05/05/2021

Observando o looping sem real sentido de ser

 

O: É impressionante perceber a variação da carga emocional ocorrendo, ver o delírio sem entrar nele, ver que a carga passa, ver que o delírio é composto por uma mistura de imagens e sensações angustiantes.

F: Mais interessante são as sensações; eu diria até física emocionais que o “corpo” apresenta.

O: A estrutura lança história e mais histórias compondo o delírio.

F: Delírio é percebido muitas vezes como própria reação dessas histórias mentais, para não ficar com a inquietante sensação... Sensação pura por si e broca!

O: Com o amadurecimento da observação passiva e não reativa, as histórias mentais não incomodam mais, já não tem o poder de causar identificação emotiva reativa; elas são vistas apenas como mais um looping de histórias.

F: Como as sensações oscilam muito, há momentos que a coisa entorta: aperta o peito e a garganta, faz uma pressão na cabeça. O foda é a sensação corporal... Quem ainda está identificado com o conteúdo do imaginal condicionado, isso não faz sentido; mas aqui já entramos noutra coisa que centrou a atenção nas sensações, indo além até das reações sentimentais. Se quiser nomear, pode chamar de inquietação... É broca: acordamos e a coisa já está aí, queimando peito, garganta e cabeça. O delírio está presente, mas, como a observação, caiu para as sensações, e isso mudou tudo, pois já não nos perdemos reagindo emotivamente ao delírio.

O: Bem isso!

F: Com o amadurecimento da observação passiva não reativa, entramos numa espécie de outra coisa, onde as reações caem muito.

O: Não nos perdemos nem nas imagens e nem nas sensações.

F: Porque vemos que não há sentido nem ligação entre isso que sentimos e a própria reação, seja ela raiva, pensamentos ou delírios, etc. Geralmente, o que ocorria era a inconsciente identificação emotiva reativa, mas agora, não há mais link com nada disso. Antes era só explosão reativa, era como uma espécie de hábito, sei lá o que. Se observar bem, poderá constatar isso por si mesmo.

O: Sim.

F: Agora ficamos no olho do furacão: as reações parecem que vão entrar... Não estou dizendo que dependendo do caso não explodimos. Longe disso! Ainda ocorrem recaídas de inconsciente identificação, mas já não é mais como antes, que era tudo reações inconscientes e inconsequentes. Agora tudo que é projetado pela mente e pelo sensorial, está sendo visto com um grande distanciamento. Até mesmo quando ocorrem as recaídas na identificação emotiva reativa; mas não há mais sentido em se identificar com o impulso reativo. Reagir pra que? Percebe essa questão? Claro que você percebe! Então, por que reagir? Se estamos só aqui nesse ponto das sensações, podemos entrar no delírio, mas de que serve isso? De que serve alimentar o looping de reações?

O: Concordo: É uma agonia estrutural assistida de modo silencioso, passivo e não reativo.

F: Nesse momento do processo, muita coisa que lemos dos ditos mestres está sendo contestado.

O: Exato! Os livros da estante, já não tem mais importância, de tudo que li, de tudo que sei, nada me resta.

F: Quase tudo que foi dito conseguimos contestar claramente. Antes liamos por fuga, mas já não é mais possível nem a fuga por livros e mestres. Quando se chega nesse momento, não tem mais opção de fuga, chegamos num xeque-mate, pois a fuga é agonia ao quadrado ou pior, um campo minado. Agora, a observação nos faz ficar com a agonia primária. Fora isso, vai tomar uma cascata de emoções e sensações. Xeque!

O: Todo impulso de fuga é percebido, mesmo a fuga das conversas por whatsapp.

F: Cada um tem que ficar bem com o seu nó na garganta e aperto no peito, constatando que é isso que tem; com variações que nos levam a ver que alguns sentimentos sempre estavam aí, mas nunca fomos capazes de senti-los como agora.

O: Aqui é percebido a necessidade da ocorrência de algo que podemos chamar de um “integrativo insight libertário”, uma ocorrência interna que apresente a realidade do que é o viver, pois o looping do delírio tira o sentido de tudo... Com ele surge uma sensação de luto, como se tudo que nos identificávamos antes estivesse morrendo... Trabalho, relação, interesses, conhecimentos, hobbies, valores, crenças, o que acaba nos tirando o senso de direção. O dia fica numa deriva, sem sentido real e consciente; ficamos a mercê do que nossa estrutura condicionada nos apresenta, bem como os acontecimentos dos ambientes.

