09/01/2022

A adulterada estrutura adultera tudo que toca

MG: Bom dia, Out! Não consigo conviver com família conhecidos, todos me acham estranho ou louco (só que não falam). Não tenho real intimidade com minha companheira, não posso ser quem sou...

F: Nunca tivemos intimidade real, nunca conseguimos.

O: Você realmente não pode ser quem você é, só pode ser quem você pensa que é. Nem mesmo você sabe quem é de fato, por isso a necessidade de simulação.

F: Até porque, se ficar quieto vai ver que não é nada, apenas um monte de pensamentos passando que não significam nada… Você fica apenas vendo o que tem na sua frente, ouvindo os sons que estão por aí, até o vazio imenso se instalar e você voltar a pensar por que, se não pensar, fica isso de novo. Sem se apoiar no pensamento, não é nada…

O: Não vejo desse modo, a desconexão é uma realidade, não é coisa do pensamento, apesar de ser criada pelo pensamento. Pode ficar quieto só observando tudo e vai ver que a desconexão é real, a ausência de intimidade é real. A observação silenciosa tem sido a droga de escolha do momento para fugir dessa velha constatação de inadequação. Somos todos bolhas, fechados em nós mesmos, até mesmo com a observação.

F: Isso é do pensamento, é ele que cria a ideia de você e os outros. Isso é bem simples de se ver.

O: Explicar isso ou ver isso, não muda o fato da desconexão e a ausência de intimidade.

D: Não tem jeito, esse vazio e esse sentimento de desconexão não saem, você já acorda com eles todos os dias. Mesmo com todo processo de descondicionamento, não deixamos de sentí-los.

O: Mas foi o próprio processo de descondicionamento que ampliou o vazio ao arrancar o que foi percebido como ilusório. Vivemos o vazio do real. A irrealidade já parte daquilo que pensamos ser, essa pessoa com um traumático processo histórico. Estamos presos na própria ilusão de uma história pessoal.

F: Pensamento, ideia de desconexão e conexão, mesma fonte.

O: A desconexão não é um pensamento: você a sente; o vazio não é um pensamento, você o sente.

F: É sempre a mesma fonte nomeando, rotulando; é o pensamento que entra nomeando e isso segue sem fim.

O: Nomeia porque sente.

F: O pensamento não deixa passar, fica nisso, sempre dando ênfase.

O: Não deixa passar, porque de fato, não passa.

F: Tudo passa.

O: Ok. Vamos ver se tudo passa mesmo: não dou 24 horas para você vir aqui e se queixar de algo.

F: Vamos ver.

O: Vamos ver quanto tempo seu orgulho vai aguentar. Já vi esse filme várias vezes, e a grande maioria acaba voltando aqui com as mesmas ladainhas de sempre; até que demorou com você. Vamos ver se com você, a coisa será diferente; assim espero!

F: Que besteira! Que merda!... Beleza!

O: Mesmo esse “beleza cara!”... Já vi isso e o movimento final é sempre o mesmo. Não vi um que conseguiu segurar o vazio, a desconexão, a solidão, que conseguiu ficar consigo mesmo. Espero que com você seja diferente. Todos acabam voltando para alguma tenda particular de seu Egito pessoal (tipo a sala de anônimos) ou voltado aqui na Deca e no Out. Faço votos que você consiga sustentar essa papo de que tudo é passante.

F: Ridículo o modo como foi colocado, como se fosse codependência.

O: Ok, então sou ridículo; vai lá e fica com seu passante, não volte aqui. Estou apenas compartilhando fatos, como sempre fiz; e disse que espero que com você seja diferente.

F: Está tudo bem, deixa quieto!

O: Claro, como você disse, é tudo passante. A estrutura é separatista; ela pega o que percebeu com a própria observação, com o próprio conteúdo do paradigma, para evitar a possibilidade de intimidade com os próprios confrades. Isso acontece com todos, sem exceção. Entra aquele sentimento de “agora eu sei, não é nada disso!” e aí começam as disputas e os melindres. Esse é o mecanismo que ocorre com “todos” nós. No fundo, não sabemos nada, continuamos confusos, perdidos, desconectados, vazios, sem nada de significativo para apresentar, incapacitados de ver beleza e graça. Como já dissemos, a estrutura pega o paradigma e a observação para cristalizar ainda mais nosso isolamento. Depois de tantos anos de busca, a única coisa que posso afirmar é que estamos todos fudidos! Essa estrutura adulterada, adultera tudo que toca.

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