F: A grande maioria dos seres
humanos está até os fios dos cabelos, dominada pela identificação ilusória com
o fluxo do imaginal sensorial condicionado. A identificação com o corpo, o
imaginal sensorial, roubou a cena, querendo ser mais e mais, mas chegou em sua
falência, na percepção de que ele não faz nada. Ele é o parasita do filme “A
Origem”, não é? Veja, não estou indo em direção a qualquer ideia de um Deus da
própria imaginação. Já vimos e descartamos por completo essa forma de delírio,
cujos fundamentos estão no medo e sua confusão. Permaneço em direção à própria
percepção de que tudo acontece por si, sem aparente causa: o fluxo, o coração,
sangue, vento, e tudo mais. O desordenado em questão é o imaginal sensorial e o
erro está na ilusória identificação. Pode ser isso que os cristãos denominam de
a queda.
O: Não tenho dúvidas de que o
problema não é a droga, mas sim a identificação com a ideia do uso da droga,
seja ela a droga química, comportamental ou do imaginal sensorial. O fator de
queda, o fator de adulteração, o fator de fragmentação e separação, estão na
identificação com o conteúdo do imaginal sensorial condicionado, o qual é
passado projetado num futuro imaginado, que embota a percepção do agora
factual.
F: Sem dúvidas de que isso é fato!
O: Tanto o imaginal como o
sensorial se contradizem de momento a momento, não tem mais como levar nada
dali com seriedade.
F: Como se essa inquietude, essa desordem,
essa confusão, estivessem contidas numa ordem maior, saca?
O: Para mim isso já é conjectura,
já é imaginal em ação mais refinada. O funcionamento do corpo, faz sentido, mas
não a desordem psicológica.
F: Trata-se sim do imaginal, mas
é possível perceber que tudo acontece sem a mínima influência dele, por mais
que ele clame por essa autoria de tudo. A desordem psicológica é visível,
observável.
O: A desordem psíquica não faz
sentido algum. É mero produto de condicionamento ainda não superado.
F: É a percepção dela mesma, certo?
Uma espécie de estrangulamento, não é?
O: Sinto que sem um colapso
conscientemente vivido, não há fim para a estrutura e suas variantes formas de
dependência. Já tentamos até o condicionamento de fazer reparações, mas isso
não dissolveu a estrutura; a reparação só serviu de respiro, um alívio momentâneo
da pressão de outra nuance da própria estrutura: a culpa.
F: Facetas da própria estrutura,
artimanhas. Aliás, sensação nela mesma, a qual ela tenta aliviar com uma ação
externa, através da qual, ela sempre se camuflou.
O: Uma estrutura pretensamente humilde
e consciente.
F: Ela só muda de nuance, não
sofre uma real mutação.
O: Perceba que mesmo com a
reparação, você por várias vezes já recaiu no mesmo padrão de reação que pediu
por tal reparação. Isso é mais um truque da estrutura.
F: Sim.
O: Então chegamos no ponto de
perceber que a estrutura tem sempre uma carta embaixo da manga, tem sempre um
coringa rindo das suas ações, portanto, que qualquer ação calculada por nossa
parte, por mais lógica e racional que se apresente para nós, não tem como
colocar fim à estrutura e suas múltiplas formas de condicionamentos e
dependências.
F: Chegamos também na percepção
de que basta chegar nesse ponto em que não é necessário mais gastar tempo com
isso, certo?
O: Pelo menos até aqui, o que
percebemos é que a única ferramenta que dispomos é a observação passiva não
reativa, uma observação que vai assistindo o tripudiar da estrutura, a sua
agonia, como na cena do elevador no filme "Revolver".
F: Então fica um ponto aqui... É
possível abandonar tudo isso? Abandonar no sentido de não mais perder tempo
observando a estrutura e seus golpes ilusionistas? Ou só é possível ver através
disso?
O: Penso que não tem como não
observar a estrutura e suas artimanhas, isso seria total imaturidade.
F: Penso que se ficarmos somente
nisso, também acabamos presos, mas a observação não para. Então, seria isso, sem
mais nem alguma preocupação, meta, algo a alcançar?
