21/06/2020

O significado da autossuficiência psíquica


Se você observar bem, constatará que aquilo que chama de educação, nada mais é do que, a transferência do mecanismo do pensamento condicionado. O que ela mais lhe condiciona, é para o domínio de uma técnica qualquer, através da qual você consiga um rentável e seguro emprego, ou possa fazer uso do conhecimento, para a própria satisfação e reconhecimento parental e social, para progredir conforme o padrão de sucesso, condicionado pela propaganda social, política e religiosa. Sendo a primária educação, um processo transgeracional de condicionamento, de modo algum ela pode criar indivíduos fortes, amorosos, integrativos, criativos e psicologicamente autossuficientes.

Portanto, o que você mais precisa compreender, é o significado da autossuficiência psíquica. Talvez, por meio de tal compreensão, o exercício diário de alguma técnica de especialização profissional, possa ter seu real valor. Mas apenas cultivar uma capacidade técnica, sem compreender o que é autossuficiência psíquica, só conduz à limitação, à divisão, à destruição, à maiores guerras, e é exatamente isso que continua acontecendo atualmente.

Para que exista autossuficiência psíquica, a primeira coisa necessária é a total ausência do medo, não apenas o medo forçosamente introjetado pelo parental-social, mas também o neurótico medo da excessiva preocupação consigo mesmo. Você pode ter um ótimo emprego e escalar o sucesso; mas se houver ambição e esforço para ser alguém, o medo estará presente. Se você observar, constatará que mesmo o homem financeiramente bem-sucedido, dotado de reconhecimento social, não é psicologicamente autossuficiente.

Assim, o medo condicionado pela tradição moralista, pela chamada responsabilidade em cumprir os padrões éticos da sociedade, ou o seu próprio medo da morte, da insegurança financeira, do desamparo afetivo e emocional, da doença, tudo isso impede o libertário estado de autossuficiência psíquica.

Desse modo, enquanto existir qualquer espécie de compulsão interior ou exterior, não existirá autossuficiência psíquica. E a compulsão surge quando em você está presente, o impulso para viver em conformidade com os padrões morais da sociedade, ou com os padrões criados por você mesmo, sejam eles bons ou não. O pensamento condicionado, que é produto do passado, da tradição, daquilo que se acredita ser educação, de toda a experiência pessoal incompleta e incompreendida que provém do passado, é que cria o padrão moral.

Portanto, enquanto existir qualquer forma de compulsão governamental, religiosa ou pessoal, pelo desejo de satisfação e prestígio, você não pode recuperar o libertário estado de autossuficiência psíquica. Não é fácil promover a recuperação de tal estado, e tampouco entender o que ele significa. Mas você pode ver que, enquanto existir qualquer espécie de medo, não pode saber o que é a incondicionada liberdade.

Existindo medo, compulsão, tanto individual quanto coletiva, não pode existir autossuficiência psíquica, amor, felicidade e genuína criatividade e comunhão. Você pode especular a respeito da autossuficiência psíquica, mas ela, de fato, nada tem que ver com suas ideias e especulações sobre a mesma.

Sendo assim, enquanto você estiver buscando qualquer espécie de segurança, e é isso que a maioria dos indivíduos querem, enquanto você estiver procurando a permanência de qualquer zona de conforto, não poderá deixar de se sentir ansioso, e com uma vida em estado de limitação. Enquanto, individual e coletivamente, o indivíduo buscar por segurança, obviamente haverá a permanência dos seculares conflitos, os quais, ocorrem atualmente no mundo.

Só pode existir autossuficiência psíquica, quando você compreende todo o processo do desejo de segurança e permanência, desejo esse que você busca realizar, com ajuda de seu deus e dos novos tipos de exploradores consultores. Você busca por segurança em suas relações sociais e na escolha de seus governantes; eis por que você atribui a seu deus, a segurança máxima, algo que está acima de si mesmo; você reveste aquela imagem com a ideia de que, sendo uma entidade efêmera, pelo menos num imaginado lar celestial, encontrará permanência. E assim, você começa desejando ser permanente através da religião, e todas as atividades que realiza, políticas, religiosas e sociais, quaisquer que sejam, baseiam-se nesse desejo de permanência, de ter segurança, de se perpetuar através da família, da nação, de uma ideia, ou através dos filhos. E como você pode ter a integrativa e criativa liberdade da autossuficiência psíquica, se consciente ou inconscientemente, está sempre buscando por permanência, segurança e prestígio?

