23/12/2021

Existe algo além da observação passiva não reativa?

  O: No momento em que chegamos do processo de descondicionamento, parece-me que uma ocorrência natural é se apresentar a pergunta: então, o que é a vida? Se olhamos para o que se tem por vida e não mais nos identificamos com o padrão compartilhado, é inevitável que tal pergunta se faça presente com muita intensidade. Mas, como já vimos, o nível de consciência em que estamos, não alcança a resposta, por que a estrutura só tem como sustentar sua meditação em cima do que nela se encontra estruturado. Sua meditação está sempre girando em torno do que leu, ouviu ou experimentou. Tudo ela compara, baseia ou mede conforme seu fundo.

AF: No filme, Dark City, há um diálogo em que o personagem central, John Murdock, afirma ao invasor que eles, ao tentarem compreender o ser humano, procuraram entendê-lo analisando-o pelo lugar errado: a mente. Ele afirma que só poderiam compreendê-lo, por meio do coração.

O: Mas, na mesma cena, apresenta uma contradição, pois o personagem abre um portal, não com o coração, mas com a força da mente.

AF: Só me refiro ao momento da fala em que ele afirma que a resposta foi buscada no lugar errado.

O: Eu compreendi o que você tentou mostrar; só apontei a contradição no próprio enredo do diretor. Mas veja, a estrutura vê isso e se estrutura na ideia de que agora, precisa procurar não na mente, mas no coração. Ela pode tentar chegar nisso, mas, por seus esforços limitados e controversos, ela nunca vai achar essa resposta.

AF: Isso. Total ignorância. Permanecer nela é horrível; o mais óbvio é buscar por segurança, pensamento de qualquer coisa já dá uma falsa segurança.

J: Sabe aquela expressão: "Desse mato não sai coelho?"... Então, dessa estrutura, não vai sair nada além dela, certo? Então, o negócio é sentar e esperar!!! Possuímos 1% de autonomia psicológica, mas estamos 99% zoados da cabeça aos pés. Mas estamos aí, tentando a escuta atenta, passiva não reativa, mas as saidinhas do ser ainda presentes. Ou seja, TUDO ZUADO!

O: Penso que só um insight, que não é algo da estrutura, mas que sacode a estrutura, talvez, poderia nos libertar da própria estrutura.

F: Quero ver alguém alcançar esse estado, precisamos tomar cuidado com essa busca.

O: Não se trata de busca; não tem como buscar nada.

F: Então, quero ver alguém segurar isso, se a dita solução for isso. Pode ser uma questão delicadíssima.

O: Também não se trata de segurar nada; a percepção ampliada pelo insight fica por si.

F: Não sei.

O: Também não se trata de ideia, mas de fatos que podem ser observados facilmente em seu processo até aqui.

F: O que tem é uma mente confusa e um sensorial mais ainda.

O: Tem certeza mesmo que é só isso que tem? Me parece ser uma fala adolescente.

F: De jeito algum. Veja, praticamente escrevemos sobre a mesma coisa há quase dois anos. Não leve para o lado pessoal. Estamos em looping, concorda? Como diz a Deca, vamos falar mais o que?

O: Por isso afirmo que é preciso um novo insight, algo além do insight que mostrou e estruturou o paradigma.

F: A mente é astuta... ela consegue pegar tudo para que algo faça sentido, mas não tem... não tem. O paradigma chegou ao seu fim: ele usou o próprio pensar para ver a falência do pensar. Porque ainda usaremos essa mesma ferramenta? Mesmo depurada, ainda está zuada. É o fim do pensar, não adianta ir aí, por mais que o hábito nos leve aí.

O: Estou afirmando o mesmo que você, ao apontar para a necessidade de um insight.

F: Tudo que nos tire daí vale mais a pena que ficar aí (no sentido de obter respostas ou perguntas para o que é isso, aquilo, acolá?). O paradigma não nos leva mais a lugar algum. Hoje, a estrutura é incapaz de se ver, incapaz de saber.

O: estou afirmando o mesmo que você, ao apontar para a necessidade de um insight que parte de fora da estrutura. O paradigma hoje está como as salas de anônimos, poucos antes de deixá-las, quando percebemos que nada mais tínhamos para tirar delas. Vivemos semelhante angústia, solidão psicológica e emergência.

F: No máximo, é não entrar mais nos enredos da estrutura, no máximo é observar que nossa capacidade de meditação, por meio do pensamento está criando looping. Aqui rola um foda-se até para essa angústia, solidão e tudo mais: é um dar de ombros. E daí? É só outra forma de identificação, tudo permanece centrado no próprio umbigo, tudo.

O: Sim, até esse foda-se é um impulso emotivo reativo escapista criado pela própria estrutura; mas, nem isso nos tira da inquietude produzida por ela.

F: Foda-se o foda-se também. Não tem.

O: A estrutura agora criou um looping em forma de foda-se.

F: Sempre vai haver qualquer jeito de colocar algo mais, sempre. A estrutura quer isso: mais uma frase, mais uma, outra, outra e outra... Não tem sentido, deterioração. Aqui é aguardar, se existir isso, esse insight e isso ficar, porque você teve por 10 dias e está nisso aqui. Resolveu por 10 dias; eu tive 10 minutos e também estou aqui. Outros confrades tiveram por vários dias, mas também estão encarcerados como nós na mesma estrutura... Delicado isso.

O: Sim, ela sempre vai querer trazer mais um apontamento, mais uma cena de filme, mais uma música, mais um acho isso ou aquilo que ela pensa apontar para aquela coisa singular.

F: Sempre algo mais.

O: Sempre algo a mais que leva sempre a mais do mesmo. Fazendo uma analogia, somos como seres encarcerados que estudaram todos os cantos da prisão, na tentativa de descobrir como sair da prisão, mas que nunca encontraram a saída da prisão.

F: E se pararmos aqui toda a análise? Não entraremos mais nela, porque vimos tudo, certo?

O: Parece-me outro truque, só que mais sutil. Fazendo uma analogia, somos como seres encarcerados que estudaram todos os cantos da prisão, na tentativa de descobrir como sair da prisão, mas que nunca encontraram a saída da prisão.

F: Prisão que se diz sensação. Não vejo como mais um truque. Vai até onde? Até sair? Por aqui? Pela forma analítica, não sai; pela meditação, não sai.

O: Veja, os próprios anônimos tentaram pela meditação, mas viram que algo além dela precisava ocorrer... chamaram de despertar espiritual. O passo derradeiro foi o despertar; segundo eles (apesar de não ter visto ninguém que tenha alcançado de fato isso).

F: Quero ver se chegamos nisso... Paradigma também trouxe aquilo, mas aquilo, não ficou.

O: Durante o paradigma, tive aquilo uma vez, mas não na mesma intensidade das duas vezes anteriores. Precisamos de algo que seja superior à própria observação passiva não reativa. Precisamos de algo que produza uma mutação real. Mas não temos como saber se existe ou não esse algo.

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