O: Bom dia, Confrade! Esse platô
da indiferença é o estado mais maduro que já vivi, apesar dele ainda estar
inserido na inquietude. Ele mostra claramente que essa inquietude — que sempre
foi a base da nossa estrutura psíquica traumática, adulterada —, foi ela que
nunca nos deixou, participar com a totalidade de nosso ser, de nada que se
apresentava diante de nós. Essa inquietude é que sempre nos impediu o
conhecimento de uma real conexão, que sempre nos manteve na superficialidade
relacional.
F: Percebo o mesmo aqui!
O: Foi ela que sempre nos impediu
a entrega total de nós mesmos.
F: Hoje há uma frieza — não sei
se essa é a melhor palavra —, que não é por maldade, como já foi anteriormente.
Trata-se de uma frieza de maturidade, sem emocionalismo barato.
O: Se possível, é claro, tente
aprofundar melhor isso. Veja que anteriormente, nunca houve essa capacidade de
indiferença, visto que nos embolávamos com tudo que se passava no imaginal e no
sensorial, fazendo com que saíssemos reagindo de forma neurótica.
F: A indiferença de hoje é de
outra qualidade. Anteriormente, a indiferença era sentida, calculada, maldosa,
separatista, vou colocar assim.
O: O platô de indiferença a que
me refiro, é ao que se passa internamente.
F: Exato. Antigamente, sempre algo
era adicionado ou repelido por esforço.
O: Hoje somos indiferentes, não
ao ambiente externo, mas ao que sentimos em relação ao ambiente externo. Agora estamos
vendo o mecanismo da inquietude e sua compulsão por sensação.
F: Sim, nunca foi o externo!
Pensávamos que era.
O: E estamos ficando
indiferentes, tanto à inquietude quanto à busca de sensação. Ocorre isso aí?
F: É a busca de sensação que
mantém a sútil identificação com a totalidade da estrutura.
O: Agora fica claro, que nosso
estado incondicionado de ser, é que sempre esteve causando essa inquietude,
para poder romper com a capa de condicionamentos, só que não entendíamos isso,
e colocávamos outro condicionamento, outra sensação, as quais foram
fortificando a estrutura. A inquietude parece ser o próprio estado
incondicionado, querendo romper de vez com a limitação da estrutura condicionada.
F: Exato! Ela nem é o problema,
se tomarmos a inquietude como sendo algo que está arrebentando tudo.
O: O próprio incondicionado está
rompendo a crosta de condicionamentos; é ele que está mostrando tudo.
F: Ele próprio socando a casca de
condicionamentos.
O: Tudo por meio da observação
passiva não reativa.
F: Tinha que ser interno.
O: Como o pintinho querendo sair
do ovo.
F: A inquietude é o pão nosso de
cada dia.
O: A inquietude parece ser um
resultado da ação do estado incondicionado, querendo romper a estrutura adulterada.
A fuga da inquietude é que sempre nos impediu até aqui, de saber o que é amor,
liberdade e felicidade, fazendo com que só conhecêssemos compulsão por prazer,
por sensação e, como resultado, insatisfação, frustração e limitação. A busca
da fuga da inquietude é que criou todos os nossos padrões de dependência e
codependência.
F: Concordo que possa ser isso.
O: É a nossa natureza exata
querendo romper com o que não é exato, com o que não é natural, com o que não é
espontâneo; é o estado em que somos psicologicamente autossuficientes, querendo
romper com nossas dependências e limitações de expressão de ser; nosso estado
lúcido querendo romper com nossa ausência de lucidez. Parece que sempre foi
isso, mas nos faltava a capacidade de visão quanto aos movimentos de fuga que
sustentavam a ausência de liberdade, lucidez e naturalidade de ser; éramos
controlados pelos impulsos emotivos reativos escapistas, os quais nos impediam
de ficar com a inquietude, qual vai dinamitando as crostas de condicionamentos
e dependências. Podemos dizer que agora, estamos inseridos na maior síndrome de
abstinência, que é a de se abster dos mais sutis mecanismos de fuga por meio da
busca de uma sensação diferente da inquietude.
F: Sim.
O: Foi sempre a inquietude não
reconhecida que sempre nos mantinha num estado de ansiedade, onde sempre
estávamos querendo fugir das situações, nunca inteiros na situação, onde só o
corpo estava presente, mas a mente ausente... Não havia presença integral.
F: Sim, sempre foi a identificação
inconsciente com a inquietude e com os impulsos emotivos reativos que dela
explodiam. Tudo isso é muito sútil... Porque na realidade, como podemos ver, trata-se
da ilusória identificação com o próprio corpo, com o próprio fluxo mecânico e
não solicitado.
O: Sim, mas agora, há um
distanciamento, uma centrante indiferença.
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