O fato é que você não busca a verdadeira liberdade; só está em busca por melhores condições de vida, por melhor prestígio, através do qual possa alcançar maiores conveniências para si e para os seus. Você não quer liberdade; só quer condições melhores, mais elevadas, mais nobres, e a isso você chama de educação. Mas tal educação nunca promoveu e nunca promoverá a paz e a igualdade no mundo, visto que a história já nos deixou isso bem claro. Ao contrário, tal educação está criando cada vez mais separação, preconceitos, guerras e misérias. Enquanto você alimentar a separatista moral estabelecida, assim como o nacionalismo e seus símbolos, só provocará rivalidade para si mesmo, para seu próximo e para a nação.

Em vez de um ser humano integrado, criativo e livre, você é um indivíduo com um modo de pensar fragmentado, imitativo e dependente; suas atividades são fragmentadas, dispersivas, desintegradas, e você está sempre brigando e alimentando intolerância. Esse é o resultado da chamada educação e liberdade, a qual você busca e forçosamente tenta transmitir para os seus. Você diz que está religiosamente unido, mas na verdade, você está sempre em luta com os demais, destruindo-se mutuamente, pois você, por estar condicionado, não percebe a totalidade do viver, visto que está interessado apenas com a segurança no futuro, ou em conseguir um emprego melhor e mais rentável. Enquanto você pensa assim, de modo direto ou indireto, compactua na perpetuação das guerras, da miséria, da destruição, dos preconceitos e das diferenças de classes. Pensando estreita e regionalmente, você jamais estará seguro, nem seus filhos, embora deseje estar em segurança. Enquanto você insistir nesse imaturo modo compartilhado de pensar, sempre estará ansioso, insatisfeito, limitado e conflitado.

Enquanto você se preocupar apenas com uma vida melhor, com mais segurança, mais satisfação, com emprego garantido, posição assegurada, tanto religiosa quanto politicamente, não poderá criar um mundo novo, nem poderá ser um indivíduo realmente religioso, inteligente e genuinamente criativo, e a imitação será sempre seu modo de ser. Apesar de criticar os políticos, assim como eles, você só pensa em resultados imediatos. E enquanto você entregar o mundo aos políticos, compactuará com a destruição, guerras e miséria. Você é o responsável pela criação de um mundo novo, e não os seus confusos e corruptos líderes políticos e religiosos; trata-se da sua responsabilidade individual.

No entanto, você não pode buscar por autossuficiência psíquica. Ela só nasce quando não existe medo, quando existe amor no coração. Você não pode ter amor enquanto alimenta incertas certezas emprestadas, o nacionalismo ou algum sistema de crença organizada. A autossuficiência psíquica só nasce, quando você não procura mais por segurança para si mesmo, quando não busca por doações psicológicas de terceiros, nem na tradição, nem no conhecimento.

Uma mente adulterada ou sobrecarregada pelo conhecimento, não é psicologicamente autossuficiente. Você só é psicologicamente livre, quando é capaz de enfrentar a vida a cada momento, de enfrentar a realidade que todo incidente, todo pensamento, toda emoção e toda experiência revelam. E essa revelação se torna impossível, quando a mente é adulterada por suas memórias psicológicas, as quais sustentam, manias, traumas e tendências.

Cabe a você, a criação de um novo e diferente ser humano, sem medo, autoconfiante, que possa fundar sua própria sociedade, totalmente diferente da atual que está baseada no medo, na inveja, na ambição, na corrupção e na dependência de autoridades externas. A autossuficiência psíquica só pode ser recuperada, quando surgir a inteligência, ou seja, a compreensão da totalidade do mecanismo mental-emocional e, em consequência, do total processo da existência.

Texto adaptado dos ensinos de Jiddu Krishnamurti

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