O: É impressionante perceber a
variação da carga emocional ocorrendo, ver o delírio sem entrar nele, ver que a
carga passa, ver que o delírio é composto por uma mistura de imagens e
sensações angustiantes.
F: Mais interessante são as
sensações; eu diria até física emocionais que o “corpo” apresenta.
O: A estrutura lança história e
mais histórias compondo o delírio.
F: Delírio é percebido muitas
vezes como própria reação dessas histórias mentais, para não ficar com a inquietante
sensação... Sensação pura por si e broca!
O: Com o amadurecimento da
observação passiva e não reativa, as histórias mentais não incomodam mais, já
não tem o poder de causar identificação emotiva reativa; elas são vistas apenas
como mais um looping de histórias.
F: Como as sensações oscilam
muito, há momentos que a coisa entorta: aperta o peito e a garganta, faz uma
pressão na cabeça. O foda é a sensação corporal... Quem ainda está identificado
com o conteúdo do imaginal condicionado, isso não faz sentido; mas aqui já entramos
noutra coisa que centrou a atenção nas sensações, indo além até das reações
sentimentais. Se quiser nomear, pode chamar de inquietação... É broca: acordamos
e a coisa já está aí, queimando peito, garganta e cabeça. O delírio está presente,
mas, como a observação, caiu para as sensações, e isso mudou tudo, pois já não
nos perdemos reagindo emotivamente ao delírio.
O: Bem isso!
F: Com o amadurecimento da
observação passiva não reativa, entramos numa espécie de outra coisa, onde as
reações caem muito.
O: Não nos perdemos nem nas
imagens e nem nas sensações.
F: Porque vemos que não há
sentido nem ligação entre isso que sentimos e a própria reação, seja ela raiva,
pensamentos ou delírios, etc. Geralmente, o que ocorria era a inconsciente identificação
emotiva reativa, mas agora, não há mais link com nada disso. Antes era só explosão
reativa, era como uma espécie de hábito, sei lá o que. Se observar bem, poderá
constatar isso por si mesmo.
O: Sim.
F: Agora ficamos no olho do
furacão: as reações parecem que vão entrar... Não estou dizendo que dependendo
do caso não explodimos. Longe disso! Ainda ocorrem recaídas de inconsciente
identificação, mas já não é mais como antes, que era tudo reações inconscientes
e inconsequentes. Agora tudo que é projetado pela mente e pelo sensorial, está sendo
visto com um grande distanciamento. Até mesmo quando ocorrem as recaídas na
identificação emotiva reativa; mas não há mais sentido em se identificar com o
impulso reativo. Reagir pra que? Percebe essa questão? Claro que você percebe! Então,
por que reagir? Se estamos só aqui nesse ponto das sensações, podemos entrar no
delírio, mas de que serve isso? De que serve alimentar o looping de reações?
O: Concordo: É uma agonia
estrutural assistida de modo silencioso, passivo e não reativo.
F: Nesse momento do processo, muita
coisa que lemos dos ditos mestres está sendo contestado.
O: Exato! Os livros da estante,
já não tem mais importância, de tudo que li, de tudo que sei, nada me resta.
F: Quase tudo que foi dito
conseguimos contestar claramente. Antes liamos por fuga, mas já não é mais
possível nem a fuga por livros e mestres. Quando se chega nesse momento, não
tem mais opção de fuga, chegamos num xeque-mate, pois a fuga é agonia ao
quadrado ou pior, um campo minado. Agora, a observação nos faz ficar com a agonia
primária. Fora isso, vai tomar uma cascata de emoções e sensações. Xeque!
O: Todo impulso de fuga é percebido,
mesmo a fuga das conversas por whatsapp.
F: Cada um tem que ficar bem com
o seu nó na garganta e aperto no peito, constatando que é isso que tem; com
variações que nos levam a ver que alguns sentimentos sempre estavam aí, mas
nunca fomos capazes de senti-los como agora.
O: Aqui é percebido a necessidade
da ocorrência de algo que podemos chamar de um “integrativo insight libertário”,
uma ocorrência interna que apresente a realidade do que é o viver, pois o looping
do delírio tira o sentido de tudo... Com ele surge uma sensação de luto, como se
tudo que nos identificávamos antes estivesse morrendo... Trabalho, relação, interesses,
conhecimentos, hobbies, valores, crenças, o que acaba nos tirando o senso de
direção. O dia fica numa deriva, sem sentido real e consciente; ficamos a mercê
do que nossa estrutura condicionada nos apresenta, bem como os acontecimentos dos
ambientes.
