F: No fundo são só sensações e
muitas explicações e os porquês. No que diz respeito a essa inquietude primal,
não há onde chegar, não há onde ir, muito menos o que fazer. Já tentamos de
tudo, tudo já foi visto. Surge a sensação desagradável, que você pode chamar de
oco, de vazio ou de inquietude, seja lá o nome que você preferir... Ai o
imaginal entra com o looping que afirma que “isso não tem sentido”, que “viver não
faz sentido” e, com isso, mais sensação desagradável, e para esse acréscimo de sensação
desagradável, mais imaginal e looping vai se cristalizando.
O: Há momentos em que o imaginal
lança que o oco é insuportável, foi medindo a intensidade com momentos
vivenciados no passado. Se não está espeto na observação, o indivíduo cai na
autopiedade, no mimimi, no chororô, sai apelando pra tudo que tem na mão pra
tentar sair do oco... muda o fundo do celular, baixa outro aplicativo, tenta um
joguinho... não tem limites para as criações de fuga que partem do imaginal.
O: O indivíduo que for fraco,
quando se depara com isso, pode chegar mesmo num ponto de loucura, até mesmo se
identificar com o supremo impulso emotivo reativo escapista, a birra suprema do
suicídio. Mas se a observação estiver bem amadurecida, toda sugestão do
imaginal é vista como sem sentido.
F: Sim, o indivíduo pode se identificar
com isso, porque é o imaginal que traz toda dúvida, toda sugestão insana. É ele
que ilusoriamente liga o sentimento ruim, oco ou inquietude; é ele que entra
com toda papagaiada, que depois se somatiza no sensorial. Cai no sensorial, pronto,
está pego! Não tem mais o que fazer a não ser sentir e esperar pela eliminação
da carga energética que a estrutura produz.
O: Quanto mais o falso é
percebido, mais a inquietude se faz rasgante, mais come o peito. Vai ver que é
daí que os cristão criaram a expressão “vinda do salvador”... Vivenciando a dor
da inquietude, em estado de espera de algo que pudesse livrá-los da dor crônica
da inquietude original.
F: O oco por si já é terrível, mas,
se o indivíduo não estiver atento, o imaginal tem capacidade de triplicá-lo.
O: Mas não vamos entrar na
questão do imaginal, esse não é o caso que estamos abordando. Vamos tentar
ficar apenas com a sensação desagradável, com a inquietude, com o oco, com a
ausência de conexão, com o vazio de um sentir significativo. O objeto de estudo
é o oco.
F: O oco não sai, esquece! É um
movimento que parece não ter fim, assim como o imaginal, é algo mecânico e não
solicitado. Aqui, sempre foi isso, só não havia a percepção disso, não havia a
compreensão do funcionamento do mecanismo da estrutura.
O: Se você observar bem, verá que
o imaginal até aliviava o oco.
F: Imaginal cria sensações que,
por vezes, aliviam a percepção do oco, algo como um alívio momentâneo.
O: Mas você percebe que, menos identificação
com o imaginal, mais oco?
F: Já disse, o oco não sai. Já
tem uns dois dias que eu não sinto absolutamente nada além de oco... mesmo
observando, a inquietude está sempre lá, direto, não sai. Esquece. Aqui o
sentimento de impotência já se instalou.
O: O oco surge da percepção que a
observação traz de que toda sugestão do imaginal não faz sentido de ação.
F: Exatamente isso. Antes era
vivido tudo que o imaginal trazia. Ok! Não estamos mais nos identificando com
as insanas sugestões do imaginal, mas, onde estão os bons sentimentos?
O: Imaginal só pede por
insanidade, a sociedade mostra isso claramente.
F: Isso que tentei dizer ali.
Toda dúvida, toda sugestão, todo looping vem dali. Mas dane-se o imaginal,
estamos carecas de ver isso. A questão que importa é: Por que o oco não tem
fim? A não ser que fiquemos com ele, não dá para saber no que ele vai dar. Ou
podemos ignorá-lo do mesmo modo que já ignoramos o imaginal?
O: Não tem como ignorar, pois o
oco é sentido no corpo, não se trata de uma imagem na tela mental.
F: Ignorar não acho possível. Só
nos resta senti-lo, não tem como fugir dele. Você pode se iludir quanto for na
fuga, mas não há fuga.
O: Toda fuga é oca desde a saída,
terminando em mais oco.
F: Não tem fuga... A inquietude me
cospe, me come e me beija... Ela grita, saiba que estou em você, mas você não
está em mim... Isso é a inquietude, esse é o oco.
O: O próprio imaginal se mostrou
oco, por isso ele não é mais a questão.
F: Ele é oco. Cada andada ali é
literalmente perder tempo, de fato, ele já não é mais a questão de estudo.
O: Do mesmo modo que Deus não é
mais a questão, pois o mesmo foi visto com mais uma das criações do imaginal,
como objeto de fuga do oco, da inquietude primal.
F: Quanto ao imaginal e suas
criações, é fim de papo; tá tudo morto enterrado agora já que também podemos
celebrar a estupidez de todas as suas criações.