O: Vejo com clareza que se não
ocorrer um colapso no fluxo mecânico e não solicitado do imaginal sensorial,
não teremos o fim da inquietude crônica, original.
F: Mas isso joga no looping, mesmo
vendo com clareza.
O: Se não tivesse ocorrido um
lapso no fluxo que fazia você se identificar com o uso de drogas, talvez você
nem estaria mais aqui.
F: Provável mesmo.
O: Vejo que aqui, o movimento não
pode ser diferente.
F: Mas não dá para saber qual
ação ou o que deve ocorrer para ter fim a inquietude, nem saber como isso é,
concorda? Pois isso é lenha na fogueira!
O: Não tem ação nenhuma de nossa
parte, pois já admitimos impotência perante a inquietude, perante a
mecanicidade do fluxo.
F: Não tem. Mas percebo aqui, que
quando canto a bola de que uma ação tipo um colapso deve ocorrer, isso já
movimenta tudo de novo, como algo sólido, como verdadeiro, mais uma cenoura...
Nisso que quero chegar. Nunca foi tão claro para mim.
O: Não vejo assim, visto que não
estamos correndo atrás da cenoura do colapso, mas só percebendo conforme as
experiências já vividas, tanto por nós, como pelos relatos de outros homens do
passado. O que temos, é só a observação passiva não reativa.
F: Não disse que estamos correndo,
disse que isso é a cenoura.
O: Essa cenoura já está cozida,
já era.
F: Percebo que temos que arrancar
tudo o que achamos fora de cogitação. Se é para estrangular, então, que seja de
vez. Mas isso é como estou vendo aqui. Acho salutar esse compartilhar.
O: Perceba que você colocou aí a
cenoura do “tem que arrancar tudo o que achamos...” isso é mais uma forma de
cálculo, a cenoura de arrancar tudo.
F: Percebi sim.
O: A conta é simples: há um fluxo
que produz constante inquietude. Se o fluxo não parar, não para a inquietude.
F: Se for isso, parece que a
conta fecha.
O: Arrancamos as cenouras do
esforço pessoal ou da ação da Graça de um Deus da confusa concepção. Ficamos
com a impotência e a observação passiva e não reativa. O esforço pessoal e a
ajuda de Deus de nossa confusa concepção, já foram tentadas e nada disso se
mostrou funcional. O que tem se mostrado, parcialmente funcional, tem sido a
observação passiva não reativa.
F: Deixa a casa cair... é o
imaginal sensorial esperneando.
O: Não vejo que criamos outro
looping com isso.
F: O looping é criado se
acreditar e buscar isso.
O: Mas a impotência tirou isso,
senão, não seria impotência.
F: Qualquer coisa que cremos
ainda é contaminado. Só a impotência é real.
O: A necessidade do colapso não
se trata de crença, se trata de observar os fatos históricos.
F: Por que isso conta agora? Quero
dizer, qual fato ali importa? E por quê? A meu ver, nenhum mais, mas é a minha visão
limitada.
O: Preciso usar droga para
perceber que o uso de droga não me convém? Ou posso aprender por meio da
observação da experiência infeliz de terceiros?
F: Duro isso.
O: Se você pegar livros como “Variedades
da Experiência Religiosa”, “Consciência Cósmica”, “Filosofia Perene”, “Antologia
do Êxtase”, “O mais elevado estado de consciência”, e observar os relatos ali
expostos, você verá o ponto em comum de todos os casos: um colapso total da
psiquê.
F: Às vezes, uma palavra aciona o
gatilho e pum... Pode ocorrer. Agora entendi.
O: Fato que grande parte dos
relatos ali expostos, não se trata da recuperação plena do estado
incondicionado de ser, visto que a experiência, ao invés de libertá-los de suas
antigas crenças, as cristalizaram ainda mais. Mesmo na nossa experiência, o
colapso, ainda que parcial, antecedeu a experiência.
F: Sim, o colapso ocorreu.
O: Tivemos até aqui, colapsos
fragmentados, mas não um colapso radical.
F: Sabe o que acontece aqui... Acho
que achei o ponto... Cansei da segurança da lógica e da razão, percebendo que não
há um caminho, um protocolo, que não há nada.