F: Isso é forte, totalmente à
mercê. Por isso que eu disse que questionamos tudo que foi lido e que é dito.
Mas sinto que o que está acontecendo conosco por meio da observação passiva não
reativa, está limpando nosso cérebro; mas ainda não limpou a totalidade das
nossas células cerebrais. Parece-me que há a necessidade de outro choque, mas
não temos o que fazer para que ele ocorra. Ficamos aqui, vendo as estranhas se
revirando, o que para mim, hoje é visto como lucro. O que tem pra hoje é ficar com
isso sem se entregar pra qualquer tipo de fuga quanto ao que é sentido. É isso!
Nem tem inteligência cair na reação. Mas tipo: não cutuquem muito.
O: Sim, é o arquétipo cristão: “Não
me toque, pois, ainda não estou pronto” Se não ocorrer uma mutação total na
capacidade de percepção e interação, ficamos nisto, onde há sempre a
possibilidade de recaídas na imatura e inconsequente identificação emotiva
reativa.
F: Com certeza! O que fica muito
claro, é que tudo que encontramos aí no modo operantis de vida, não tem mais sentido
de ser seguido.
O: Sim, daí que surge a inevitável
questão: Então, o que é o viver correto?
F: Essa pergunta surge sem
resposta alguma. Fica o vácuo! O que tem por aí, busca de reconhecimento e
prestígio, likes, estátua, diploma, nome de rua, de ponte, de rodovia, de livro,
de filme, artigos científicos, conta bancária recheada, etc., tudo isso é visto
como ilusão. Não há mais como investir nisso. Não estou afim, de modo algum!
Mesmo a música ou outra forma de expressão artística... Tudo acaba caindo no
looping e enchendo o saco. Saber tocar um instrumento é legal, mas uma vez a
cada 6 meses.
O: Compreendo isso muito bem,
pois aqui, a própria Aquarela já está virando um looping, uma obrigação de
renda.
F: Não há como não rir disso!
O: parece-me que, enquanto na
estrutura condicionada, tudo acaba caindo no looping entediante.
F: Percebo o mesmo aqui!
O: Em vista disso, surge a pergunta
sempre sem resposta: o que é o viver correto? Mas quem é que aguenta ficar sem
a resposta? Todos preferem sair correndo atrás de alguém que prometa a
resposta... Ninguém quer ficar com a observação do que realmente temos, a
inquietude da estrutura. Todos preferem se agarrar numa ilusão, alimentar mais
uma forma de dependência, cultuar mais um mestre.
F: Claro que não querem isso. Não
conseguem sustentar o olhar sobre a inquietude. Se pegar aí, de todos que chegaram
no paradigma, não ficou um. Mas quem passou por aqui, também deve estar na
agonia. Enfim! Não vem ao caso!
O: Ficou ninguém!
F: Aqui, o que tem é a realidade
da inquietude; não há como negar; acordo, passo o dia e deito com ela.
O: Looping de inquietude
assistida. Delírio sentido de modo consciente.
F: Exato. Esse é um ótimo termo.
O que tem é o peito queimando, a garganta entalada e a pressão nas têmporas. Mandíbula
chega ficar presa. Língua colada no céu da boca que está sempre seca e amarga. Pele
parece que está enrugando para dentro, a face parece que está retraindo... Você
vê a morte físico chegando... Quem diria que seria possível ver tudo isso de
modo passivo e não reativo.
O: Há a percepção de que agir
como fuga dessa inquietação, é mais uma forma de delírio.
F: Ainda tem isso! Muito loko! Tudo
isso é visto de modo muito consciente, onde o desespero é zero.
O: O delírio pede pela morte
física.
F: O impulso pela morte física é
tudo conteúdo do imaginal. Está claro que é sempre ele em suas variações de
condicionamentos.
O: Outra forma de fuga, outro ilusório
impulso emotivo reativo escapista. Tudo isso é visto de modo consciente.
F: Eu acho que alguns filmes
retratam legal esse delírio mesmo. Os caras têm até umas imagens quando lá no
desespero e agonia, principalmente os filmes de guerra e de tortura. Mas acho que
tudo é no cérebro, na mente adquirida com base no medo. Já vimos que não tem
nada fora. Você viveu isso. Eu dois lances aqui.
O: Tudo filme mental.
F: Acho que tudo é na mente mesmo,
aí colocaram no papel, como no filme “Zohart”.
O: Tem que ocorrer uma mutação na
qualidade da percepção e no sensorial.
F: Sim, algo, mesmo que seja no
intestino, mas que afete tudo de modo realmente significativo. Não importa onde.
