09/01/2022

A depressão do descondicionamento

O: É muito natural que alguns confrades, ao se depararem com estas conversas, trocadas com tamanha honestidade emocional, se sintam deprimidos. Vejo isso como natural, porque aqui, não estamos alimentando as promessas que a maior parte dos lugares apresentam. Promessas que nunca se cumprem, é o que mais colecionei pelos lugares por onde passei. Por isso que afirmo que não tenho visto conversas com tal conteúdo. Temos sido extremamente honestos no sentido de dizer que não temos resposta alguma, mas que também não alimentamos crenças que não fazem da realidade do que vivemos hoje. A maioria não quer saber da real, a maioria quer algo que possa ser prático para a manutenção daquilo que construíram enquanto identificados com seus adulterantes condicionamentos. Nós também sentimos esse impulso
para a depressão, mas, graças a observação, percebemos a identificação com o impulso depressivo, ser um dos grandes truques da mente para que ela não seja percebida na totalidade de seu mecanismo. O homem, exceto alguns raros, ao longo dos séculos, não conseguiu lidar com a sensação de desamparo, por isso criou uma infinidade de Deus e seus sistemas. A observação passiva não nos dá nada, no entanto, nos arranca toda ilusão observada. Cada ilusão arrancada, sem a possibilidade de se colocar outra em seu lugar, naturalmente só amplia o vazio e a síndrome de abstinência das ilusões. A depressão é um sintoma natural dessa síndrome de retirada das ilusões criadas pela estrutura. Veja, a própria palavra "depressão" já aponta para o que está ocorrendo: a estrutura está sendo pressionada, de um modo que não encontra nada para se agarrar e isso, se mostra terrível para ela, que se vê em estado de agonia. Ela quer algo em que se agarrar, alguém que aponte uma saída, uma resposta. Mas isto aqui vai mostrando a ilusão das doações psicológicas de terceiros, a ilusão de se colecionar incertas certezas emprestadas. A ilusão de se agarrar em promessas.

F: Por isso escrevi que, provavelmente, por força da angústia e solidão, sugiram as orações, porque o cara surta não tendo onde se agarrar.

O: Como cantava o poeta etílico, eu perdi, eu perdi o meu medo da chuva... que criou o Deus da chuva. A observação arranca os lugares onde você pode pedir algo, arranca todos os afazeres e prontificações ilusórias, arranca até a ilusão dos questionamentos, visto que a mente insana, por si mesma, não alcança uma resposta sã. Arranca todo "somebody to love", porque escancara nossa incapacidade de amar. Não é fácil encarar a real, por isso sempre brincamos que o paradigma não é para adolescentes, mas sim, para home e mulher de saco roxo. Cada ilusão arrancada, mais vazio, mais síndrome. A verdade não oferece consolo para a mente que sempre foi adicta de consolação. Gandhi costumava dizer que "A verdade é cortante feito diamante, mas também se mostra tão doce como a flor de pessegueiro". O paradigma não é para quem ainda se interessa por "mentiras sinceras" ou para quem ainda quer uma ideologia para viver. Ao contrário disso, o paradigma vai arrancando toda ideologia, visto que o ideal, não é o real, é só uma ideia do que se pensa ser o real.

F: Até o cara ver que o próprio paradigma tem seu limite e também não mais servirá… O cara vai perceber na sua solidão e sente que não tem nada pra se agarrar.

O: Ainda bem que não serve; o paradigma é como um programa temporário que se desinstala por si. Elimina os temporários. Elimina o que é do tempo.

F: Não sei. Mas em determinado momento, a solidão chega e se instala, aquela que nada resolve, que estava escondida.

O: Quem mostrou que nada resolve senão o próprio processo de descondicionamento?

F: Não sei.

O: Se tem olhos de ver, a resposta é fácil.

F: Não é não. Não é óbvio não; cheio de truques.

O: Agora é o truque de ser cheio de truques... Novo discurso a que a mente se apegou.

F: Ok. Beleza!

O: Tudo para ela agora é truque... O truque de fazer ver o óbvio como truque.

F: Nada.

O: Há quem afirme que são nesses angustiantes momentos em que nada se mostra com sentido, que se manifesta o exato sentido de tudo. Mas de nada serve essa doação psicológica de terceiros. Se essa percepção não ocorrer em nós, continua como tudo mais: um amontoado de palavras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário