O: Não sei se você se deu conta
do que conversamos aqui, a percepção de que o imaginal projeta uma ideia e, juntamente
com a projeção dessa ideia, a ideia de um sentimento que teremos, caso a ideia inicial
ocorra. Perceba aí que quando isso é percebido, tal percepção desmonta a
instalação da sensação.
F: O imaginal e sensorial são uma
única estrutura complexa. Ou o sensorial está com alguma sensação e o imaginal
atenua e perpétua a mesma. Não há necessariamente uma ordem nisso mas,
basicamente, são interdependentes sim.
O: Outro ponto que acho
pertinente a observação, diz respeito a como essa estrutura foi condicionada
para ser dependente de pessoas, lugares, circunstâncias e filiações. Ela não
recebeu um tipo de educação que aponte para a manifestação de um estado de
integração fundamentado na autossuficiência psíquica.
F: Isso mesmo, nossa cultura,
nossa chamada “educação”, ambas estão voltadas para a formação e manutenção de
dependências, é isso mesmo .
O: Nosso momento parece ser algo como
a crucificação final dessa condicionada estrutura limitada e dependente, para
que possamos resgatar a liberdade e a lucidez do estado incondicionado de ser.
F: Isso, realmente não sei mas,
há a percepção de que não tem o que ser feito, nem aquele que pode fazer algo;
realmente, isso não tem. Se a mecanicidade do fluxo parar, será por si, há a
compreensão forte de que é isso...
O: O sentido dessa inquietude
está na percepção do mecanismo de dependência dessa estrutura e a retirada —
não forçada pelo cálculo autocentrado mas sim através de algo mais fundo em nós
—, dessa estrutura dependente. A estrutura só conhece a ilusão de segurança por
meio do apego, por meio da dependência. Quando a estrutura se percebe
dependente, inevitavelmente, projeta o medo de se ver sem as pessoas, lugares,
circunstâncias e filiações que sustentam sua dependência; é daí que surge toda
forma de inquietude.
F: O ponto fundamental é que
qualquer movimento, para qualquer lado que seja, a nível do imaginal, resulta
em mais movimento do imaginal... Quando o imaginal está muito ativo, geralmente
é porque o que está mesmo pegando, são a sensações que precisam ser sentidas...
Quando você se permite sentir o que surge das emoções, das sensações e sentimentos, isso
de certa forma, apazigua o imaginal...
O: Veja que parte da estrutura
dependente está na ilusão de que "depende de seu esforço consciente",
para a dissolução de toda manifestação de dependência. Mas ela não tem como sair
da dependência, enquanto sustenta a dependência do esforço próprio, o qual é
sempre limitado e cabível de recaídas, de retrocessos. Isso já se tornou muito
claro pela observação de nossa história e da história dos demais.
F: Não tem como sair da dependência...
numa observação mais atenta, você constata isso mesmo. Essa é uma ilusão socialmente
compartilhada...
O: Não há limites para o poder de
criação de fugas ilusórias por parte do imaginal. Ele vai desde as fugas mais
grosseiras como as drogas, o álcool, o tabagismo, o comer compulsivo, o sexo ou
outro padrão de comportamento obsessivo compulsivo, ou as mais refinadas fugas provenientes
do terreno da chamada espiritualidade, como por exemplo, a ideia de que no
fundo da mente existe uma porta com as palavras “Eu sou”, por meio da qual,
através de um esforço consciente de sua parte, você pode atravessar tal porta
e, com isso, ter a dissolução da mente condicionada e a revelação de sua
Natureza Essencial de Consciência, sempre presente e Ilimitada, a morada da
paz, felicidade e amor.
F: O indivíduo pode ficar cem
anos ditando “Eu Sou”, “Ommm,” que talvez não funcione... caso não pegue a
observação, bem provável que nada surtirá efeitos práticos... A estrutura é
algo que rola por si... sendo por si, ela provavelmente é isso. O que temos é o
ver através dela...
O: Tudo isso pode soar muito
"bunitm", mais desafio qualquer um a ver se isso se mostra realmente
funcional, ou tão somente, mais uns dos truques da estrutura condicionada, em
busca por mais e mais formas de condicionamentos. Você pode ficar repetido o
tal do "Eu Sou" pelo tempo que quiser, e verá que isso não tem o
poder de mudar a estrutura condicionada e dependente pela qual você funciona no
momento.
