F: Bom dia, Out! Minha mãe falou
que devo voltar para os anônimos, porque minha cabeça não está boa... Sei, a
minha …. Foda, véio! Muito bizarro! Basta você dar alguma opinião, a coisa se
aproxima, a estrutura Familiar, que é o berço da coisa; eles querem normatizar
a forma de raciocínio... Tem que ser bonzinho, educado, frequentar a igreja, etc.,
etc., etc. O lance é insano demais. É como diz o filme “Don’t look to up”. Até
o título do filme foi uma sacada. Acredito que você já ouviu o mesmo da sua
família.
O: Aqui, eu e Deca vamos revezando
na inquietude.
F: A percepção do falso gera agonia
mesmo; eu estou assim, irritadiço; resultado da overdose de família.
O: Pior que não dá para entender
esse momento do processo de descondicionamento, esse limbo em que nos
encontramos.
F: Não saímos disso, pode crer;
estou na mesma.
O: Você olha e olha e só percebe mais
do falso, mais da insanidade.
F: O texto da última conversa jogou
todo mundo na lama.
O: Para quem despertou para a percepção
do falso e para o abismo que existe no que se pensa ser relação, o pensamento
judia, e nos joga num momento delicado.
F: Quem desperta para essa
percepção, não tem como não ser roído pela inquietude.
O: Só não rói se fazer como muitos
aí, que fogem do paradigma para se narcotizar com algum conjunto de ideias que,
em última análise, se mostram igualmente ilusórias. E hoje, com o advento da
internet, proliferação de ideia falsa com arranjo cênico é o que não falta.
F: Para mim não dá. Quem foi
sério com o paradigma, não tem como perder tempo com nada disso. O lance é que
ninguém quer ficar com o que é: com essa estrutura irritadiça, implicante,
cansada de si mesma, que não consegue manter relação real, que vive
excessivamente preocupada com a própria imagem. Pode ver aí, sentou para uma conversa,
não sai nada que se aproveita. Fica tudo no âmbito dos condicionados desejos
umbigóides... comprar isso, fazer aquilo, correr atrás das próprias projeções
alugadas. No que diz respeito ao nível de sentimentos significativos, tudo se
mostra vazio; no máximo uma mão no ombro e um breve abraço. Todos com olhar
distante, perdidos em seus pensamentos e sentimentos. A maioria acorda a mi,
por hora, todos os dias, derrubando ou arrastando coisas... As pessoas nem se sentam
mais para conversar...
O: A inquietude, acrescida da
tela do celular, não deixa que isso ocorra.
F: Todo ano a mesma coisa, as
mesmas preocupações que não servem para nada. E se você fizer o menor
comentário que seja, é porrada! Difícil de conseguir o mais simples dos papos,
pois tudo cai nas preocupações, no dinheiro, nos exames médicos, fica só nisso,
não tem relação real. Tudo é muito patético.
O: Não é diferente por aí; isso
rola em todo canto, só que são raros os que percebem esse mecanismo patético.
Quem mandou despertar o olho que vê? Pior é ver que você mesmo não tem nada de
significativo para compartilhar, o máximo que consegue, é falar algo que jogue
o cara na mesma situação inquieta em que você se encontra agora mesmo. Já
falei: não tem jeito, só milagre!
F: Não tem uma conversa um
pouquinho mais profunda.
O: E se tivesse? O que pensa que
mudaria?
F: E se tivéssemos? Como isso
afetaria aos demais?
O: De nada servem as conjecturas,
os “e se”! O fato é que não temos! Estamos que nem eles, a diferença, é que
tomamos consciência disso. Só isso!
F: Exato. Há um distanciamento,
uma cegueira... Nossa mente, nosso coração, não alcança a relação, por mais que
queira. A estrutura criou uma bolha, nos separou.
O: Sim, fica sempre um hiato.
F: Um buraco, um canal, zero...
Para eu me comunicar com os familiares, só se eu alimentar as preocupações deles,
ou então começar a falar de grana ou outras merdas. Não há reação química
alguma.
O: Tedius pronobis.
F: Só se eu encher a cara como eles...
E o cara que tenta sair disso tudo, é que é tido por louco. E se nos derem três
minutos para falarmos o que vemos no momento, ou todo mundo surta ou, acabamos
apanhando. O mais provável é que apanhemos.
O: Se falar a real, somos
expulsos da família... Tiram o nome do testamento. Um minuto da nossa fala,
deitamos ao chão o castelinho de cartas marcadas que eles cuidam com tanto
zelo.
F: Nem me fale! Ali, tudo impermanente,
tudo é perecível e, a longo prazo, se mostra insatisfatório; tudo passante,
batido, vaidade. Parece que há um instinto de ignorância, um desejo de não
saber, um véu de Isis. E nós? Como ficamos diante disso tudo? Com a enorme
inquietação interior, uma vez que tudo que é percebido, se mostra como passante.
A mente busca incansavelmente algo que dure, um prazer que dure, algo para
fazer que dure, algo para resolver, para se distrair. Estou apenas relatando fatos,
não estou reagindo a eles, apenas observando… Bizarro ver isso. Não encontramos
nada, então, a mente quer aquele estado maravilhoso, aquela experiência
singular, e quer que aquilo dure para sempre; ela alimenta o desejo de perceber
algo com real beleza.
