C: Bom dia, Out! Li o texto sobre
se existe a cura emocional... É, aqui, não muda muito não; só os lugares, mas o
enredo é o mesmo e hoje ampliou, pois em nenhum lugar se encontra um só membro
que tenha essa clara percepção do viver. Tudo muito patético. Antes ainda
conseguia ver alguma coisa na TV; hoje, passo os olhos e só vejo bobagens, patetices,
e como alguém consegue achar sentido e graça nisso?
O: A patetice não está somente no
conteúdo da TV; se encontra em tudo, em todos os assuntos diários.
C: Sim, a patetice está em tudo. Acho
que estamos que nem a Elis Regina: vendo o mundo de um prisma errado.
O: Sei lá, só sei que não acho
saída. Não há o que mude nossa percepção e sensação e a inquietude, só aumenta.
Com o descondicionamento, a vida ficou sem um Norte. Antes tínhamos um norte
condicionado pela moda, mas o descondicionamento mostrou que esse norte era
ilusório; mesmo um norte para a cura da inquietude não existe mais. Como a Deca
não cansa de repetir, a coisa está punk! Antes dava para ter como um norte, a
tentativa de desfrutar do
nosso tempo com quem “imaginávamos amar” ou que “imaginávamos que nos amavam”.
Dava para acreditar ser um norte, o contato com a natureza, com os animais ou
com aquilo que acreditávamos ser Deus. Tudo isso foi percebido como ilusório,
até mesmo a ideia de “esforço” para ver os milagres da vida. Em nossa adolescência
espiritual, tentamos tudo isso que, em última análise, com o passar do tempo, se
mostrou insatisfatório, irreal. O que ficou é a inquietante percepção de que não
existe uma genuína e espontânea conexão com nada, todo tipo de relação exige um
esforço que acaba sempre na percepção do mesmo hiato, do mesmo isolamento
emocional, do mesmo vazio, da mesma falta de sentido real. Quem ainda não viveu
essa constatação de modo visceral, não tem como saber o que significa a
inquietude da qual falamos aqui, inquietude essa que não nos permite mais alimentar
qualquer tipo de crença ou achismo. O descondicionamento fez tudo cair de moda,
digamos assim.
MZ: Antes tentávamos em revistas, jornais, livros e crenças,
achar algo de diferente, mas nunca achávamos de fato e, com a minha idade, já
não alimento mais essa ilusão. Não tenho mais essa esperança.
C: Sim, o descondicionamento fez cair o norte de tudo,
deixando apenas essa inquietude, esse desassossego.
O: E
agora? É só isso?
MZ: Eu estou para lhe dizer que é só isso. Antes, as ilusões
me davam um certo alento, uma certa direção, mesmo quando eu pressentia que era
só mais uma ilusão. Agora, com essa desilusão, não tem mais para onde fugir. O
bicho pegou para mim, não vejo mais onde me agarrar. Quando você tem alguma
ilusão, você alimenta uma expectativa, mas agora, não tem mais nada disso, não
tenho mais esperança alguma. Também não dá mais para descarregar a inquietude
sobre os ambientes, pois eles não são a exata natureza do meu desassossego. Antes
alimentava até mesmo a esperança de encontrar alguém na condução, mesmo que
desconhecido, que me dissesse algo que me tocasse de fato, mas hoje, isso não existe
mais.
O: Só um milagre.
MZ: Milagre não sei se existe! Milagre não! Acho que tinha
que ser alguma coisa real; algo que fosse palpável, sentido.
O: O alcance dessa coisa palpável sempre foi uma expectativa
nossa.
D: Mas essa coisa palpável ainda é dos sentidos
condicionados; é algo da própria mente querendo encontrar algo conhecido dela.
Tudo isso está dentro do limitado e ilusório campo mental.
MZ: Nós não sentimos e não temos nem mesmo a honestidade
emocional para aceitar e afirmar essa nossa incapacidade de sentir genuína e
significativa afetação.
O: O que nos afeta de fato, são os chamados “defeitos de
caráter”, coisa como a intolerância, a impaciência, o ressentimento, a
desconfiança, a inveja, o ciúme, o apego, a dependência, a inferioridade ou
superioridade, a maledicência o sentimento de inadequação, só somos afetados
por esses tipos de coisas.
MZ: Fomos condicionados para pensar que realmente alimentamos
“bons sentimentos”, mas o que sempre tivemos foi uma qualidade de afinidade de
propósitos momentâneos; a partir do instante em que o propósito se modificava,
a afinidade sumiu do contexto, assim como a afetação que acreditávamos ter.
O: Muito difícil as pessoas terem essa qualidade de
honestidade emocional para consigo mesmas, o mais fácil e mais corrente, é a
pessoa alimentar a negação, dizer que essa incapacidade de real afetação não é
uma realidade em seu viver, e que o que ela vive é a real afetação, o real
bem-querer, o genuíno amor.
MZ: Depois de tantos anos, vejo que o amor é só uma conversa
que todos fomos condicionados a alimentar. Você tem razão, ninguém ama ninguém,
mesmo dentro da própria família.
J: Triste mas essa é a realidade compartilhada!
D: Só temos o “bem-querer” condicionado ao processo
histórico, porque nem afinidade tem; não há afinidade real aqui e agora. Há uma
afinidade com a imagem que criamos e alimentamos, mas não conhecemos e não nos
demos a conhecer de fato. Na maior parte dos nossos contatos, não há nem
afinidade de propósito e nem o bem-querer real; o que há, por causa do
condicionamento ético, é uma simulação de afinidade e bem-querer. Mas basta riscar
a imagem, que a realidade dos nossos sentimentos se apresenta com toda
intensidade e não tem nada de real bem-querer ali.
O: A dificuldade de sair da negação e ver a realidade de nossa
qualidade emocional — a incapacidade de genuína afetação e conexão — existe por
causa que fomos condicionados a criar uma bela imagem de nós mesmos. Depois de
décadas alimentando uma falsa imagem de si mesmo, como aceitar com facilidade
que nossa realidade afetiva não tem nada a ver com tal imagem?
MZ: Sempre ficou no ar a aceitação de que não sentimos significativos
e afetuosos sentimentos, que não conseguimos sair de nossa bolha emocional,
porque se disséssemos isso para os outros, como já éramos mal-vistos, aí a
imagem se tornaria ainda pior. Isso é uma verdade!