O: O que vai se tornando cada vez
mais nítido é que, fora as atividades que são obrigatórias para a manutenção do
corpo, a maior parte da ação é uma fuga da inquietude, por meio da busca de
sensação.
F: O fato do indivíduo não pegar
a impermanência e a instabilidade do imaginal, após ter conseguido observar sem
se identificar, coloca individuo nesse loucura.
O: A rotina produz um embotamento
da percepção da realidade.
F: Sim, ela embota.
O: Quando tal embotamento chega
ao seu limite, o indivíduo tem aquilo que a sociedade chama de
"estresse".
F: Beira do colapso do impossível
ajustamento. Perceber que o imaginal e o sensorial não são produzidos por nós,
que são passantes e que não se referem a nós, apesar do sensorial ser sentido
no corpo, vamos colocar assim, é um grande avanço no processo de
descondicionamento. Esse é o ponto que vai ocorrendo aqui.
Só alguém que chegou onde estamos
é que se liga na insanidade da busca. Novas roupas, calças, ioga, modismo
tribal, grupos, novos trabalhos, novas formas de investimento, novos
relacionamentos, novos romances, novas casas, drogas, puts!! Eu não queria ser
o que sou! Eu preciso de um pouco de emoção, mais uma emoção, vai, deixe-me
esquecer o que sou... para que eu possa procurar por isso... e segue o looping
infindável...
O: Bem por aí!
F: Por meia vida fomos adictos do
pensamento, do imaginal e do sensorial, fomos devotos do inquestionado sistema
de pensamento, crenças e tradições.
O: Não é óbvio para a maioria.
F: Certeza que foi isso que
causou a identificação com as sensações, com o corpo. Para mim, faz todo
sentido. E quando tivemos as experiências do estado incondicionado de ser, vimos
que não é nada disso.
O: Parece que sem uma vivência do
absurdo ou do estado incondicionado de ser, os olhos não se abrem para essa
qualidade de percepção.
F: O imaginal está enraizado na certeza
de que somos um corpo, a mente e as emoções. A experiência do incondicionado
estado de ser confirma o contrário. Os pensamentos são o tempo todo usados
para sugerir que somos o pensador ou o pensamento sobre o corpo. Pode
observar.
O primeiro vício gera todos os
outros vícios, o pensador compulsivo. Todos os outros impulsos escapistas eram
tentativas de obter alívio do primeiro vício de pensar compulsivamente. O
dilema é que o problema é a identificação como imaginal sensorial. Se o imaginal
sensorial tenta escapar dele, isso é apenas mais imaginal sensorial. Como diz
em AA, o pinguço não pode sair de si. Então, chegamos nesse ponto de perceber
que a única maneira de sair do imaginal sensorial é perceber que você não é ele.
O: Sim, você não é nada do que é
percebido.
F: O alcoólatra e/ou viciado,
perdeu a capacidade de controlar seu consumo de imaginal sensorial e/ou consumo
de álcool/droga. Sem saber, o hospedeiro foi tomado por um parasita
(alcoolismo). Está sendo usado para obter seu alimento, por isso você falava, “a
droga te usou”; no que diz respeito ao fluxo mecânico e não solicitado do
imaginal sensorial condicionado, é a mesma coisa: fomos usados durante décadas
pelo imaginal e o sensorial. O egocentrismo é a total identificação reativa com
o imaginal sensorial condicionado.
O: Muito claro para mim!
F: Está muito claro para mim que
não somos o que pensamos e sentimos, apesar disso acontecer em nós.
O: Somos esse estado de ser que
está se tornando cada vez mais consciente dessas ocorrências internas não
solicitadas.
F: Bem colocado. Não somos nada
disso que é passante e, por muitos anos, estivemos identificados com isso, e
mesmo isso mudando de segundo a segundo, não conseguíamos perceber isso.
O: Essa oscilação agora é
percebida de imediato em sua instalação, por isso não é mais levada a sério em
suas imperiosas sugestões.
F: Sim, elas são percebidas de
imediato, no momento de sua manifestação.
O: Você as percebe como uma
espécie de delírio, mas não se deixa mais ser levado por ele.
F: Delírio total. Perceber isso
traz um centramento, um grande alívio, o qual nunca ocorreu antes da instalação
da observação passiva não reativa. Pode ver, acordamos todos os dias e o
delírio ainda está aí. Só que agora ele é visto de imediato, percebido como projeções
do irreal. É percebido como uma mecânica narrativa insana, a qual nada tem a
ver conosco, nem com o que é de fato.
O: Trata-se de uma narrativa no
palco do tempo psicológico. Está sempre no passado ou no futuro, nunca na
percepção do que ocorre no agora.
F: A ação para algo além disso,
pode surgir da compreensão disso que estamos vendo e sentindo agora. A percepção
do looping da dramaturgia autocentrada, sempre se autorreferenciando. Mesmo
quando é deus, os outros, e demais situações, é ainda a mesma coisa
autocentrada... futebol ou iluminação, política ou religião... Tudo a mesma
coisa... bom ou ruim, certo ou errado... A estrutura condicionada roubou nossa
identidade, como no filme “A Origem”... A ilusória identificação com o conteúdo
não solicitado do imaginal sensorial, é pior que um vírus, bem mais profundo que
uma ideia central.