O: Algo que traga Graça e sentido
real no viver. Que traga o conhecimento do que é estar em real conexão, em real
relação.
F: É bem isso aí que eu sinto; é
por aí. Enquanto isso não surge, o que fica é o que temos: peito queimando,
garganta entalada, zumbido nos ouvidos... Aqui não tem esse momento de quietude
que alguns confrades dizem terem atingido atingiu.
O: Essa ilusão de quietude, é
parte do delírio, todos passam por isso. Não me iludo com palavras.
F: Sábado, fiquei com a agonia da
angústia o dia todo, sem fugir dela, e não findou. Domingo ela me deu bom dia
antes de eu acordar... E o looping de inquietude continuou na segunda, terça e
hoje...
O: Acorda e dorme... e ela está
lá.
F: Aqui é assim! É uma sensação
de estarmos sumindo para dentro do peito... Ao invés de expandir, contrai. Pode
respeitar fundo que a respiração permanece encolhida, não vai, não retoma seu
ritmo natural. Sorte de quem acabou isso. Muita sorte!
O: Isso não vem ao caso, não
interessa se alguém conseguiu ou não. Isso é o mesmo que estar com fome e dizer:
“sorte de quem comeu”.
F: Óbvio que não! Paranoid
Android.
O: A real é que o nosso viver,
até aqui, tem sido um looping sem real sentido de ser. Sempre estivemos caçando
sentido, algo que nos faça sentir algo diferente da inquietude sentida... Filiações,
instituições, atividades, ambientes, substâncias, crenças, conhecimentos, fugas
geográficas, mais e mais investimentos, hobbies, casos românticos sexuais, filhos,
netos... Infindáveis variações de fugas da solitária e inquietante realidade
que vivemos... Noticiários, Jogos, aplicativos, compras, tv, cinema, rádio, expressões
artísticas ou esportivas... Agora, tudo é visto como algo sem sentido real,
pois nada disso é capaz de nos fazer transcender a inquietude estruturada por décadas.
O que ajuda é perceber, de imediato, os filmes da estrutura na sua tentativa de
projeção reativa.
F: Sim! Quando a gente chega
neste ponto de perceber e ficar com essa oscilação das sensações que surgem do
imaginal e que ocorrem o tempo todo... quando chegamos nesse momento,
constatamos que o imaginal sensorial perde muito sentido, perde a força e
influência. Na verdade, o imaginal sensorial é a própria fuga dessa inquietude.
Só que como essa inquietude e essas sensações, como de alguma forma a
observação se voltou para elas, você não consegue sair disso. Não consegue!
Tudo é muito rápido!
O: Chamo isso de “observação relâmpago”.
F: Tudo é visto muito rápido, não
tem sentido algum se identificar com o que é pedido pelo imaginal sensorial
condicionado, agitado, inquieto. Os pensamentos, as histórias, os filmes, as
projeções mentais, não têm nenhum sentido. Então, a própria tentativa de sair
disso, quadruplica o conteúdo do fluxo mecânico e não solicitado do imaginal
sensorial condicionado. Aumenta muito a quantidade de projeção. A observação
produz um alerta muito rápido, quase que instantâneo ao conteúdo projetado de
modo não solicitado. Então, você não tem mais opção de fuga, não tem mais como
fugir de observar e sentir a inquietude. Esse é o ponto. Não tem como fugir!
Quem chegou nesta etapa do processo de descondicionamento, não tem como fugir.
Aqui a inquietude não termina. Não teve esse chegar em algo gosto. Aqui não
deu! Aqui não chegou! Você vê que a observação passiva e não reativa sobre
essas sensações, permite que as histórias se encaixem e explique o porquê delas.
O: Como já vimos antes, a observação passiva não reativa carece de um poder maior pelo qual o looping da inquietude possa ser dissolvido. É preciso que ocorra o despertar de um poder maior de percepção da realidade, uma percepção que produza integração entre mente e coração, entre o que somos e tudo que é. Sem isso, parece-me que estamos fadados a uma vida sem sentido e sem saber o que é comunhão real. O que a observação tem produzido até aqui, é a capacidade de não identificação com o fluxo, mas só por meio dela, somos passiveis de recaídas na imatura identificação emotiva reativa e, como bem sabemos, cada recaída dessas, é utilizada pelo próprio imaginal, para realimentar seu conteúdo, pelo qual faz sempre exigências de si mesmo e dos demais. O que precisamos é de um poder superior de percepção da realidade, uma percepção que transcenda os limites da estrutura condicionada e dependente pela qual funcionamos neste mundo. Sem isso, é mais do mesmo insatisfatório conhecido, é mais da inquietude da desconexão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário