O: Paramos ontem na percepção de
que o fluxo é sempre a projeção da ideia de uma circunstância, acrescido da
ideia de uma sensação que será sentida quando nessa circunstância. A percepção
desse fluxo de ideia-sensação, dissolve a possibilidade da identificação
emotiva reativa com o mesmo. Portanto, a ideia como mecanismo de ação, por
estar condicionada, só pode perpetuar a inquietude.
F: A maior arma do fluxo me
parece ser a preocupação excessiva com ele mesmo.
O: Sim, o autocentramento. Será
possível ação sem o fluxo do imaginal, ou seja, sem a ideia-sensação, visto que
ideia não é ação, mas sim, reação?
F: Só quando ocorre de forma
espontânea.
O: Diante disso, parece-me lógico
que só podemos despertar para a lúcida integridade do estado incondicionado de ser,
quando observamos a totalidade do mecanismo de funcionamento da ideia-sensação.
F: Mas o modus operantes, em sua
totalidade, está fundamentado no cálculo autocentrado. Fica cada vez mais claro, que nada podemos fazer a nível do imaginal.
O: O imaginal é fluxo de ideia-sensação
projetada, ideia de circunstâncias e possíveis sensações. Sempre isso. Parece-me
que só podemos conhecer a lúcida integridade do estado incondicionado de ser,
quando compreendemos a totalidade do mecanismo formador de ideia-sensação e
abandonamos a ilusória e separatista identificação com o que vem de tal
mecanismo.
F: A meu ver, isso pode ser assim
ou não... não sabemos...
O: Qualquer ação com base no
imaginal condicionado, não é ação, mas sim, reação. Reação só produz perpetuação
da confusão, da limitação, da inquietude. Só podemos conhecer a beleza da
integração se transcendermos a identificação com a ideia e o sentimento, visto
que ambos estão condicionados pelo cálculo autocentrado. A beleza da integração
não é possível enquanto ocorre a agitação do fluxo do imaginal.
F: Não tem que parar o fluxo... é
o próprio fluxo que traz a ideia de que algo tem que ser feito para que ele
pare, para que algo além ocorra...
O: Só na beleza da integração é
que ocorre a ação sem ideia, que é criação. Parece-me ser de extrema
importância, identificar o funcionamento do mecanismo imaginal, o qual é sempre
projeção simultânea de uma ideia e de uma sensação relativa a instalação dessa
ideia.
F: Isso sim.
O: Quando tal funcionamento é identificado,
não ocorre identificação com o mesmo. Nessa "identificação desidentificada", digamos
assim, vai se afirmando um estado de centramento não reativo. O mecanismo é sempre
projeção de ideia com sensação relativa a própria ideia projetada.
F: Ou já existe alguma sensação
corpórea e o imaginal entra rotulando, o que perpetua a mesma sensação; sem o
imaginal, o sensorial não solidifica.
O: Se acontecer isso vou sentir
isso.... Ou algo diferente disso que sinto agora. Sempre uma projeção de
vir-a-ser.
F: Essa é a ação calculada...
Esse é o maior truque do imaginal. Acho que estamos cada vez mais nos permitindo
sentir o que há; sempre nos relacionamos com base no cálculo autocentrado; buscávamos
aos ambientes, já com a sensação pensada... Esse é o supremo golpe do vigário
central.
O: Enquanto "adicto do imaginal",
não há saída da inquietude. Já está ocorrendo certa abstinência com relação ao
que vem do fluxo do imaginal, e isso, já possibilita certa integridade ao não
reagir aos seus impulsos. Parece-me que o lance é se permitir, de modo passivo
e não reativo, descer até o fundo do poço da inquietude, observando tudo que
se apresenta no percurso, de modo desidentificado.
F: Vai entrando um momento de
compreender o fluxo tal como é, sem se identificar com mais nada dali, sem
querer modificar nada, sem querer fazer nada a respeito.
O: Nada precisa ser feito diante
de algo que é percebido como ilusão.
F: A própria inquietude muda por
si.
O: Inquietude mudada, ainda é
inquietude.