Não é difícil perceber que os que
ainda se agarram nessas firulas espirituais, só se agarram a elas, devido ao
não revelado estado de inquietude, vazio, confusão, dependência e ausência de
real comunhão. Para tais indivíduos, parece que encarar a realidade
condicionada, limitada e dependente do mecanismo interno pelo qual enfrentam a
realidade, é algo altamente assustador, por isso, a fuga pela crença, ainda que
mais refinada, parece ser tão tentadora.
F: Encarar tudo isso, ver como a
estrutura é de fato, é bem estranho...
O: O imaginal vai tentar todos os
cálculos, toda análise, para ver se consegue fechar a conta da sua já percebida
condicionada estrutura limitada e dependente, mas, por meio de seus cálculos,
de suas análises, de suas comparações com os preconceitos adquiridos, essa conta
nunca fecha.
F: O imaginal vai lançar a ideia
de que temos que fazer algo para solucionar o imaginal e atingir tal estado,
mas quem está lançando isso é o próprio imaginal...
O: Isso pode ser percebido com
muita clareza, enquanto, de forma passiva e não reativa, observa-se o
inquietante movimento do imaginal, em busca de soluções para sua inquietude
original.
F: Isso fica muito claro...
parece que o calçado que temos não serve mais... queremos outro... mas nunca
olhamos para o que temos, olhamos para outro com o que temos.
O: Veja a total insanidade disso:
pelo inquietante movimento, querer acabar com a inquietude. Foi a incapacidade
de ficar com essa mesma inquietude que criou a imatura ideia de Deus como nós o
concebemos, Poder Superior, Eu Maior, Eu Divino, Eu Sou, como instrumentos que
podem colocar fim a tal inquietude.
F: Foi exatamente isso.
O: A meu ver, parece não existir
cena tão reveladora sobre essa conquistada capacidade de se manter silenciosamente
observando o digladiar da inquietude, como a cena do filme “Revolver”, onde o personagem
principal, depois de muito esforço de sua parte, se vê desprovido de qualquer ajuda
externa, sem nenhum mestre, sem qualquer ferramenta nas mãos, assistindo os
delírios da estrutura condicionada tentando instalar a adulterante e neurótica identificação
reativa. Ao observar de modo passivo e não reativo, as projeções coléricas da
mente que se vê em ameaça de extinção, o personagem central percebe que o volume
das vozes vai perdendo sua intensidade até que, num momento inesperado, lhe ocorre
um derrame de integrativa e libertária lucidez, através da qual, todas as vozes
se calam, todo medo é percebido e transcendido.
F: Só chegou a lucidez para o
personagem, quando ele ficou com a estrutura, sem qualquer apoio, sem qualquer
ajuda, sentindo-a, ouvindo-a. Foi só assim que ele percebeu que ele não era
aquelas vozes, aquelas imagens, aquelas sensações. Mas tem algo interessante
ali: também houve um lapso lá na cena, alguns segundos e, de repente, a estrutura
reapareceu, mas o medo caiu.
O: Mas não mais a mesma estrutura. Um estado diferente de ser se manifestou ali. Sem dúvida alguma, temos que dar os parabéns para a estrutura condicionada do imaginal sensorial, por sua poderosa e quase que inesgotável capacidade de criação de caóticos enredos dramatúrgicos. Mas também podemos nos parabenizar pela capacidade alcançada de perceber, cada vez mais de imediato, a projeção desses enredos, sem com eles se identificar, sem vestir a roupagem de seus personagens. Perceber tudo isso, sentir isso e deixar ir, de modo passivo, não reativo e silenciosamente, esse sim tem se mostrado o único poder superior ao digladiar da inquietude.
F: Exatamente, parabéns para a
estrutura do imaginal; em sua capacidade de ilusão, ela é suprema.
O: Através desse observado deixar
ser e deixar ir, é que tudo da ilusória e adulterante identificação está sendo
consumado.
F: Pode ser isso mesmo. Acredito
que a estrutura seguirá, mas, poderá sofrer alguma mutação, porque de certa
forma, precisamos da mente. Não tem como, só que lúcida. Mas não tenho como
afirmar isso. Sinceramente, isso não interessa.