O: Abriu os olhos para isso, a
coisa fica difícil mesmo; a quem mais é dado, mais é cobrado. E o pensamento
tem uma forte tendência a deixar tudo isso de lado e correr para alguma forma
de ignorância, mesmo que ela venha mascarada de conteúdos de autoconhecimento.
A maioria acaba na síndrome de Cypher, preferindo idolatrar a ignorância. Mas,
se o indivíduo viu mesmo, com toda propriedade, não tem mais volta. A própria
observação acaba mostrando que esse impulso de chutar o pau da barraca, de
abandonar tudo, é só mais uma da estrutura insana.
F: Tudo é apenas mais um pensamento
passando... Se agarrar ou abandonar é tudo do mesmo pensamento. Se você agarra,
se se identifica com ele, segura e ele fica ali. Mas, se solta, some, vai
embora, morre. Só fica morrendo de momento em momento, por isso que é foda...
Você vai morrendo para tudo, e não tem um gato para você pegar pelo rabo; nunca
é estático, tudo está sempre variando, mas a estrutura quer se agarrar, quer ser
imortal, quer se segurar.
O: Você vai parando de se apegar
em qualquer coisa, não se apega nem mesmo na necessidade de encontrar uma
resposta para tudo isso.
F: Exato!
O: Porque já sabe que não depende
mais de você, de que não adianta esforço, não adianta parar para ficar
esperando por algo milagroso, não adianta nada! Você realmente só fica
percebendo o falso, percebendo os condicionamentos, os loopings insanos que
ocorrem tanto na mente como nas sensações (não só em você, mas no ambiente que
o cerca).
F: Não adianta nada, pois, tudo o
que fizer, parte do cálculo autocentrado. O qual alimenta a estrutura.
O: E tudo se mostra muito
patético, imaturo tudo e sem real sentido de ação. Então, você fica só
observando o dia passar, enquanto arruma algo para fazer, para ver se amenizar
um pouco tédio. E mesmo isso que você arruma para tentar matar o tédio, também
é percebido como sem sentido, algo que você faz apenas para não ficar parado no
sofá ou para não voltar para a cama.
F: Tudo se mostra babaca demais!
O: Vai sumindo a antiga briga com
a inquietude, você não briga com mais nada, seja interno ou externo; você só
fica aí com o que se apresenta, porque já sabe que se não ocorrer algo além do
cálculo, é só postergar a inquietude para outra situação. Permanece aquela inquietude
sentida e observada de modo muito silencioso, ninguém mais precisa saber do que
se passa com você. E como aprendemos a observar a inquietude em nós, fica clara
a percepção da inquietude do outro, assim como a maneira como ele tenta fugir
dessa inquietude, sem a mínima percepção da própria inquietude.
F: A inquietude faz busca por
algo, no entanto, não permanece nada daquilo que ela busca e o resultado, só
mais da mesma inquietude.
O: E tudo do que se apresenta aí
na sociedade — porque o que está aí na sociedade está para o nível das mentes
condicionadas que não percebem os seus condicionamentos muito menos as forças
de condicionamentos que partem do parental e do social — se mostra muito
superficial. Então, o que sobra é esse sentimento da inquietude e da solidão
psicológica, porque hoje não há mais solidão física, porque temos condições de
estar na vida de relação, aí do jeito que se apresenta; não estamos mais
isolados, não estamos mais criando problemas com as pessoas, elas não estão
mais se afastando de nós, só que não há a mínima possibilidade de conversar
algo sobre o que percebemos sobre o viver, porque se você falar algo do que
você percebe, prontamente você é taxado de doente, de problemático, de neurótico,
de alguém que está precisando de algum tipo de tratamento mental ou espiritual.
F: Exato! Não tem nada externo, a
coisa não é externa. A observação pegou o jogo, pegou a inquietude e seu looping
de busca que não aquieta. Todo looping é assistido, sem desespero, você só vê
que é assim.
O: E é interessante perceber como
que vai cambiando essa inquietude... em geral, ela começa com o sentimento de
vazio e de falta de sentido, e quando esse vazio e essa falta de sentido são
percebidos, entra uma ansiedade para encontrar algo que faça sentido e que
elimine o vazio; como a mente não consegue encontrar isso, instala o sentimento
final de angústia ou de tristeza por não conseguir encontrar isso, mas a mente
não se conforma e entra no looping novamente... Ela fala que não pode ser só
isso e novamente constata o vazio das coisas que se apresentam na sociedade, e surge
nova angústia... Ficamos só assistindo isso.
F: Busca incessante que ocorre
por si; a mente busca, olha, passa, volta...
O: Mas você pode ver que a
maioria dos confrades não aguenta isso; a maioria sai correndo atrás de novos
sistemas, novas crenças, novas práticas, novos cursos... A maioria não consegue
alcançar essa autonomia psíquica que nos deu a condição de observar a
futilidade da busca. Essa inquietude não os deixa perceberem que a verdade é
uma terra sem caminho, sem crença, sem sistema, sem cursinhos...
F: Porque é muito foda ficar com esse vazio, perceber que não tem nada que elimine de fato a inquietude inata. Mas, para quem chegou nisto, tudo se mostra vazio, tudo palavras vazias; a mente não tem condições de tocar aquilo.
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