O: Sim, sexo, drogas, bebidas
enteógenas, compras, passeios, esportes, trabalhos, leituras, crenças, sistemas,
programações, práticas, exercícios respiratórios, entre tantas outras coisas
mais... Tudo foi devidamente observado e percebido como infrutíferas variantes de
tentativas de fugas do oco.
F: Quando muito, tudo isso só nos
mantém na superfície do oco.
O: Esse é o buraco negro donde
surge o bigbang do imaginal, com suas criações ocas, daí que surge a fórmula:
Oco+imaginal oco = oco².
F: Isso. Surge a sensação
desagradável, que é igual ao oco e a inquietude, ai entra o imaginal com falas
do tipo “isso não tem sentido!” e aí, mais oco, mais inquietude, mais imaginal
com falas e imagens, e o looping se cristaliza.
O: Sim, quando percebida a
inquietação, o imaginal sempre entra com um “tenta isso, tenta aquilo” e, mais oco!
F: Aí mais que sujeito chato sou
eu que não acha nada engraçado, macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho
tudo isso um saco.
O: A ignorância do oco parece ser
uma benção.
F: Exato.
O: Tudo mundo está feliz até não
perceber o oco naquilo que imagina fonte da sua felicidade. Uma vez percebida a
ilusão, cadê a felicidade?... E a catraca do objeto de felicidade gira rapidinho!
Você conhece bem isso: se imaginou feliz com drogas até sentir a dor da ilusão;
aí conheceu os grupos anônimos, pensou ser feliz por isso, até perceber o oco em
tudo aquilo... Quando percebeu, como ficou a felicidade? Viu que era falsa, não
foi? Antes era só alegria, o oco não mordia, a vida era doce e não ardia, mas
aí um dia, ou quem sabe dos ou três, eu só queria superar a inquietude de uma
vez...
F: Exato. Mas quando se entra
nisso, você vê que não é bem assim, não é da noite para o dia, não tem objeto mágico
que crie o tal do “Final Feliz”. Se nem o Deus imaginado criou isso, o que mais
poderia criar?
O: Enquanto o oco não morde, não
tem como cair o castelo de ilusão; aí, quando a ilusão é percebida, quando cai
o castelo, o que fica?... Mais oco.
F: Oco é fim. Ele é tipo: “Estamos
conversados e fim de papo!”
O: Já tentamos de tudo e tudo deu
nisso. Tome o exemplo da droga... O oco estava lá antes da droga e durante seu
uso e após seu uso. O imaginal imaginou uma saída da inquietude do oco pela droga...
No início parecia alegria, até bater o oco expandido pelo uso da droga.
F: Sim, mesmo agora, o imaginal está
tentando imaginar uma saída.
O: Então chega a percepção da ilusão
do uso de droga e... Mais inquietude de um viver oco... nova ação do imaginal
prometendo alegria num mundo sem drogas com ajuda dos grupos anônimos... No
início parecia alegria, até os discursos da sala se mostrarem ocos, mera verborreia
personalista... Sem droga e sem sala antidroga, mais oco... Veja bem que não
estou fazendo apologia ao uso de drogas! Só compartilhando o que constatamos em
nosso processo.
F: Exato! No início foi só
alegria, mas se o uso de drogas ou de grupos anônimos funcionasse, eu ainda
estaria lá.
O: Se a sala funcionasse, eu
também estaria lá. Ela pode funcionar no que diz respeito a detenção diária de
algum padrão comportamental compulsivo — não descartando a possibilidade de recaídas.
No entanto, no que diz respeito a liberdade total dessa inquietude primal, ela
se mostra ilusória, como tantas outras drogas.
F: Exato! Isso é um fato, pelo
menos para mim.
O: Assim, cada dependência falsa
caiu, mas o oco, pelo menos até aqui, permaneceu.
F: Ele fincou sua bandeira, até
mesmo no castelo da chamada espiritualidade. Ficou claro que toda tentativa, só
cria um novo ciclo ilusório, um novo looping ilusório que já nasce velho.
O: É mais do oco nosso de cada
dia....
F: E por aí mesmo, permanece a
dança de sempre... Da casa pra rua, da rua pra casa, do quarto pra sala, da
sala pro quintal , do quintal pro banho, do banho pra geladeira e, no meio disso
tudo, o oco comendo solto, sempre o oco fazendo você usar algo ou alguém, sempre
o oco comendo e fazendo você comer coisas ocas, assistir coisas ocas, ouvir
coisas ocas, pensar coisas ocas. Tudo mais do mesmo, nada novo, o novo já nasce
velho. Pode ver!
O: Você sai com a patroa pra
conhecer mais do mesmo... Permanece o patético movimento.
F: Tem nada! Zero! Nada! Todos lhe
prometem a melhor banda de todos os tempos da última semana, o melhor disco
brasileiro de música americana!... Mas tudo oco! Detonou!
O: Quando você saca tudo isso, os
dias passam lentos e aos meses seguem aumentos de inquietude! Cada dia você
leva um tiro do imaginal que sai pela culatra... E os dias passam lentos!
