14/02/2021

Firulas espiritualistas e o Platô da Indiferença

O: Quando você se liberta das antigas drogas anestesiantes, a inquietude da falta do que fazer já começa logo cedo. Antes dava para se narcotizar com o exibicionismo ou com o voyeurismo espiritual.

F: Começa? Muito loca essa inquietude primal.

O: Você estava pensando no que fazer quando dormia?

F: Ainda bem que não. E o mais interessante, por mais que pensamos no que fazer, não adianta, pois nada acaba com a inquietude.

O: Antes fazia sentido ficar postando vários textos de mestres, acompanhadas de figuras ou diagramações coloridas, vários áudios, várias frases, as quais nada mais eram do que “firulas espirituais”, mas agora, nada disso faz sentido, uma vez que você percebe que nada disso foi capaz de lhe brindar com uma nova e incondicionada qualidade psicológica.

F: Nada mais resolve, isso é um fato.

O: Montar grupos nas redes sociais para ajudar os demais a entender Krishnamurti, ou para alcançar o Despertar Integral, ou ficar com frases do tipo, “o sentido da vida é viver”, "todos somos um", ou "o mundo é uma criação da mente", todo esse tipo de firula, de modo algum desmonta aquela vidinha de fachada, hermeticamente fechada.

F: Besteirol.

De fato, como bem nos mostra a realidade, somos todos um, somente no que diz respeito ao mesmo modo de vida condicionada, autocentrada, calculista, melindrosa, rancorosa, vingativa e lasciva.

F: Sim.

O: Na verdade, nada sabemos de real comunhão com qualquer manifestação de vida.

F: Os pensamentos ficam nisso, cortando qualquer forma de relação sem cálculo.

O: Tudo é muito "bunitim", mas, quando você sai do aplicativo, não tem como aplicar naquele que se deparara com seu espelho.... A inquietude está lá, pedindo por uma nova postagem, uma nova frase, um novo link, um novo comentário pra disputar quem tem melhor entendimento da verdade, pedindo para conhecer outro mestre, outro site, outro grupo, onde talvez possa encontrar a resposta final para sua inquietude crônica, pra sua ausência de sentido real. Mas nada, nada, nada, nada disso descontrói essa débil estrutura psíquica construída ao longo de anos de ansiedade, insegurança e senso de não pertencer.

F: Fato.

O: Nadinha disso faz com que você, finalmente, encontre o sentimento de "estar em casa novamente". Tudo isso só serve para alimentar uma nova imagem de si mesmo, mais nada! Tudo isso alimenta sua imagem, mas, de modo algum, revela e o livra de seu estado psicológico negativo. É como a droga: leva muitos anos para cair essa ficha e sair fora desse embuste de compartilhar firulas espirituais.

F: Sorte nossa ter conseguido uma maturidade para ver todo esse mecanismo e ficar com ele, porque, numa observação mais apurada, você perceber que não tem o que fazer.

O: Você pode levar uma vida toda alimentando falas mansas, enfeitadas com remendos poéticos de terceiros, mas o que você pode conseguir com isso?... Somente enganar um pequeno grupo de homens e mulheres desavisados, egocêntricos e mal amados.

F: Tudo balela!

O: Quando você volta para o seu quarto, o vazio está lá, a inquietude está lá, aguardando pelo tipo de droga que você, anonimamente, se utiliza para tentar aplacá-los. A pose do palanque físico ou virtual, não tem o poder de esconder a real. E qual é a real? O vazio, a ansiedade e o impulso para a busca de uma sensação diferente da inquieta realidade interna. Faça sol ou faça chuva, sozinho ou bem acompanhado, eles estão lá... bem no fundo, por trás da máscara espiritual do indivíduo.

F: Estão lá! Esse é o fato! Ficamos tão atentos que até o que comemos, percebemos que é açúcar, sal, etc., etc., etc. E que essa sensação está, momentaneamente, fazendo a cabeça. A observação passiva não reativa ligou o alerta para isso.

O: Você pode até escolher um novo nome com um sentido da espiritualidade indiana ou oriental, mas, de modo algum, isso muda a inquieta realidade psíquica que só você e seu travesseiro conhecem.

F: Falso demais!

O: Tudo isso são camadas sutis da mesma estrutura imatura que simula maturidade.

F: Não existe isso, a única opção é observar e sentir a inquietude, a ansiedade, os impulsos para buscar por uma nova sensação.

O: Tudo isso pode enganar momentaneamente, outras mentes muito mais imaturas, em profundo estado de confusão, mas não uma mente que despertou para a percepção do falso em si mesma.

F: Depois que ocorre o choque de separação que permite ver o imaginal... pronto! Não tem mais como enganar a si mesmo com qualquer tipo de pose ou prática espiritual.

O: Essa imaturidade da mente condicionada, aplica um truque no indivíduo... Ela o retira da disputa financeira e o lança na disputa do conhecimento da verdade... E do mesmo modo que ele permaneceu por anos na disputa financeira, na disputa espiritual, seguem-se longos anos de ilusão.

F: Essa é a disputa que roda o mundo. Mas tudo que é pensado, imaginado, é imaginação, é irreal...

O: Antes o indivíduo queria controlar a empresa, o mercado financeiro, agora ele quer controlar o grupo espiritualista, o modo como o satsang deve transcorrer, bem como sua rede de confusos e inseguros seguidores. O indivíduo sai de um tipo de exploração e se dedica a outro ainda mais sutil. Mas, quando o indivíduo alcança a mais avançada etapa do processo de descondicionamento, tudo isso acaba no platô da indiferença. Enquanto o indivíduo não se apercebe desse truque da mente calculista, não tem a menor chance de saber se é possível ou não, um renascimento psíquico.

F: Sim, ele chega no Platô da Indiferença.

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