O: Uma coisa que é muito difícil de ser aceito pela
condicionada mente adquirida, é a afirmação de que se não há o fluxo mecânico
do imaginal, não há sensação.
F: Não significa não ter sensações; antes ficamos
anos presos, agora ficamos menos. Um processo que segue.
O: Seu pensamento está como o do adicto que não
acredita num viver sem drogas, só que aqui não acredita num viver sem sensações.
Mas veja, no estado do UM sem um segundo, como pode haver sensação? O que vai
causá-las? Só há sensação quando há resquício da estrutura condicionada. Foi o
que lhe aconteceu naquela inusitada e bem-aventurada experiência na estrada
enquanto guiava o carro... O: ainda
havia a estrutura e foi ela quem trouxe a sensação de medo que acabou
interrompendo a experiência.
F: Sim.
O: Essa conversa só fará sentido para quem já
vivenciou uma pequena amostra do estado incondicionado de ser. A lógica
condicionada nunca aceitará isso. A lógica condicionada tem olhos de ver mas
não vê.
F: Nunca aceitará!
O: O lance é conseguir ficar com a sensação que for,
mesmo que seja uma forma de sensação depressiva, sem fugir dela.
F: Esse me parece ser o grande o lance do momento
do processo.
O: Senti-la com cada célula do ser que somos, sem
falar sobre ela, sem querer afastá-la.
F: Exato, sem qualquer tipo de mimimi.
O: Deixar que a sensação manifesta, produza o
colapso mental emocional.
F: Talvez seja isso que produza o lapso na
estrutura.
O: Sim, o lapso na mecanicidade não solicitada da
estrutura condicionada. Se o lapso ocorrer, é como o estouro de um dique: desmonta,
de imediato, a totalidade da estrutura.
F: Sim. Mas veja que o Krishnamurti, durante anos,
teve vários lapsos que foram mudando a qualidade de funcionamento de sua
estrutura psíquica.
O: Nós também tivemos vários lapsos até aqui. A
estrutura condicionada é como uma pele do incondicionado... a pele tem que cair.
A estrutura condicionada é uma rede de manias, tendências, traumas,
preconceitos e limitações... basta um buraco na rede... num de seus pontos.
F: Sim, não fazer remendos de fuga, deixar minar.
O: Sim, só isso, e o que tiver que ser, será. Tudo
se resume a um fluxo de projeções e sensações advindas dessas projeções. As
projeções já não incomodam como antes, já não assustam, já não governam. Precisamos
chegar no mesmo ponto no que diz respeito as sensações. Quem sabe isso cause o
furo na rede da estrutura. A observação já furou o poder do imaginal, ela levou
o imaginal a um colapso; agora falta o colapso do sensorial.
F: Veja que pode ser igual aqueles vidros de box: existe
um ponto nessa estrutura, que se pegar ali, quebra o vidro todo.
O: Lembra-se daquela noite em que o fluxo do seu
imaginal era tão grande que você pensou que iria enlouquecer? Eu também passei
por isso. Ali foi o lapso no imaginal, onde nos desplugamos dele, deixamos de
acreditar que éramos ele com seu conteúdo.
F: Com outros confrades que chegaram comigo, também
foi assim.
O: Me parece que agora estamos vivendo isso no
sensorial, por meio de uma variação de inquietude, oco e profunda ansiedade.
F: Sinto o mesmo!
O: Veja que o fluxo funciona com certa
intermitência.
F: Sim, variações de sensações, percebo isso aqui.
O: A intermitência é muita rápida, sendo que antigamente,
a intermitência levava dias. Agora, há uma intermitência de segundos ou no
máximo, alguns minutos; a intermitência sensorial levava dias porque havia
identificação inconsciente. Agora, a intermitência ocorre no ato da
identificação.
F: Sim, mas é muito sútil, que a própria
identificação, a ciência da sensação, quase que a rotula no ato.
O: Você identifica, sem com ela se identificar, e a
sensação desmonta no ato. Só que ainda fica um resquício hormonal, mas desmonta
a possibilidade da ilusória e adulterante identificação com a sensação.
