21/02/2021

O imaginal é fluxo de ideia-sensação projetada

O: Paramos ontem na percepção de que o fluxo é sempre a projeção da ideia de uma circunstância, acrescido da ideia de uma sensação que será sentida quando nessa circunstância. A percepção desse fluxo de ideia-sensação, dissolve a possibilidade da identificação emotiva reativa com o mesmo. Portanto, a ideia como mecanismo de ação, por estar condicionada, só pode perpetuar a inquietude.

F: A maior arma do fluxo me parece ser a preocupação excessiva com ele mesmo.

O: Sim, o autocentramento. Será possível ação sem o fluxo do imaginal, ou seja, sem a ideia-sensação, visto que ideia não é ação, mas sim, reação?

F: Só quando ocorre de forma espontânea.

O: Diante disso, parece-me lógico que só podemos despertar para a lúcida integridade do estado incondicionado de ser, quando observamos a totalidade do mecanismo de funcionamento da ideia-sensação.

F: Mas o modus operantes, em sua totalidade, está fundamentado no cálculo autocentrado. Fica cada vez mais claro, que nada podemos fazer a nível do imaginal.

O: O imaginal é fluxo de ideia-sensação projetada, ideia de circunstâncias e possíveis sensações. Sempre isso. Parece-me que só podemos conhecer a lúcida integridade do estado incondicionado de ser, quando compreendemos a totalidade do mecanismo formador de ideia-sensação e abandonamos a ilusória e separatista identificação com o que vem de tal mecanismo.

F: A meu ver, isso pode ser assim ou não... não sabemos...

O: Qualquer ação com base no imaginal condicionado, não é ação, mas sim, reação. Reação só produz perpetuação da confusão, da limitação, da inquietude. Só podemos conhecer a beleza da integração se transcendermos a identificação com a ideia e o sentimento, visto que ambos estão condicionados pelo cálculo autocentrado. A beleza da integração não é possível enquanto ocorre a agitação do fluxo do imaginal.

F: Não tem que parar o fluxo... é o próprio fluxo que traz a ideia de que algo tem que ser feito para que ele pare, para que algo além ocorra...

O: Só na beleza da integração é que ocorre a ação sem ideia, que é criação. Parece-me ser de extrema importância, identificar o funcionamento do mecanismo imaginal, o qual é sempre projeção simultânea de uma ideia e de uma sensação relativa a instalação dessa ideia.

F: Isso sim.

O: Quando tal funcionamento é identificado, não ocorre identificação com o mesmo. Nessa "identificação desidentificada", digamos assim, vai se afirmando um estado de centramento não reativo. O mecanismo é sempre projeção de ideia com sensação relativa a própria ideia projetada.

F: Ou já existe alguma sensação corpórea e o imaginal entra rotulando, o que perpetua a mesma sensação; sem o imaginal, o sensorial não solidifica.

O: Se acontecer isso vou sentir isso.... Ou algo diferente disso que sinto agora. Sempre uma projeção de vir-a-ser.

F: Essa é a ação calculada... Esse é o maior truque do imaginal. Acho que estamos cada vez mais nos permitindo sentir o que há; sempre nos relacionamos com base no cálculo autocentrado; buscávamos aos ambientes, já com a sensação pensada... Esse é o supremo golpe do vigário central.

O: Enquanto "adicto do imaginal", não há saída da inquietude. Já está ocorrendo certa abstinência com relação ao que vem do fluxo do imaginal, e isso, já possibilita certa integridade ao não reagir aos seus impulsos. Parece-me que o lance é se permitir, de modo passivo e não reativo, descer até o fundo do poço da inquietude, observando tudo que se apresenta no percurso, de modo desidentificado.

F: Vai entrando um momento de compreender o fluxo tal como é, sem se identificar com mais nada dali, sem querer modificar nada, sem querer fazer nada a respeito.

O: Nada precisa ser feito diante de algo que é percebido como ilusão.

F: A própria inquietude muda por si.

O: Inquietude mudada, ainda é inquietude.