O: Sim, é muito difícil de quebrar
a cristalizada identificação de nós mesmos, como sendo o corpo inquieto e o confuso
conteúdo mental.
F: Sinto que estamos perto de um consciente
colapso da estrutura psíquica pela qual funcionamos até aqui. Sinto isso com
muita intensidade, mas nada disso é sentido com peso, nada disso é fruto do
pensamento.
O: Trata-se de uma percepção
visceral, digamos assim.
F: Já existe em nós, a capacidade
de ver através dos condicionamentos da estrutura. Pode notar:
os ranços, as impressões, as
ideias, as imagens que existem sobre tudo, aquela velha opinião formada sobre
tudo, como dizia o Raul, elas continuam aí; mas, já é possível ver a sua tentativa
de influência, ver que por exemplo, diante de outra pessoa, você a vê, assim
como as imagens entrando, o quanto isso dificulta a relação, polui; mas você
também vê que a relação não mais é levada para essa completa ilusão, pois
ficamos mais calados, sem esforço, apenas observando o desenrolar das
situações. Vemos através das imagens, isso ainda é assim no momento, ainda não
quebrou, ainda é o que temos.
O: Você não pode se recuperar de uma
doença, enquanto não percebe os sintomas de sua manifestação. Estamos
identificando os sintomas dessa compartilhada doença mental e emocional, conhecendo
seu mecanismo de instalação, desenvolvimento, cristalização, crise de
identificação, processo de descondicionamento e seus sintomas de retirada. Só
que ainda não sabemos o que é estar — e se isso é possível — totalmente
descondicionado, ou seja, significativamente mutacionado psiquicamente. Estamos
tomando consciência de toda somatização que a identificação ilusória produz,
assim como os sintomas da retirada dessa ilusória identificação.
F: Sim, ainda não estamos livres.
Isso é um fato. No entanto, agora sabemos o que temos, muito claramente e que
estamos fundo no processo, sem saber onde tudo isso vai dar.
O: Sim, trata-se de um caminho
sem bússola, onde antigos conceitos, por mais belos que pareçam ser, de nada
servem para nós. Só o que conta é a observação do agora. Tudo que já foi
colocado no papel, não tem mais serventia aqui. O que foi colocado no papel,
não foi capaz de criar uma nova humanidade.
F: Exato.
O: Certes emprestadas, nunca
produziram genuína liberdade, genuína conexão.
F: Nem vou ainda em direção a
esse ponto de uma nova humanidade, não entro nisso; a mente aqui não vai em
direção disso, mas faz sentido.
O: Então fique com isso: nada
disso que já foi postulado, foi capaz de apresentar em si mesmo, uma nova e
significativa qualidade de humanidade. Todas as regrinhas psicológicas, todas
as equações e sistemas, não apresentaram a livre expressão do ser humano, isso
é muito claro, basta observar com seriedade. Observar todos os postulados que
apontam uma sequência para uma possível morte psicológica, nunca produziu
libertação real. Parece-me que vivemos uma nova visão sobre a negação, cujo
embasamento está na negação da identificação com todo conteúdo psicológico do passado,
seja ele pessoal ou interpessoal.
F: Mas, apesar disso, ainda vejo a
impotência perante tudo isso, perante o próprio funcionamento do fluxo do
imaginal e do sensorial, suas projeções, sensações impulsos reativos... Tudo
ocorre de modo automático, sem qualquer escolha de nossa parte. Isso é o que
vejo aqui.
O: A impotência diante do funcionamento
de tudo isso, como em qualquer outra adicção, é o nosso primeiro passo.
F: Sim. Somos tão impotentes ao
fluxo, quanto ao batimento do coração.
O: Não controlamos isso.
F: Então, só vejo como real, o
passo da impotência perante o funcionamento do mecanismo.
O: Mas há um passo importante aí:
a instalação do poder de identificar tudo isso, sem qualquer identificação
reativa. Isso me parece ser um poder superior.
F: Muitos não têm isso. Estou
apenas constatando, sem qualquer desmerecer.
O: A imediata identificação da
projeção de imagens e sensações, bem como dos impulsos de fuga sugeridos por
elas, ao menos para mim, tem se mostrado como uma força superior à antiga,
neurótica e adulterante identificação. Quem não chega nisso, sempre recai em
fugas passadas, fugas essas que nos colocam sempre no início do mesmo looping.
Se não pegar isso, a estrutura continua adulterando a própria realidade, bem
como a realidade dos menos avisados que entram em contato com ela.
Chegamos num momento em que percebemos que toda ação passada, não descontruiu a estrutura psíquica condicionada, apenas a condicionou de outro modo, tornando-a socialmente ajustada, o que não representa sanidade real.
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