F: Fica algo somático mesmo.
O: Você sente a carga de adrenalina, mas ocorre a
intermitência. Você sai do looping e entra uma clareza, um centramento. Aí
volta o looping, o qual é identificado de pronto, surge a intermitência, com
mais clareza, apesar da adrenalina sentida. Por isso não podemos levar a sério
nenhum impulso emotivo reativo, não podemos tomar nenhuma medida drástica,
pois, como tudo no imaginal sensorial é intermitente, tudo muda em questão de segundos.
F: Sim. Isso é muito óbvio. Krishnamurti diz algo
muito semelhante. Veja isso: “...Tudo sobre nós, tanto interno quanto
externo - nossos relacionamentos, nossos pensamentos, nossos sentimentos - é
impermanente, em um estado de fluxo constante. Mas existe algo que seja
permanente? Existe? Nosso desejo constante é tornar a sensação permanente, não
é? A sensação pode ser encontrada repetidas vezes, pois está sempre se perdendo...
Entediado com uma sensação particular, busco uma nova sensação.... toda
sensação chega ao fim e assim, passamos de uma sensação para outra e cada
sensação fortalece o hábito de buscar novas sensações. Minha mente está sempre
experimentando em termos de sensação. Há percepção, contato, sensação e desejo
e a mente se torna o instrumento mecânico de todo esse processo. Com o
surgimento da sensação, vem o desejo de possuir… Então, é possível não se
identificar com a sensação?... Portanto, estamos perguntando se existe uma
consciência holística de todos os sentidos?... Apenas fique atento...
observação sem esforço... observação sem escolha... e aprenda, para descobrir
se é possível permitir que a sensação floresça e não deixar que o pensamento
interfira nela - para mantê-los separados. Você vai fazer isso? Tua vida é uma
morte; a morte é um renascimento. Feliz é o homem que está além das garras de
suas limitações”.
O: Sim, só observar e sentir as sensações.
F: A mente sutilmente busca outra reação, lança
pensamento/sensação, e traz a culpa por você sentir e pensar assim ou não... Pensar,
sentir, sensação... Mas não há nada de real acontecendo ali.
O: Sim, o que você vê, são só flashes de filmes
futuristas de terror...
F: São tentativas de encantamento por meio de
dramas.
O: Mas veja que agora, são só flashes; não são mais
filmes que duravam dias, meses e, em alguns casos, anos.
F: Está quebrando a continuidade.
O: Os flashes que são identificados de imediato,
como flashes de irrealidade, sem fundamentação real. Percebo que, de momento a
momento, tanto o imaginal como o sensorial estão perdendo o poder de nos
governar, pois todo flash percebido, me parece que retira cada vez mais a força
da estrutura, abrindo cada vez mais uma rachadura que pode possibilitar o
colapso.
F: Já perderam o poder de governar; já não é mais a
mesma coisa.
O: Lembra no filme “Matrix”, o personagem “Neo”
quebrando a estrutura do agente Smith? Lembra como antes de romper sua
estrutura, ele se permitiu sentir, e aí todas as balas caíram ao chão?... Pois
é, todos os tiros do imaginal sensorial sendo vistos sem esforço e sem fuga.
F: Sim.
O: No momento do disparo, pegar isso sem recorrer
ao escudo da busca de sensação, sem sair correndo dos Smiths de Sensação.
F: Só observar e sentir, não correr mais.
O: Não querer mais uma forma de ligação para fugir
dos Smiths de Sensação.
F: Isso.
O: Porque não tem mais onde fazer qualquer tipo de ligação,
pois chegamos no Platô da Indiferença.
F: Algo como sentir sem extras, sem nomear de bom
ou ruim, sem dizer que está sendo foda, que nunca viveu algo assim.
O: Não tem mais onde se conectar, não tem mais o
telefone de grupo de ajuda, o telefone em forma de livro, guru, sistema,
programação, crença, bala, sorvete, sexo, ou outra sensação qualquer.