O: Sim, pois aí recairíamos no
looping da crença, da conjectura.
F: Isso. Veja que não há
diferença entre Deus, vida eterna, lucidez, céu, além do ser... Tudo ainda é o
imaginal, o pensamento, portanto, nada disso interessa. A única coisa que temos
é o nosso sentimento agora; ele mesmo é mutável, mas a capacidade de ficar com
ele, de modo passivo e não reativo, é o que temos no momento como um Poder
Superior.
O: Isso realmente está fazendo
toda a diferença. Não há como negar a capacidade de autonomia psicológica que
vem se instalando através disso.
F: Mas me parece que só tem isso
a ser feito: ficar com o que se manifesta do imaginal e do sensorial, sem permitir
a interferência do imaginal.
O: Isso acaba com qualquer
crença, com qualquer esperança, visto que a esperança, também tem base no
imaginal.
F: Nesse momento, sim. Ocorreu uma
mudança no nosso sentir, no modo como nos relacionamos com a própria estrutura
psíquica, qualidade do sentir que pode modificar nosso viver. Não uma grande
ideia. Parece-me que é isso.
O: Inegável que uma mutação
ocorreu e continua ocorrendo.
F: Sem dúvida.
O: Veja, isso aqui jogou todos os
livros, todos os mestres, todos os sistemas, toda programação, toda prática
dita espiritual, todo conceito por chão.
F: Sim. Será que isso que era a
sacada do provérbio: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no
reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo
de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Mas sem se agarrar a
isso também. Digo somente no sentido de jogar fora todo intelecto livresco, a
lógica e a razão condicionada, a ilusão de sabedoria, ou seja, toda forma de blábláblá.
O: Está jogando também ao chão,
as mais sutis manifestações de fuga da inquietude, que antes não eram sequer
percebidas como fugas.
F: Veja, o intelecto não segura o
que se passa no peito, aliás, torna-o ainda mais inquieto.
O: Não há como negar isso; quanto
mais intelecto, mais lenha para o imaginal, quanto mais lenha para o imaginal,
mais fogo para o sensorial.
F: Então, temos o imaginal
inquieto querendo quietude, temos aquele que se percebe insano, querendo a
sanidade; a conta não fecha aqui. Por outro lado, um sensorial mutante em suas
sensações, que ao serem sentidas, parecem nos trazem a autossuficiência! O que
vejo aqui, é que quanto mais imaginal, mais carvão na fornalha da inquietude.
O: Sim, o incendiário, querendo
apagar o fogo com gasolina.
F: O causador de tudo é o
imaginal.
O: Isso me parece ser o mesmo que
querer saber quem nasceu primeiro, se foi o ovo, ou se foi a galinha. Também
isso não importa.
F: Excelente!
O: O lance é que vemos o fluxo de
ambos, e que um alimenta o outro, trata-se de uma codependência.
F: Isso! Mas correm lado a lado.
O: O imaginal e o sensorial como
um único sistema.
F: A diferença, pelo que me
parece, é que o incendiário é o imaginal, uma vez que quando o sensorial é sentido,
sem que ocorra a interferência do imaginal, o sensorial se desmancha por si.
O: Isso me parece ser um fato
facilmente observável.
F: No início do processo, não é
fácil observar isso. Agora é que está sendo fácil observar. Mas não é nada
fácil chegar nesse momento em que temos a capacidade de ficar com isso, de modo
passivo e não reativo.
O: Se fosse fácil, o paradigma
holotrópico teria vários seguidores. Como já vimos, são poucos os que alcançam
isso. Trata-se da velha máxima: "Muito se pode dizer à poucos. Pouco se
pode dizer à muitos. Muito nunca se pode dizer a muitos." Ou então,
“Tudo que o homem não conhece não existe para ele. Por isso o mundo tem, para cada
um, o tamanho que abrange o seu conhecimento”. O que a observação não
conhece, não cabe no imaginal.
F: Sentir o que tem para sentir; ficamos com isso. Veja que quando ficamos com o que sentimos, praticamente, não existe mais nada o que ser feito. Para de existir aquele movimento de não aceitar o que há no sensorial, de tentar sair, fugir ou mudar o que nele se manifesta. Algo muda. Praticamente, isso é um Poder Superior ao velho e eterno conflito.
O: É isso.
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