29/12/2021

Quem aguenta a própria inquietude?

F: Bom dia, Out! Minha mãe falou que devo voltar para os anônimos, porque minha cabeça não está boa... Sei, a minha …. Foda, véio! Muito bizarro! Basta você dar alguma opinião, a coisa se aproxima, a estrutura Familiar, que é o berço da coisa; eles querem normatizar a forma de raciocínio... Tem que ser bonzinho, educado, frequentar a igreja, etc., etc., etc. O lance é insano demais. É como diz o filme “Don’t look to up”. Até o título do filme foi uma sacada. Acredito que você já ouviu o mesmo da sua família.

O: Aqui, eu e Deca vamos revezando na inquietude.

F: A percepção do falso gera agonia mesmo; eu estou assim, irritadiço; resultado da overdose de família.

O: Pior que não dá para entender esse momento do processo de descondicionamento, esse limbo em que nos encontramos.

F: Não saímos disso, pode crer; estou na mesma.

O: Você olha e olha e só percebe mais do falso, mais da insanidade.

F: O texto da última conversa jogou todo mundo na lama.

O: Para quem despertou para a percepção do falso e para o abismo que existe no que se pensa ser relação, o pensamento judia, e nos joga num momento delicado.

F: Quem desperta para essa percepção, não tem como não ser roído pela inquietude.

O: Só não rói se fazer como muitos aí, que fogem do paradigma para se narcotizar com algum conjunto de ideias que, em última análise, se mostram igualmente ilusórias. E hoje, com o advento da internet, proliferação de ideia falsa com arranjo cênico é o que não falta.

F: Para mim não dá. Quem foi sério com o paradigma, não tem como perder tempo com nada disso. O lance é que ninguém quer ficar com o que é: com essa estrutura irritadiça, implicante, cansada de si mesma, que não consegue manter relação real, que vive excessivamente preocupada com a própria imagem. Pode ver aí, sentou para uma conversa, não sai nada que se aproveita. Fica tudo no âmbito dos condicionados desejos umbigóides... comprar isso, fazer aquilo, correr atrás das próprias projeções alugadas. No que diz respeito ao nível de sentimentos significativos, tudo se mostra vazio; no máximo uma mão no ombro e um breve abraço. Todos com olhar distante, perdidos em seus pensamentos e sentimentos. A maioria acorda a mi, por hora, todos os dias, derrubando ou arrastando coisas... As pessoas nem se sentam mais para conversar...

O: A inquietude, acrescida da tela do celular, não deixa que isso ocorra.

F: Todo ano a mesma coisa, as mesmas preocupações que não servem para nada. E se você fizer o menor comentário que seja, é porrada! Difícil de conseguir o mais simples dos papos, pois tudo cai nas preocupações, no dinheiro, nos exames médicos, fica só nisso, não tem relação real. Tudo é muito patético.

O: Não é diferente por aí; isso rola em todo canto, só que são raros os que percebem esse mecanismo patético. Quem mandou despertar o olho que vê? Pior é ver que você mesmo não tem nada de significativo para compartilhar, o máximo que consegue, é falar algo que jogue o cara na mesma situação inquieta em que você se encontra agora mesmo. Já falei: não tem jeito, só milagre!

F: Não tem uma conversa um pouquinho mais profunda.

O: E se tivesse? O que pensa que mudaria?

F: E se tivéssemos? Como isso afetaria aos demais?

O: De nada servem as conjecturas, os “e se”! O fato é que não temos! Estamos que nem eles, a diferença, é que tomamos consciência disso. Só isso!

F: Exato. Há um distanciamento, uma cegueira... Nossa mente, nosso coração, não alcança a relação, por mais que queira. A estrutura criou uma bolha, nos separou.

O: Sim, fica sempre um hiato.

F: Um buraco, um canal, zero... Para eu me comunicar com os familiares, só se eu alimentar as preocupações deles, ou então começar a falar de grana ou outras merdas. Não há reação química alguma.

O: Tedius pronobis.

F: Só se eu encher a cara como eles... E o cara que tenta sair disso tudo, é que é tido por louco. E se nos derem três minutos para falarmos o que vemos no momento, ou todo mundo surta ou, acabamos apanhando. O mais provável é que apanhemos.

O: Se falar a real, somos expulsos da família... Tiram o nome do testamento. Um minuto da nossa fala, deitamos ao chão o castelinho de cartas marcadas que eles cuidam com tanto zelo.

F: Nem me fale! Ali, tudo impermanente, tudo é perecível e, a longo prazo, se mostra insatisfatório; tudo passante, batido, vaidade. Parece que há um instinto de ignorância, um desejo de não saber, um véu de Isis. E nós? Como ficamos diante disso tudo? Com a enorme inquietação interior, uma vez que tudo que é percebido, se mostra como passante. A mente busca incansavelmente algo que dure, um prazer que dure, algo para fazer que dure, algo para resolver, para se distrair. Estou apenas relatando fatos, não estou reagindo a eles, apenas observando… Bizarro ver isso. Não encontramos nada, então, a mente quer aquele estado maravilhoso, aquela experiência singular, e quer que aquilo dure para sempre; ela alimenta o desejo de perceber algo com real beleza.

