12/01/2022

Não conseguimos sair de nossa bolha emocional

C: Bom dia, Out! Li o texto sobre se existe a cura emocional... É, aqui, não muda muito não; só os lugares, mas o enredo é o mesmo e hoje ampliou, pois em nenhum lugar se encontra um só membro que tenha essa clara percepção do viver. Tudo muito patético. Antes ainda conseguia ver alguma coisa na TV; hoje, passo os olhos e só vejo bobagens, patetices, e como alguém consegue achar sentido e graça nisso?

O: A patetice não está somente no conteúdo da TV; se encontra em tudo, em todos os assuntos diários.

C: Sim, a patetice está em tudo. Acho que estamos que nem a Elis Regina: vendo o mundo de um prisma errado.

O: Sei lá, só sei que não acho saída. Não há o que mude nossa percepção e sensação e a inquietude, só aumenta. Com o descondicionamento, a vida ficou sem um Norte. Antes tínhamos um norte condicionado pela moda, mas o descondicionamento mostrou que esse norte era ilusório; mesmo um norte para a cura da inquietude não existe mais. Como a Deca não cansa de repetir, a coisa está punk! Antes dava para ter como um norte, a tentativa de desfrutar do nosso tempo com quem “imaginávamos amar” ou que “imaginávamos que nos amavam”. Dava para acreditar ser um norte, o contato com a natureza, com os animais ou com aquilo que acreditávamos ser Deus. Tudo isso foi percebido como ilusório, até mesmo a ideia de “esforço” para ver os milagres da vida. Em nossa adolescência espiritual, tentamos tudo isso que, em última análise, com o passar do tempo, se mostrou insatisfatório, irreal. O que ficou é a inquietante percepção de que não existe uma genuína e espontânea conexão com nada, todo tipo de relação exige um esforço que acaba sempre na percepção do mesmo hiato, do mesmo isolamento emocional, do mesmo vazio, da mesma falta de sentido real. Quem ainda não viveu essa constatação de modo visceral, não tem como saber o que significa a inquietude da qual falamos aqui, inquietude essa que não nos permite mais alimentar qualquer tipo de crença ou achismo. O descondicionamento fez tudo cair de moda, digamos assim.

MZ: Antes tentávamos em revistas, jornais, livros e crenças, achar algo de diferente, mas nunca achávamos de fato e, com a minha idade, já não alimento mais essa ilusão. Não tenho mais essa esperança.

C: Sim, o descondicionamento fez cair o norte de tudo, deixando apenas essa inquietude, esse desassossego.

O: E agora? É só isso?

MZ: Eu estou para lhe dizer que é só isso. Antes, as ilusões me davam um certo alento, uma certa direção, mesmo quando eu pressentia que era só mais uma ilusão. Agora, com essa desilusão, não tem mais para onde fugir. O bicho pegou para mim, não vejo mais onde me agarrar. Quando você tem alguma ilusão, você alimenta uma expectativa, mas agora, não tem mais nada disso, não tenho mais esperança alguma. Também não dá mais para descarregar a inquietude sobre os ambientes, pois eles não são a exata natureza do meu desassossego. Antes alimentava até mesmo a esperança de encontrar alguém na condução, mesmo que desconhecido, que me dissesse algo que me tocasse de fato, mas hoje, isso não existe mais.

O: Só um milagre.

MZ: Milagre não sei se existe! Milagre não! Acho que tinha que ser alguma coisa real; algo que fosse palpável, sentido.

O: O alcance dessa coisa palpável sempre foi uma expectativa nossa.

D: Mas essa coisa palpável ainda é dos sentidos condicionados; é algo da própria mente querendo encontrar algo conhecido dela. Tudo isso está dentro do limitado e ilusório campo mental.

MZ: Nós não sentimos e não temos nem mesmo a honestidade emocional para aceitar e afirmar essa nossa incapacidade de sentir genuína e significativa afetação.

O: O que nos afeta de fato, são os chamados “defeitos de caráter”, coisa como a intolerância, a impaciência, o ressentimento, a desconfiança, a inveja, o ciúme, o apego, a dependência, a inferioridade ou superioridade, a maledicência o sentimento de inadequação, só somos afetados por esses tipos de coisas.

MZ: Fomos condicionados para pensar que realmente alimentamos “bons sentimentos”, mas o que sempre tivemos foi uma qualidade de afinidade de propósitos momentâneos; a partir do instante em que o propósito se modificava, a afinidade sumiu do contexto, assim como a afetação que acreditávamos ter.

O: Muito difícil as pessoas terem essa qualidade de honestidade emocional para consigo mesmas, o mais fácil e mais corrente, é a pessoa alimentar a negação, dizer que essa incapacidade de real afetação não é uma realidade em seu viver, e que o que ela vive é a real afetação, o real bem-querer, o genuíno amor.

MZ: Depois de tantos anos, vejo que o amor é só uma conversa que todos fomos condicionados a alimentar. Você tem razão, ninguém ama ninguém, mesmo dentro da própria família.

J: Triste mas essa é a realidade compartilhada!

D: Só temos o “bem-querer” condicionado ao processo histórico, porque nem afinidade tem; não há afinidade real aqui e agora. Há uma afinidade com a imagem que criamos e alimentamos, mas não conhecemos e não nos demos a conhecer de fato. Na maior parte dos nossos contatos, não há nem afinidade de propósito e nem o bem-querer real; o que há, por causa do condicionamento ético, é uma simulação de afinidade e bem-querer. Mas basta riscar a imagem, que a realidade dos nossos sentimentos se apresenta com toda intensidade e não tem nada de real bem-querer ali.

O: A dificuldade de sair da negação e ver a realidade de nossa qualidade emocional — a incapacidade de genuína afetação e conexão — existe por causa que fomos condicionados a criar uma bela imagem de nós mesmos. Depois de décadas alimentando uma falsa imagem de si mesmo, como aceitar com facilidade que nossa realidade afetiva não tem nada a ver com tal imagem?

MZ: Sempre ficou no ar a aceitação de que não sentimos significativos e afetuosos sentimentos, que não conseguimos sair de nossa bolha emocional, porque se disséssemos isso para os outros, como já éramos mal-vistos, aí a imagem se tornaria ainda pior. Isso é uma verdade!


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