O: Bom dia! O lema do momento é: Isso
também passará. Só por agora, evite a primeira identificação emotiva reativa
escapista, visto que você não conhece a verdade em sua totalidade. Os flashes
do imaginal e do sensorial não contêm a verdade que liberta. Vivemos por anos
movidos por uma consciência condicionada, a qual, em última análise, é o mesmo
que inconsciência. Somente quando passamos a ter consciência da qualidade do
conteúdo de nossa consciência, é que passamos a recuperar a consciência real.
B: Voltar a um estado de nada é
morrer diariamente, para qualquer conceitualização que nasça. Muito louco
perceber isso. Ocorreram algumas compressões ontem, mas também percebi várias
tentativas de escapar por meio dessas compreensões.
O: O intelecto não liberta e a verdade
não é o que o imaginal projeta; o imaginal não é o que é.
B: Mas, na análise do filme “No
limite do amanhã”, não seria o intelecto? Eu percebi essa identificação forte.
Tipo emoção mesmo com esse olhar para o filme.
O: O filme, ao contrário, mostra
a limitação do intelecto, da lógica e da razão, eles não têm o poder de produzir
a assertiva e integrativa ação libertária.
B: Sim. Total. Percebi aqui uma teorização
muito forte, tipo recaída mesmo.
O: Só a totalidade da verdade
traz sua ação que liberta; meias verdades não libertam. O fato é que ainda
observamos em partes, de modo fragmentado. Sem um insight integrativo,
permanecemos no mesmo looping de percepção de ontem.
F: O processo aqui se afunila num
ponto muito interessante. Pelo menos é o que me vem aqui do momento que estamos,
onde os pensamentos e emoções se mostram mutantes. Como disse, é fácil perceber
que você não é o pensador ou o sensor, que não é você que produz o fluxo
mecânico das imagens, memórias, projeções que se contradizem de momento em momento.
Mais difícil é perceber que eles são para ninguém, que rodam, rodam, rodam e se
não houver identificação com os mesmos, eles evaporam, mudam, dando lugar a
outros. Mais sútil e difícil é a percepção disso. Nesse modo de viver
fundamentado no ego, na posse, nas conquistas, nas disputas e vaidades, isso não
se torna óbvio.
O: Sem um profundo choque
psíquico, não há como.
F: Passamos pela quebra da
identificação ilusória com o conteúdo do imaginal e agora, estamos vivendo a
instalação do colapso que nos desidentifica do conteúdo não solicitado do sensorial.
Foram quarenta anos indo para o norte, quarenta anos indo pela mesma rua que nunca
deu em nada, nada, nada, nada, nada, do que eu pensava encontrar. Nada trouxe
liberdade, felicidade, amor, empatia real, comunhão. Nada!
O: Bem por aí! Fomos sérios em
nossa busca, mas tudo, pelo menos para nós, não se mostrou realmente funcional;
meras trocas de condicionamentos e dependências.
F: Está ocorrendo com a percepção
do sensorial, o mesmo processo que ocorreu com o imaginal, pelo menos aqui, tem
se mostrado idêntico: tudo passante, mutável, controverso, impermanente, sem sentido
real. Seu fluxo continua, parece não ter fim, mas não estamos nos identificando
de forma reativa e escapista. Tanto o imaginal como o sensorial não é produzido
por nós de modo consciente. Só um choque ali, só uma nova ocorrência para dar um
stop ali. Só que são quarenta anos na mesma rua, no mesmo deserto.
O: Sim, algo como outro colapso
que abale de vez a estrutura, só que agora, no que diz respeito ao sensorial.
F: Isso. Bem provável... Ou na
totalidade do mecanismo da estrutura.
O: A identificação com o conteúdo
do imaginal já colapsou, apesar de seu fluxo continuar.
F: Já, ele não significa mais
nada. Mas pode ter outro ali e zerar, aquietar.
O: Não descartamos essa
possibilidade, porque o sensorial é uma resultante do imaginal, é continuidade
de um só circuito. Antes estávamos presos nos dois polos desse circuito.
F: Aqui! É bem isso!