F: O imaginal mantém a inquietude e a atenua. O lance é sentir as mutantes sensações, sem agregar o extra que é sempre do imaginal. As sensações são o “nosso maná de cada dia”, o “Daily Meal”... a refeição diária. No entanto, parece-me que ainda há um ponto interessante a ser observado... Em tudo isso, os pensamentos ocorrem a nível de um processo. Quando ficamos com o que as sensações nos trazem durante o dia, temos muito mais chances de sermos espontâneos em nossas ações, pois o cálculo autocentrado é sempre do imaginal; é sempre ele que imagina um cálculo. Mas no fundo, o que manda é o que se passa na qualidade do sentir... É o sensorial que apresenta o menu do dia, nele, não tem o cálculo.

O: Pensamento e sentimento, parecem-me ser um só mecanismo. Penso que é o próprio imaginal que traz a ideia de que são diferentes, de que são dissociados. Até onde percebo, o sentimento é uma extensão do pensamento, o pensamento materializado, somatizado; o sentimento é a identificação com a ideia, com o pensamento, ainda que de modo inconsciente: “Identifico-me com o pensamento, logo, sinto”.

F: O sentimento, as sensações, também surgem do nada, também surgem antes do pensamento; às vezes o pensamento entra junto, rotulando qual é o tipo de sentimento.

O: Sugiro que você observe melhor. Esse mecanismo pode ocorrer de modo consciente ou inconsciente.

F: Já olhei.

O: Até onde observei, parece-me não existir sentimento dissociado de ideia.

F: Existem sensações rotuladas pela ideia. Neste exato momento, a sensação está ocorrendo aqui, sem nomeação, ela está aqui.

O: Penso não existir sentimento dissociado de ideia.

F: Se eu abrir o leque do imaginal, ele vai categorizar essa sensação. Pode ver. Tem alguma sensação aí, sempre há. Quando não há ação, o imaginal nomeia de vazio, de oco, de nada. Nessa nomeação ele reinicia o looping do imaginal sensorial condicionado. Só que o que existe são as sensações sendo somatizadas.

O: O oco é ausência de sensação, que dá looping no imaginal.

F: O oco, por mais que seja ausência, ainda é um “sentir” de ausência de sensações. O imaginal vem e diz: “Que sensação terrível!”... “Que merda!”... A sensação de oco te engole, te sufoca, queima o peito. Então, há algo ali que sente a ausência de sensações. A coisa revira as entranhas, revira, torce o bucho... Então, veja, mesmo no oco, há sensações que acabam sendo somatizadas no organismo. Por exemplo, ontem à noite, a coisa pedia para que eu batesse a cabeça na parede, de tanto vazio que revirava. Ao mesmo tempo que isso era sentido, havia a risada interna de ver a loucura do fluxo, de ver o próprio imaginal projetando sugestões para sair da sensação de vazio. Chega dar um vácuo na nuca. Tem sensações que somatizam. Trata-se de algo paradoxal. Sinto vazio, sinto oco, sinto isso ou aquilo... Mesmo o não sentir, ainda é uma forma de sentir. Veja o paradoxo.

O: Sim: Sinto que não estou sentindo nada.

F: Exato. Olha que furada... Socorro! Não estou sentindo nada! Como assim? (Risos). Se não estou sentindo nada, então, sinto o nada. Percebe?

O: Claramente.

F: O mecanismo do imaginal sensorial condicionado, é muito patético. Mas vamos com calma! Quem chegou nesta percepção do mecanismo, já não sofre, já não vive na neurose; mas quem não pegou o funcionamento do mecanismo, esse, sofre muito.

O: Por isso afirmei anteriormente que a coisa ocorre de modo consciente ou inconsciente.

F: Sim, pode ocorrer em ambos estados de consciência. Ótimo isso, parece-me que é bem assim. Já passamos por um enorme sofrimento, por estarmos inconscientes do funcionamento do mecanismo de ideia-sensação; foram anos nessa ignorância do funcionamento de si mesmo... preso, sempre correndo sem parar dentro da mesma cela, uma hora para a esquerda, outra para a direita, depois para cima e para baixo... Brecando, acelerando, virando, fazendo assim e assado... Percebe?