F: Oco estripou tudo, não deixa
nada, ele não acaba, pode tentar o que quiser. Hoje já vi trailers dumas vinte
séries... Como você diz, patético!
O: Não dá, a tv está fraca
demais!
F: Sobrou a cama! Não tem o que
fazer. Tudo se mostra muito superficial, tudo muito periférico, nada que bate
fundo. Fica esse viver vazio, sendo empurrado pela barriga, agora, nem mesmo
com direito ao mimimi, ao chororô, a autopiedade. Rapaz, nessa altura do
processo de descondicionamento, se reclamar do calor, é o imaginal discorrendo
o mimimi no calor. Não tem fuga, a observação pega todo movimento da estrutura.
E não como, no quarto de pensão, tentar uma transmutação. Não tem como esperar
a nave, não tem o tal moço do disco voador que nos leve para onde for. É tudo mentira!
Não tem o que fazer. Você pode assaltar a geladeira sossegado, mas também não vai
adiantar. Pode se sentar com o oco também pra ver se com isso ele passa... Não
vai mudar nada... Já já ele está de volta, se é que ele sai por um minuto se
quer. Está pego! Aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer!
O: Até aqui, isso se mostra um fato!
F: Mente fala assim: para tudo,
larga tudo... Chega! Segue! Cai na estrada!... Mas você já está ligado! É igual
a música do Gil... Pode tentar o que for... Até mesmo falar com Deus... Não vai
dar em nada, nada, nada... do que você pensava encontrar... O oco está lá,
sempre no fim do movimento. Game over! Sem saída! Observação lógica! Está na
cara, só não vê quem não quer ver. Observação vasculhou tudo. Game over! Tudo
que temos são informações de segunda mão; fora a inquietude que sentimos, o
resto é tudo segunda mão. E mesmo dentro dessa inquietude sentida, ainda nesse
ponto, a coisa fica muito individual. Conforme vamos avançando na observação,
vai ficando muito claro que cada um realmente está sozinho, no sentido do que se
sente.
O: A espécie humana sente o mesmo
que você; é o seu imaginal que faz você pensar que sente de modo diferente. Outro
pensamento ilusório. O que ocorre de diferente, é só o nível de percepção do
que se sente, do que move cada ação, só difere no nível de autoconhecimento,
mas a base, tem a mesma inquietude primal. O oco surge da percepção da ausência
de conexão espontânea, natural, original. A estrutura é a barreira, e ela
começa logo cedo... A criança não sabe o que fazer com a inquietude e o adulto,
com ajuda de objetos, lhe condiciona uma forma de fazer, até o instrumento e o
fazer se mostrarem ocos para a criança. Então o adulto lhe dá outro objeto, ou
o próprio colo e a inquietude permanece momentaneamente despercebida. A
estrutura sustenta um espaço entre o adulto e a criança, não deixa que ocorra
conexão real entre os dois. Há um desejo de conexão real por parte do adulto,
mas fica só na simulação, ela não ocorre de fato.
F: Percebo isso aqui, de modo
muito claro!
O: Numa observação mais apurada,
você percebe que mesmo a criança foi usada como um objeto para tentar aplacar o
oco dos adultos, o oco sentido na relação do casal. A criança acaba sendo uma
criação do imaginal, na tentativa de um sentido real para o viver, ou uma forma
de conexão real entre o casal. Você percebe isso? A criança acaba sendo objeto
dos pais, dos avós, dos tios... A família toda se distrai com os movimentos da
criança... Até que a criança comece a lhes inquietar... A criança é algo novo
que distrai por alguns momentos.
F: Sim, não tem saída. E não
precisa de esforço para ficar com isso, pois é isso que tem; já foi terrível,
mas agora, é visto que é o que sempre esteve aí. Na realidade, é tipo festa
familiar: você sabe que é uma merda, mas é o que tem. Bem-vindo ao oco! Ele
esteve aí por toda a sua vida, continuamente recriando as ilusões que sempre
desmoronaram como um castelo de areia. É sempre a inquietude do oco fazendo
você procurar algo que vai lhe fazer se sentir bem... O que a inquietude do oco
está procurando, não existe, e você tem que chegar a um acordo com isso. Não
tem o que fazer... Só se a inquietude do oco cair por si mesma. Até o momento,
é isso o que eu vejo. Então, querer sair do oco por meio de algo que lhe faça se
sentir bem, paradoxalmente, lhe dá ainda mais oco, mais inquietude, mais insatisfação.
Sei que você já passou por isso, estou ligado!
O: Pela vontade, pelo esforço
pessoal, não tem saída! Se não ocorrer algo que nos apresente uma qualidade
interna de plenitude, onde tal plenitude nem seja dependente de nenhum fator
externo, parece que estamos condenados a viver esse estado não inquietude, o
qual não pode ser transcendido por nenhuma ação de nossa parte. Isso é o que
parece! Algo muito semelhante as cenas do filme “Dark City”: Não tem saída
desse looping de ilusão!
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