O: Abriu os olhos para isso, a coisa fica difícil mesmo; a quem mais é dado, mais é cobrado. E o pensamento tem uma forte tendência a deixar tudo isso de lado e correr para alguma forma de ignorância, mesmo que ela venha mascarada de conteúdos de autoconhecimento. A maioria acaba na síndrome de Cypher, preferindo idolatrar a ignorância. Mas, se o indivíduo viu mesmo, com toda propriedade, não tem mais volta. A própria observação acaba mostrando que esse impulso de chutar o pau da barraca, de abandonar tudo, é só mais uma da estrutura insana.

F: Tudo é apenas mais um pensamento passando... Se agarrar ou abandonar é tudo do mesmo pensamento. Se você agarra, se se identifica com ele, segura e ele fica ali. Mas, se solta, some, vai embora, morre. Só fica morrendo de momento em momento, por isso que é foda... Você vai morrendo para tudo, e não tem um gato para você pegar pelo rabo; nunca é estático, tudo está sempre variando, mas a estrutura quer se agarrar, quer ser imortal, quer se segurar.

O: Você vai parando de se apegar em qualquer coisa, não se apega nem mesmo na necessidade de encontrar uma resposta para tudo isso.

F: Exato!

O: Porque já sabe que não depende mais de você, de que não adianta esforço, não adianta parar para ficar esperando por algo milagroso, não adianta nada! Você realmente só fica percebendo o falso, percebendo os condicionamentos, os loopings insanos que ocorrem tanto na mente como nas sensações (não só em você, mas no ambiente que o cerca).

F: Não adianta nada, pois, tudo o que fizer, parte do cálculo autocentrado. O qual alimenta a estrutura.

O: E tudo se mostra muito patético, imaturo tudo e sem real sentido de ação. Então, você fica só observando o dia passar, enquanto arruma algo para fazer, para ver se amenizar um pouco tédio. E mesmo isso que você arruma para tentar matar o tédio, também é percebido como sem sentido, algo que você faz apenas para não ficar parado no sofá ou para não voltar para a cama.

F: Tudo se mostra babaca demais!

O: Vai sumindo a antiga briga com a inquietude, você não briga com mais nada, seja interno ou externo; você só fica aí com o que se apresenta, porque já sabe que se não ocorrer algo além do cálculo, é só postergar a inquietude para outra situação. Permanece aquela inquietude sentida e observada de modo muito silencioso, ninguém mais precisa saber do que se passa com você. E como aprendemos a observar a inquietude em nós, fica clara a percepção da inquietude do outro, assim como a maneira como ele tenta fugir dessa inquietude, sem a mínima percepção da própria inquietude.

F: A inquietude faz busca por algo, no entanto, não permanece nada daquilo que ela busca e o resultado, só mais da mesma inquietude.

O: E tudo do que se apresenta aí na sociedade — porque o que está aí na sociedade está para o nível das mentes condicionadas que não percebem os seus condicionamentos muito menos as forças de condicionamentos que partem do parental e do social — se mostra muito superficial. Então, o que sobra é esse sentimento da inquietude e da solidão psicológica, porque hoje não há mais solidão física, porque temos condições de estar na vida de relação, aí do jeito que se apresenta; não estamos mais isolados, não estamos mais criando problemas com as pessoas, elas não estão mais se afastando de nós, só que não há a mínima possibilidade de conversar algo sobre o que percebemos sobre o viver, porque se você falar algo do que você percebe, prontamente você é taxado de doente, de problemático, de neurótico, de alguém que está precisando de algum tipo de tratamento mental ou espiritual.

F: Exato! Não tem nada externo, a coisa não é externa. A observação pegou o jogo, pegou a inquietude e seu looping de busca que não aquieta. Todo looping é assistido, sem desespero, você só vê que é assim.

O: E é interessante perceber como que vai cambiando essa inquietude... em geral, ela começa com o sentimento de vazio e de falta de sentido, e quando esse vazio e essa falta de sentido são percebidos, entra uma ansiedade para encontrar algo que faça sentido e que elimine o vazio; como a mente não consegue encontrar isso, instala o sentimento final de angústia ou de tristeza por não conseguir encontrar isso, mas a mente não se conforma e entra no looping novamente... Ela fala que não pode ser só isso e novamente constata o vazio das coisas que se apresentam na sociedade, e surge nova angústia... Ficamos só assistindo isso.

F: Busca incessante que ocorre por si; a mente busca, olha, passa, volta...

O: Mas você pode ver que a maioria dos confrades não aguenta isso; a maioria sai correndo atrás de novos sistemas, novas crenças, novas práticas, novos cursos... A maioria não consegue alcançar essa autonomia psíquica que nos deu a condição de observar a futilidade da busca. Essa inquietude não os deixa perceberem que a verdade é uma terra sem caminho, sem crença, sem sistema, sem cursinhos...

F: Porque é muito foda ficar com esse vazio, perceber que não tem nada que elimine de fato a inquietude inata. Mas, para quem chegou nisto, tudo se mostra vazio, tudo palavras vazias; a mente não tem condições de tocar aquilo. 

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