F: Isso é forte, totalmente à mercê. Por isso que eu disse que questionamos tudo que foi lido e que é dito. Mas sinto que o que está acontecendo conosco por meio da observação passiva não reativa, está limpando nosso cérebro; mas ainda não limpou a totalidade das nossas células cerebrais. Parece-me que há a necessidade de outro choque, mas não temos o que fazer para que ele ocorra. Ficamos aqui, vendo as estranhas se revirando, o que para mim, hoje é visto como lucro. O que tem pra hoje é ficar com isso sem se entregar pra qualquer tipo de fuga quanto ao que é sentido. É isso! Nem tem inteligência cair na reação. Mas tipo: não cutuquem muito.

O: Sim, é o arquétipo cristão: “Não me toque, pois, ainda não estou pronto” Se não ocorrer uma mutação total na capacidade de percepção e interação, ficamos nisto, onde há sempre a possibilidade de recaídas na imatura e inconsequente identificação emotiva reativa.

F: Com certeza! O que fica muito claro, é que tudo que encontramos aí no modo operantis de vida, não tem mais sentido de ser seguido.

O: Sim, daí que surge a inevitável questão: Então, o que é o viver correto?

F: Essa pergunta surge sem resposta alguma. Fica o vácuo! O que tem por aí, busca de reconhecimento e prestígio, likes, estátua, diploma, nome de rua, de ponte, de rodovia, de livro, de filme, artigos científicos, conta bancária recheada, etc., tudo isso é visto como ilusão. Não há mais como investir nisso. Não estou afim, de modo algum! Mesmo a música ou outra forma de expressão artística... Tudo acaba caindo no looping e enchendo o saco. Saber tocar um instrumento é legal, mas uma vez a cada 6 meses.

O: Compreendo isso muito bem, pois aqui, a própria Aquarela já está virando um looping, uma obrigação de renda.

F: Não há como não rir disso!

O: parece-me que, enquanto na estrutura condicionada, tudo acaba caindo no looping entediante.

F: Percebo o mesmo aqui!

O: Em vista disso, surge a pergunta sempre sem resposta: o que é o viver correto? Mas quem é que aguenta ficar sem a resposta? Todos preferem sair correndo atrás de alguém que prometa a resposta... Ninguém quer ficar com a observação do que realmente temos, a inquietude da estrutura. Todos preferem se agarrar numa ilusão, alimentar mais uma forma de dependência, cultuar mais um mestre.

F: Claro que não querem isso. Não conseguem sustentar o olhar sobre a inquietude. Se pegar aí, de todos que chegaram no paradigma, não ficou um. Mas quem passou por aqui, também deve estar na agonia. Enfim! Não vem ao caso!

O: Ficou ninguém!

F: Aqui, o que tem é a realidade da inquietude; não há como negar; acordo, passo o dia e deito com ela.

O: Looping de inquietude assistida. Delírio sentido de modo consciente.

F: Exato. Esse é um ótimo termo. O que tem é o peito queimando, a garganta entalada e a pressão nas têmporas. Mandíbula chega ficar presa. Língua colada no céu da boca que está sempre seca e amarga. Pele parece que está enrugando para dentro, a face parece que está retraindo... Você vê a morte físico chegando... Quem diria que seria possível ver tudo isso de modo passivo e não reativo.

O: Há a percepção de que agir como fuga dessa inquietação, é mais uma forma de delírio.

F: Ainda tem isso! Muito loko! Tudo isso é visto de modo muito consciente, onde o desespero é zero.

O: O delírio pede pela morte física.

F: O impulso pela morte física é tudo conteúdo do imaginal. Está claro que é sempre ele em suas variações de condicionamentos.

O: Outra forma de fuga, outro ilusório impulso emotivo reativo escapista. Tudo isso é visto de modo consciente.

F: Eu acho que alguns filmes retratam legal esse delírio mesmo. Os caras têm até umas imagens quando lá no desespero e agonia, principalmente os filmes de guerra e de tortura. Mas acho que tudo é no cérebro, na mente adquirida com base no medo. Já vimos que não tem nada fora. Você viveu isso. Eu dois lances aqui.

O: Tudo filme mental.

F: Acho que tudo é na mente mesmo, aí colocaram no papel, como no filme “Zohart”.

O: Tem que ocorrer uma mutação na qualidade da percepção e no sensorial.

F: Sim, algo, mesmo que seja no intestino, mas que afete tudo de modo realmente significativo. Não importa onde.