F: O imaginal mantém a inquietude
e a atenua. O lance é sentir as mutantes sensações, sem agregar o extra que é
sempre do imaginal. As sensações são o “nosso maná de cada dia”, o “Daily Meal”...
a refeição diária. No entanto, parece-me que ainda há um ponto interessante a
ser observado... Em tudo isso, os pensamentos ocorrem a nível de um processo.
Quando ficamos com o que as sensações nos trazem durante o dia, temos muito
mais chances de sermos espontâneos em nossas ações, pois o cálculo autocentrado
é sempre do imaginal; é sempre ele que imagina um cálculo. Mas no fundo, o que
manda é o que se passa na qualidade do sentir... É o sensorial que apresenta o
menu do dia, nele, não tem o cálculo.
O: Pensamento e sentimento,
parecem-me ser um só mecanismo. Penso que é o próprio imaginal que traz a ideia
de que são diferentes, de que são dissociados. Até onde percebo, o sentimento é
uma extensão do pensamento, o pensamento materializado, somatizado; o
sentimento é a identificação com a ideia, com o pensamento, ainda que de modo
inconsciente: “Identifico-me com o pensamento, logo, sinto”.
F: O sentimento, as sensações, também
surgem do nada, também surgem antes do pensamento; às vezes o pensamento entra
junto, rotulando qual é o tipo de sentimento.
O: Sugiro que você observe
melhor. Esse mecanismo pode ocorrer de modo consciente ou inconsciente.
F: Já olhei.
O: Até onde observei, parece-me não
existir sentimento dissociado de ideia.
F: Existem sensações rotuladas
pela ideia. Neste exato momento, a sensação está ocorrendo aqui, sem nomeação,
ela está aqui.
O: Penso não existir sentimento
dissociado de ideia.
F: Se eu abrir o leque do
imaginal, ele vai categorizar essa sensação. Pode ver. Tem alguma sensação aí,
sempre há. Quando não há ação, o imaginal nomeia de vazio, de oco, de nada.
Nessa nomeação ele reinicia o looping do imaginal sensorial condicionado. Só
que o que existe são as sensações sendo somatizadas.
O: O oco é ausência de sensação,
que dá looping no imaginal.
F: O oco, por mais que seja
ausência, ainda é um “sentir” de ausência de sensações. O imaginal vem e diz: “Que
sensação terrível!”... “Que merda!”... A sensação de oco te engole, te sufoca,
queima o peito. Então, há algo ali que sente a ausência de sensações. A coisa
revira as entranhas, revira, torce o bucho... Então, veja, mesmo no oco, há
sensações que acabam sendo somatizadas no organismo. Por exemplo, ontem à noite,
a coisa pedia para que eu batesse a cabeça na parede, de tanto vazio que
revirava. Ao mesmo tempo que isso era sentido, havia a risada interna de ver a loucura
do fluxo, de ver o próprio imaginal projetando sugestões para sair da sensação
de vazio. Chega dar um vácuo na nuca. Tem sensações que somatizam. Trata-se de
algo paradoxal. Sinto vazio, sinto oco, sinto isso ou aquilo... Mesmo o não
sentir, ainda é uma forma de sentir. Veja o paradoxo.
O: Sim: Sinto que não estou
sentindo nada.
F: Exato. Olha que furada... Socorro!
Não estou sentindo nada! Como assim? (Risos). Se não estou sentindo nada,
então, sinto o nada. Percebe?
O: Claramente.
F: O mecanismo do imaginal
sensorial condicionado, é muito patético. Mas vamos com calma! Quem chegou nesta
percepção do mecanismo, já não sofre, já não vive na neurose; mas quem não pegou
o funcionamento do mecanismo, esse, sofre muito.
O: Por isso afirmei anteriormente
que a coisa ocorre de modo consciente ou inconsciente.
F: Sim, pode ocorrer em ambos
estados de consciência. Ótimo isso, parece-me que é bem assim. Já passamos por
um enorme sofrimento, por estarmos inconscientes do funcionamento do mecanismo
de ideia-sensação; foram anos nessa ignorância do funcionamento de si mesmo...
preso, sempre correndo sem parar dentro da mesma cela, uma hora para a
esquerda, outra para a direita, depois para cima e para baixo... Brecando,
acelerando, virando, fazendo assim e assado... Percebe?