F: Sentir o sensorial sem se importar com imaginal.
O: Ficar no seu quarto 303 e não fugir mais dos
tiros do imaginal sensorial condicionado. Tudo isso, sem deixar que os outros
percebam o que você está fazendo... É isso que entendo pelo texto dos cristãos
quanto ao jejum: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristrados como os
hipócritas; porque eles desfiguram os seus rostos, para que os homens vejam que
estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Tu,
porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não mostrar
aos homens que estás jejuando, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai,
que vê em secreto, te recompensará.” Para
mim, esta é a verdadeira essência do anonimato: o que você vê no imaginal
sensorial, deixe que fique aqui com a observação passiva não reativa, sem criar
mais conteúdo para o imaginal. Vai ver que é por isso que Krishnamurti nunca
falava do seu passado, porque aquilo ficou lá, e ele estava no só por hoje, de
momento a momento. Portanto, ninguém precisa perceber o que está ocorrendo
internamente.
F: Faz sentido.
O: Nem mesmo nós. Sacou? Essa é a desidentificação
total, a morte da identificação com um eu, com o que ele sente como algo bom ou
ruim... Tudo são flashes dramatúrgicos; são peças de teatro. Você não precisa mais
se identificar com os roteiros dos personagens. É isso. Não tem nenhum Deus que
seja o senhor do seu destino, assim como nenhum personagem tem esse poder se a
observação estiver apurada.
F: Saquei.
O: Percebo nitidamente que existe uma intermitência
na qualidade do fluxo, sendo que uma parte é constituída de flashes
dramatúrgicos e outra parte de sugestões de busca por sensação, como uma
balinha, um cafézinho, um sorvete, uma transa, assistir um filme... Antes não
era percebida a segunda parte da intermitência, mas agora, nós a pegamos também.
Então, a totalidade da estrutura está pega: fluxo mecânico e não solicitado de
flashes e sugestões de sensações. A maioria nunca vai olhar para isso, porque
não vai ver objetividade, pois a maioria está ligada na busca de segurança e
prazer. Veja, você percebe um flash dramatúrgico, ao percebê-lo, você não o
alimenta, e isso gera um vácuo, onde o imaginal, imediatamente, sugere uma
opção de sensação para preenchimento d vácuo.... Quando percebemos a sugestão
de sensação, na maioria das vezes, ainda nos identificamos com elas, e a mente,
adicta de sensações, acha impossível uma vida sem a droga da sensação....
Porque ela só conhece a dualidade prazer e desprazer, nada sabe de felicidade e
bem-aventurança. Por isso ainda recaímos na identificação com as sensações e na
sugestão da fuga por outras sensações; isso ainda ocorre, no entanto, cada vez
menos.
F: Percebo o mesmo aqui.
O: Estamos morrendo para essa identificação, assim
como morremos, hoje, sem esforço algum, para os flashes dramatúrgicos, que são
acompanhados até de trilhas musicais... Quando não é isso, o imaginal cria nova
fuga pela intelectualização, por meio da pergunta: "qual o sentido de tudo
isso?"... "Porque motivos chegamos até aqui?" E ai ele rememora
a dramaturgia passada, tendo a sensação novamente alimentada por meio do
mimimi, da autopiedade, pela raiva ou algo assim. Mas de modo algum, se instala
o antigo desespero, aquele sair correndo para o desabafo, para qualquer lugar, porque
agora vemos a peça que nos pregava peças a todo instante: a peça é o fluxo
dramaturgo. Esse fluxo também se fundamenta numa polaridade: ou um terrível
drama fatídico ou um viveram felizes para sempre; mas ambas polaridades são
percebidas de imediato. Outra polaridade do fluxo, é a projeção de momentos vividos
e a projeção de momentos nunca vividos, mas ambas polaridades são percebidas de
imediato. Percebo um grande avanço no poder de observação, visto que nunca
antes na vida, houve tal qualidade de percepção relâmpago do funcionamento da
estrutura de nossa psique.
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