânico, é tudo programado e
eu achando que tinha me libertado. E lá vem eles novamente – os impulsos
emotivos reativos – para tentar cristalizar o sistema psíquico estruturado. Você
pode ficar ai pensando, pensando, pensando em como modificar sua vida, em como
encontrar sentido para a mesma, em como conseguir substituir uma base de
dependência e insegurança, por segurança e amor... pode tentar isso o quanto
quiser... Se for sério, vai ver que não tem como por ação do esforço e da
vontade. Carência de poder, impotência, esse é o ponto em que chegamos no
processo de descondicionamento. Se não surgir um poder superior, permanecemos
exatamente onde e como estamos. Isso é claro e facilmente perceptível pois, com
o pensamento, a cada instante você pensa uma coisa, acha uma coisa, deseja uma
coisa que logo se contradiz no momento seguinte.
C: Não tenho dúvidas, pois já
tentamos de todas as formas: livros, filmes, viagens, grupinhos, gurus... foi
só mais e mais inquietude.
O: Sim, já tentamos práticas,
programações, abstinências, renúncias, métodos de vida... Nada disso alterou de
modo substancial a qualidade do nosso estado de ser; sempre permaneceu, antes,
durante e depois, a mesma base de inquietude, de desconforto, de inadequação,
de senso de estar perdido. Seguindo os limitados cálculos do pensamento, você
nunca vai saber o que é viver sem dependência psíquica, não vai saber o que é
amor, o que é liberdade, felicidade e um estado de bem-estar comum. Não há
como, tentamos isso por décadas, tentamos tudo que o pensamento alheio criou,
assim como o que foi criado pelo nosso próprio pensamento. Nunca obtivemos sucesso
com essa ferramenta. O fato é que somos insatisfação e inquietude pura, sempre
em busca de coisas, atividades, circunstâncias, pessoas, que nos deem, momentaneamente,
a ilusão de satisfação, a sensação de que estamos vivendo de verdade, de que
estamos em relação real.
F: Sempre em busca de satisfação
cujo pensamento causa uma espécie de adicção, pensamento compulsivo, e não para
de pensar, pois é autônomo, causando sensação, vício.
O: Por isso que as redes sociais
fizeram tanto sucesso, ao ponto de se tornarem a maior adicção já criada pela
espécie humana. Elas nos dão a sensação de que estamos conectados, mas trata-se
de uma conexão fake. Como não conseguimos aquele “Click” que solucione de vez o
nosso viver, vamos pelas redes sociais, de clique em clique, aparentando uma
vida de felicidade e lucidez, mas, no fundo no fundo, tudo não passa de pose: é
tudo imagem e ninguém revela o negativo, ninguém revela a inquietude. O mais
interessante é que, a cada dia que passa, são muitos os que vão se entediando
com a superficialidade do que encontram nessas redes.
C: Acho que não revelam, pelo fato
de não saberem que, quando estão buscando, na verdade estão buscando sair da
inquietude, e não se dão conta disso.
F: Nós a estamos revelando. Mas
para os demais é mais difícil, porque não é óbvio, não dá para ver o fundo.
O: Não conseguem ver o fundo de
inquietude, porque se abarrotam de atividades. A cultura não consegue ver nas
atividades, uma forma de droga com a qual é possível fugir de si mesmo. Agora,
como diz a Deca, tirem eles de suas atividades... deixe que fiquem com eles
mesmos e só com eles mesmos, apenas por um dia... Tire-os de suas atividades,
dos que eles acreditam ser relações ou mesmo de sua situação financeira...
Então, o surto de inquietude se torna inevitável e impossível de ser
disfarçado. Então, você verá, em meio de seus surtos de inquietude, a grande
maioria recorrendo a condicionamento "Deus", como tentativa
desesperada de sair da situação de inquietude. Isso é tão certo quanto o calor do
fogo. Já dizia Guilherme Arantes: “A moçada está no cio, são donos da madrugada
e não dispensam um agito, em seu coração aflito”.
F: Por hora, estamos sem saída.
Xeque-mate.
O: Simples assim!
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