O: Acho que você está negando a
lógica de observar além da própria experiência limitada, o que para mim, é
ilógico. Ninguém falou aqui de um caminho, de um protocolo, mas sim, da observação
de uma ocorrência comum.
F: Não é tão comum, mas, ok! Não sei
se é negação. Não deu tempo de pesquisar esses livros, alguns eu não tenho aqui.
Para simplificar, vejo que há apenas a observação do momento, mais nada.
O: Observe apenas o processo na
experiência de Krishnamurti, e poderá constatar o que eu digo ali. Havia uma
estrutura psíquica limitada, traumática, envergonhada, apegada ao irmão,
depressiva e, depois de um colapso, vivenciou a experiência descondicionante,
uma profunda e significativa mutação psíquica, a qual deu sentido real a sua
existência até o fim da mesma.
F: Sim, isso é fato!
O: Ele não conseguiu aquilo pelo
esforço, pelo cálculo ou por mero conformismo. Houve um colapso e uma eclosão. Ele
é um dos aros casos em que a experiência do colapso e da mutação, o desligou
por completo de todas as crenças anteriores.
F: Krishnamurti foi um, você é
outro e os demais são outros.
O: Não, não, não, não. A estrutura
é a mesma.
F: Sim, ela é a mesma em todos, concordo!
Agora, Krishnamurti já tinha a observação instalada com 15 anos de idade. Desculpe
ser advogado do diabo. Onde quero chegar com isso? Que pode ser mesmo que
estejamos no processo e a qualquer hora a coisa colapsar.
O: Eu e você já sentíamos, mesmo
aos 15 anos, que algo estava errado, já havia uma certa observação do falso.
F: Antes mesmo.
O: E jogue fora também todo o
romantismo esotérico criado em cima da figura do jovem K, por parte dos membros
da teosofia.
F: Você quer chegar aonde?
O: Que observando as próprias
experiências, assim como as experiências dos homens que nos antecederam, assim
como faz um cientista sério, percebemos que há um fator comum: a manifestação
de um colapso psíquico para a manifestação de uma nova qualidade psíquica, precedido
de uma percepção de total impotência de salvação.
F: Para mim isso é fato e caminho
ao mesmo tempo. Por que não nos leva a lugar algum certo? Apenas são algumas inferências
que pegamos de algumas pessoas. Pode ser diferente disso?
O: Essa pergunta lança na cenoura
da conjectura. Estou trabalhando na observância de fatos estudados.
F: Calma! Você diz assim: a manifestação
de um colapso psíquico para a manifestação de uma nova qualidade psíquica...
Você quer dizer que isso só que tem que ocorrer. Eu pergunto se algo além disso
pode ocorrer?
O: Cara, olhe para você... Olhe para
sua história com o uso de drogas...
F: Não há dúvidas quanto a isso.
Esse fator comum é incausado? Porque parece que havia um stress em nós, agora a
observação filtra isso. Ela não permite mais o colapsar, isso é o que parece.
Faz sentido isso?
O: Não permitiu até aqui, mas
você não pode se fechar numa conclusão.
F: Isso, ok! Mas ela tem outra
coisa, ela mudou o giro... antes o trem parava sempre nessa estação, ficava ali
estacionado na adulterante identificação. Agora o trem está passando, praticamente
ela tirou a estação de jogo, praticamente a estação está abandonada para isso. Isso
é um outro tipo de mudança.
O: Creio que você está se
esquecendo do que digo a respeito desse colapso, dele ser agora assistido, de
momento a momento, de modo consciente, uma espécie de entrega consciente não a
um Deus, mas sim, ao próprio processo de colapso.
F: Faz sentido! Pois tirou o
sofrimento extra, que era expresso em forma de mimimi.
O: Lembra-se da fala do filme “Revolver”?...
“Até que ponto você está pronto para ser radical, Mister Green?”
F: Sim, sim; são confirmações do
colapso. O filme todo ali é da ruptura da estrutura egóica, ou como dizemos
aqui, do imaginal sensorial, da estrutura.
O: Isso mesmo.
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