O: Algo que traga Graça e sentido real no viver. Que traga o conhecimento do que é estar em real conexão, em real relação.

F: É bem isso aí que eu sinto; é por aí. Enquanto isso não surge, o que fica é o que temos: peito queimando, garganta entalada, zumbido nos ouvidos... Aqui não tem esse momento de quietude que alguns confrades dizem terem atingido atingiu.

O: Essa ilusão de quietude, é parte do delírio, todos passam por isso. Não me iludo com palavras.

F: Sábado, fiquei com a agonia da angústia o dia todo, sem fugir dela, e não findou. Domingo ela me deu bom dia antes de eu acordar... E o looping de inquietude continuou na segunda, terça e hoje...

O: Acorda e dorme... e ela está lá.

F: Aqui é assim! É uma sensação de estarmos sumindo para dentro do peito... Ao invés de expandir, contrai. Pode respeitar fundo que a respiração permanece encolhida, não vai, não retoma seu ritmo natural. Sorte de quem acabou isso. Muita sorte!

O: Isso não vem ao caso, não interessa se alguém conseguiu ou não. Isso é o mesmo que estar com fome e dizer: “sorte de quem comeu”.

F: Óbvio que não! Paranoid Android.

O: A real é que o nosso viver, até aqui, tem sido um looping sem real sentido de ser. Sempre estivemos caçando sentido, algo que nos faça sentir algo diferente da inquietude sentida... Filiações, instituições, atividades, ambientes, substâncias, crenças, conhecimentos, fugas geográficas, mais e mais investimentos, hobbies, casos românticos sexuais, filhos, netos... Infindáveis variações de fugas da solitária e inquietante realidade que vivemos... Noticiários, Jogos, aplicativos, compras, tv, cinema, rádio, expressões artísticas ou esportivas... Agora, tudo é visto como algo sem sentido real, pois nada disso é capaz de nos fazer transcender a inquietude estruturada por décadas. O que ajuda é perceber, de imediato, os filmes da estrutura na sua tentativa de projeção reativa.

F: Sim! Quando a gente chega neste ponto de perceber e ficar com essa oscilação das sensações que surgem do imaginal e que ocorrem o tempo todo... quando chegamos nesse momento, constatamos que o imaginal sensorial perde muito sentido, perde a força e influência. Na verdade, o imaginal sensorial é a própria fuga dessa inquietude. Só que como essa inquietude e essas sensações, como de alguma forma a observação se voltou para elas, você não consegue sair disso. Não consegue! Tudo é muito rápido!

O: Chamo isso de “observação relâmpago”.

F: Tudo é visto muito rápido, não tem sentido algum se identificar com o que é pedido pelo imaginal sensorial condicionado, agitado, inquieto. Os pensamentos, as histórias, os filmes, as projeções mentais, não têm nenhum sentido. Então, a própria tentativa de sair disso, quadruplica o conteúdo do fluxo mecânico e não solicitado do imaginal sensorial condicionado. Aumenta muito a quantidade de projeção. A observação produz um alerta muito rápido, quase que instantâneo ao conteúdo projetado de modo não solicitado. Então, você não tem mais opção de fuga, não tem mais como fugir de observar e sentir a inquietude. Esse é o ponto. Não tem como fugir! Quem chegou nesta etapa do processo de descondicionamento, não tem como fugir. Aqui a inquietude não termina. Não teve esse chegar em algo gosto. Aqui não deu! Aqui não chegou! Você vê que a observação passiva e não reativa sobre essas sensações, permite que as histórias se encaixem e explique o porquê delas.

O: Como já vimos antes, a observação passiva não reativa carece de um poder maior pelo qual o looping da inquietude possa ser dissolvido. É preciso que ocorra o despertar de um poder maior de percepção da realidade, uma percepção que produza integração entre mente e coração, entre o que somos e tudo que é. Sem isso, parece-me que estamos fadados a uma vida sem sentido e sem saber o que é comunhão real. O que a observação tem produzido até aqui, é a capacidade de não identificação com o fluxo, mas só por meio dela, somos passiveis de recaídas na imatura identificação emotiva reativa e, como bem sabemos, cada recaída dessas, é utilizada pelo próprio imaginal, para realimentar seu conteúdo, pelo qual faz sempre exigências de si mesmo e dos demais. O que precisamos é de um poder superior de percepção da realidade, uma percepção que transcenda os limites da estrutura condicionada e dependente pela qual funcionamos neste mundo. Sem isso, é mais do mesmo insatisfatório conhecido, é mais da inquietude da desconexão.

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