O: Antes a energia vital escorria
pelos dois polos, tanto pelo imaginal como pelo sensorial reativo.
F: Bingo! Isso é fato!
O: Agora escorre do sensorial.
F: Tanto que é o imaginal que
sustenta o sensorial, e quando tem um sensorial sem nada, como nós chamamos de
oco, o imaginal entra jogando mais coisas para manter a identificação com o
sensorial. Pode perceber isso aí! Tenho percebido isso aqui já há alguns dias.
O: Sim. No oco, entra o imaginal
buscando uma forma de ação que produza uma sensação diferente do oco, algo que
pareça ter real sentido. Vejo isso ocorrendo aqui... Por exemplo, tenho tempo
ocioso e a mente fica cobrando a descoberta de uma atividade que possa ser útil
para a sociedade e financeiramente rentável. Percebo o condicionamento de ter
que manter uma rotina que ocupe boa parte do dia.
F: Sim.
O: Mas penso que a sociedade não
precisa de mais um ser fugindo de si mesmo por meio de uma rotina condicionada
pela estrutura social. Penso que ela precisa de alguém com uma nova maneira de
perceber a realidade, alguém que saiba se é possível ou não, o resgate de um
estado incondicionado de ser, se é possível ou não, viver sem estar preso a uma
rotina pré-estabelecida, esperando por descanso depois de quarenta anos nessa
rotina.
F: Faz sentido.
O: Veja que o isolamento forçoso da
pandemia, deixou claro como o ser humano não consegue viver consigo mesmo,
muito menos manter muita intimidade com seus próximos, e que cria rotinas que
amenizam a intimidade conflituosa consigo e com os demais, como a ausência do
amor está presente ali. Para a maioria, parece que estar na inação é uma ação
que dispara o oco e a ausência de sentido, faz explodir a solidão, a
incapacidade de amor e comunhão, bem como a insuficiência psíquica. Na inação,
o oco explode e exige sensação.
F: Fortíssimo. O estabelecimento
de uma rotina é o estabelecido como certo. Sem a rotina, para maioria explode a
solidão, o vazio, a ansiedade. Mas penso que esse ainda não é o ponto.
O: Qual seria ao seu ver?
F: Estamos vendo como é possível
isso chegar em nós primeiro, mesmo ainda com tudo que fizemos, também sentimos os
mesmos sentimentos, solidão e tal, só que a desidentificação em nós, já é uma
realidade. Então, ao percebermos tudo isso, o sofrimento não se instala e a
coisa se mostra dinâmica.
O: Qualquer ação que não seja proveniente
de um insight libertário, para mim, é só mais uma fuga de si mesmo, ou seja, da
identificação com o conteúdo do imaginal sensorial condicionado. Qualquer ação
que não seja de um insight libertário, não produz a ação assertiva, o modo
correto de viver neste mundo. A ação fora de um insight libertário, nos mantém
na engrenagem condicionada.
F: Você percebe que há um fator
aí que vai contra tudo que está estabelecido?
O: Observe aí o condicionamento
de ter que estar em ação, de ter que estar adaptado ao padrão de rotina de
trabalho, de segunda a sexta, por oito horas no mínimo, com direito ao sábado e
domingo, mas com atividades de lazer. Tem que estar em atividade; tem que estar
em busca de agitação e sensação.
F: Claro que percebo. Esse
condicionamento é forte; talvez o mais forte em todos. Não há saída, a não ser
dar o pulo do gato para cair fora da engrenagem sistêmica. Mesmo assim, há a
sensação interna. É disso que estamos falando, certo? Isso é bem mais sutil, essa
comichão de ansiedade, essa inquietude crônica que pede por qualquer ação. Fomos
criados assim, nesse galinheiro.
O: Sem ação e sensação, o
indivíduo cai na ansiedade, em algum tipo de compulsão ou na depressão.
F: Sem a observação passiva não
reativa, ele não aguenta o tranco. Vejo que a impermanência do conteúdo do imaginal
e do sensorial, de tudo que se passa em nós, é uma realidade. Já não é
necessário levar nada disso a sério.
O: Sim, é isso!
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