O: Sim, come, bebe, fuma, tanto
faz!
F: Isso. Ótimo! Um movimento
muito patético, neurótico mesmo! O mecanismo do imaginal sensorial condicionado
é bem isso... O imaginal vem com a projeção da ideia: “Você é um fracasso”... Na
sequência, “Você tem que fazer algo para deixar de ser um fracasso” ou, “Não,
eu não sou um fracasso”, ele vem com todo blábláblá que você já conhece... Nisso,
a sensação já pegou, ou já havia algo.
O: No principio era o verbo, só
uma ideia, então virou carne e habitou em nós em forma de inquietude.
F: Sim, antes estava sentindo
esse vazio, o nada. Paradoxo! Mas veja, estava sentido o que o imaginal nomeava
de vazio, de oco, de nada. Depois de nomear, o imaginal projeta: Vá fazer
alguma coisa... Corre, pedala, mercado, shopping, joga, vê um filme, tenta um sexo
com a patroa... Cara, o mecanismo é pura insanidade, é pura emoção violenta. Adultos
adulterados adulterantes geral.
O: O pensamento e o sentimento são
um só circuito.
F: Isso. Circuito esse que corre
em todos os sentidos, está integrado, onde um potencializa o outro.
O: Não tem como negar isso. Não interessa
quem começou o circuito.
F: Isso mesmo, não interessa se
foi o ovo ou a galinha.
O: O fato é que um reage ao outro
e se alimentam mutuamente dessa reação.
F: Isso. Um reage e alimenta ao outro.
O: Há uma simbiose aí, uma
codependência.
F: Isso que estamos falando, quebra
toda psicanálise, quebra tudo que vimos e tentamos até aqui: Deus, papa, padre,
pastor, bispo, guru, padrinho, mentor... Quebra a banca toda.
O: Sem dúvida alguma.
F: Quebra aquele lance de perceber
que você não é bom, mas que pelo esforço, pode alimentar o desejo de ser bom.
(Risos) Sou mal mas quero ser bom. Percebe? Padre, pequei! Reza doze Ave Marias
e três Pai Nosso, e não deixe de vir na missa de domingo. Não deu certo? Bora
para a cerveja, enche o caneco de droga... Tenta outra mulher.
O: Pratica os 12 Passos, fala com o
padrinho e melhore seu contato com o Deus da sua concepção.
F: Estou me sentido péssimo;
estou me sentindo bem; já passou... você vai enlouquecer...
O: Looping é insano, é fluxo de
emoção violenta, não tem sentido real. Mas veja que já se instalou uma
inteligência, a qual lhe propicia a percepção de tudo isso, sem que você reaja
a tudo que está sendo percebido.
F: Isso. Há total inteligência nisso.
A inteligência que se manifesta por meio da observação passiva não reativa, é
que está tocando tudo isso: Nunca houve isso! Não se trata de um “eu” se
esforçando para fazer isso, pode ver. Não somos nós como pensávamos, de modo
algum.
O: Mas essa inteligência está em
nós, não se trata de nada de fora, nada do além, nada de sobrenatural, nada de
divino. Ela está nisso que somos, por trás daquilo que sempre pensamos que éramos;
em nossa exata natureza incondicionada, não no que condicionamos como “eu”, o
qual já vimos que é uma ilusão. Isso não se torna óbvio para quem não
amadureceu o processo de descondicionamento.
F: Isso. Esse não quebra a
identificação, ele é o fluxo. Para ele, isso não é óbvio... Ele continua
insistindo em alguma forma de fuga de si mesmo... Sempre em busca do livro
certo, do mestre certo. O livro que ele é, ele não quer ler.
O: Não querer virar as folhas que
o imaginal sensorial lhe apresenta.
F: Minhas sensações e sentimentos?
Não vou ler não! Vou ler o Advaita, quero purpurina, brilhantes flores de
plástico. Ler o livro que sou? Credo! Isso dói muito, traz uma inquietude
insuportável!
O: O indivíduo não quer ler, ele
quer é fugir da inquietude através da leitura.
F: Isso já ficou claro para nós,
pois já atravessamos essas ruas.
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