O: Sim, come, bebe, fuma, tanto faz!

F: Isso. Ótimo! Um movimento muito patético, neurótico mesmo! O mecanismo do imaginal sensorial condicionado é bem isso... O imaginal vem com a projeção da ideia: “Você é um fracasso”... Na sequência, “Você tem que fazer algo para deixar de ser um fracasso” ou, “Não, eu não sou um fracasso”, ele vem com todo blábláblá que você já conhece... Nisso, a sensação já pegou, ou já havia algo.

O: No principio era o verbo, só uma ideia, então virou carne e habitou em nós em forma de inquietude.

F: Sim, antes estava sentindo esse vazio, o nada. Paradoxo! Mas veja, estava sentido o que o imaginal nomeava de vazio, de oco, de nada. Depois de nomear, o imaginal projeta: Vá fazer alguma coisa... Corre, pedala, mercado, shopping, joga, vê um filme, tenta um sexo com a patroa... Cara, o mecanismo é pura insanidade, é pura emoção violenta. Adultos adulterados adulterantes geral.

O: O pensamento e o sentimento são um só circuito.

F: Isso. Circuito esse que corre em todos os sentidos, está integrado, onde um potencializa o outro.

O: Não tem como negar isso. Não interessa quem começou o circuito.

F: Isso mesmo, não interessa se foi o ovo ou a galinha.

O: O fato é que um reage ao outro e se alimentam mutuamente dessa reação.

F: Isso. Um reage e alimenta ao outro.

O: Há uma simbiose aí, uma codependência.

F: Isso que estamos falando, quebra toda psicanálise, quebra tudo que vimos e tentamos até aqui: Deus, papa, padre, pastor, bispo, guru, padrinho, mentor... Quebra a banca toda.

O: Sem dúvida alguma.

F: Quebra aquele lance de perceber que você não é bom, mas que pelo esforço, pode alimentar o desejo de ser bom. (Risos) Sou mal mas quero ser bom. Percebe? Padre, pequei! Reza doze Ave Marias e três Pai Nosso, e não deixe de vir na missa de domingo. Não deu certo? Bora para a cerveja, enche o caneco de droga... Tenta outra mulher.

O: Pratica os 12 Passos, fala com o padrinho e melhore seu contato com o Deus da sua concepção.

F: Estou me sentido péssimo; estou me sentindo bem; já passou... você vai enlouquecer...

O: Looping é insano, é fluxo de emoção violenta, não tem sentido real. Mas veja que já se instalou uma inteligência, a qual lhe propicia a percepção de tudo isso, sem que você reaja a tudo que está sendo percebido.

F: Isso. Há total inteligência nisso. A inteligência que se manifesta por meio da observação passiva não reativa, é que está tocando tudo isso: Nunca houve isso! Não se trata de um “eu” se esforçando para fazer isso, pode ver. Não somos nós como pensávamos, de modo algum.

O: Mas essa inteligência está em nós, não se trata de nada de fora, nada do além, nada de sobrenatural, nada de divino. Ela está nisso que somos, por trás daquilo que sempre pensamos que éramos; em nossa exata natureza incondicionada, não no que condicionamos como “eu”, o qual já vimos que é uma ilusão. Isso não se torna óbvio para quem não amadureceu o processo de descondicionamento.

F: Isso. Esse não quebra a identificação, ele é o fluxo. Para ele, isso não é óbvio... Ele continua insistindo em alguma forma de fuga de si mesmo... Sempre em busca do livro certo, do mestre certo. O livro que ele é, ele não quer ler.

O: Não querer virar as folhas que o imaginal sensorial lhe apresenta.

F: Minhas sensações e sentimentos? Não vou ler não! Vou ler o Advaita, quero purpurina, brilhantes flores de plástico. Ler o livro que sou? Credo! Isso dói muito, traz uma inquietude insuportável!

O: O indivíduo não quer ler, ele quer é fugir da inquietude através da leitura.

F: Isso já ficou claro para nós, pois já atravessamos essas ruas.

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