B: Eu não tenho essa vivência de
vocês, no que diz respeito a dissecação da estrutura condicionada. Nesses
áudios que mando e nas mensagens que trocamos, pode até ser que você perceba
bem a ação dessa estrutura calculista. Eu realmente percebo que muita coisa
ainda me passa batido. Estou observando, vendo por mim mesmo o que acontece em
meus pensamentos, emoções e sensações, mas tem coisa que falta palavra para
descrever ou sei lá, até um déficit de síntese sobre toda essa percepção. Mas
lembro de uma conversa nossa, sobre essa inteligência que nos acorda todos os
dias, que mantém nossos órgãos nessa harmonia. Essa percepção de não esforço e
da vida acontecendo. Por vezes me
confundo se isso vem do cálculo ou se vem daquele inenarrável estado de lucidez
e integridade que já experimentei.
O: Desconhecemos as nossas atuais
circunstâncias fora dos motivos pelas quais foram criadas, portanto, não
sabemos do seu real potencial de ser. Também já sabemos que as mesmas foram
geradas pelos condicionamentos, pelo cálculo, pelo medo e pela degeneração de
nossos instintos naturais. Com uma mente moldada e adulterada pelo sistema, que
em si mesmo é cálculo, não havia, assim como não há, a mínima possibilidade de
ações plenamente conscientes, embasadas na integridade da percepção da
realidade. Você pode perceber nitidamente, que mesmo tendo obtido um nível
maior de percepção, o qual ainda é parcial, fragmentado, ainda estamos sobre os
domínios da estrutura que é confusa, insegura e reativa. Nos grupos anônimos há
um lema que diz: "Insanidade é fazer as mesmas coisas esperando por
resultados diferentes". Não há como, enquanto na estrutura,
parcialmente esclarecida, não criar situações que em seu devido tempo, não
apresentem novos conflitos, limitações e falsas dependências. Enquanto estamos
funcionando dentro da estrutura, a qual é um resultado direto dos herdados e
forçosos condicionamentos sociais, não temos como nos livrar de nossos
maneirismos, das mais variadas e já percebidas formas de vazia vaidade. Como
essa estrutura não tem autonomia psíquica, ela vive preocupada com a aceitação
social, em se adequar ao que é tido por politicamente correto e funcional.
Nesse tipo de reação comportamental, não temos como saber o que é o real
significado das palavras originalidade e liberdade. Não temos como saber o que
é a genuína criatividade, pois sempre, por meio do cálculo e da comparação,
tendemos a nos ajustar ao que já se encontra estabelecido como padrão de ação,
permanecendo como seres de segunda mão.
Parece-me que sem a “recuperação”
dessa lucidez que proporciona a autonomia psíquica, a inquietude permanece e,
por meio dela, o looping da busca de situações pelas quais tentamos aplacar a
inquietude, atividades que de início nos entregamos com euforia mas que, muito
rapidamente, acabam se mostrando vazias e destituídas de real sentido. Então,
inevitavelmente, caímos no looping de querer saber qual é o real sentido da
existência, o que é o viver correto.
As atividades vão se mostrando
muito banais, superficiais, moldadas pela compartilhada estrutura. Fica uma
necessidade de se descobrir algo que realmente nos toque e, quem sabe, aos
demais, uma vez que tudo na vida está em relação. Você percebe que tudo que a
mente condicionada lhe sugere, tem como finalidade a retroalimentação da
compartilhada estrutura, que já é percebida em seu vazio de sentido. Ao
perceber isso, a mente se vê encurralada, sem conhecimento de uma ação pela
qual faça sentido se movimentar. Se você decide sair da inquietude por meio de
alguma atividade que já foi percebida como sem sentido, então, a mente entra
dizendo que, ao fazer aquilo que ela mesma lhe sugeriu, você está
"normotizando". O observador parece se ver entre a cruz e a espada.
F: Uma goma.
O: Nisso, a única opção que
parece ser viável, é permanecer silenciosamente observando o processo de agonia
interna da estrutura, em sua ânsia de sentido, comunhão, integração e liberdade;
observando também a oscilação contraditória, bem como a impermanência dos pensamentos,
emoções, sensações e sentimentos, oscilação essa que nos deixa esclarecidos
quanto a ausência de realidade nos mesmos, bem como a ausência de lucidez. Reagir
a essa oscilação só produz mais lenha para a fogueira da oscilação da estrutura
condicionada.
F: Só mais emoção.
O: Só cabe mesmo assistir os
filminhos, os monólogos da estrutura.
F: Isso é o que dá para fazer:
assistir o desmanche, a agonia da estrutura em processo de morte assistida.
O: Nesse assistir a agonia da
estrutura em processo de morte, instala-se também um sentimento de tristeza,
uma forma de luto, o qual também é observado e sentido sem identificação
reativa ou escapista.
C: Exatamente...
O: Você percebe que não faz
sentido algum continuar nas circunstâncias presentes, por meio do impulso
passado que as estruturaram, portanto, se instala uma necessidade de encontrar
uma nova maneira de se relacionar com tudo que é. Mas a estrutura só conhece um
modo de funcionar já estruturado e, ao perceber isso, ela tenta entrar com
jorros de ansiedade e desespero, o que também é observado de modo passivo e não
reativo. Tudo isso, ao ser observado de modo passivo e não reativo, parece-me
que vai enfraquecendo cada vez mais o poder de enredamento da estrutura.
F: Fica claro que só uma mudança
no modo de ver. Não é algo novo externo que necessitamos; mas de algo que mude
o nosso modo de percepcionar tudo. Eu não sinto tanta tristeza aqui como antes,
mas sinto uma inquietude descomunal. Há energia, mas acabamos ficando com o que
sente, isso que ocorre, sem buscar pelo vício do desabafo.
O: Se você observar bem, verá que
já ocorreu uma significativa mutação, ainda que parcial, tanto na nossa
capacidade de percepção, como na capacidade de sentir e não fugir do que se
sente. Quanto mais você se aprofunda na observação passiva não reativa, mais instantaneamente
pega a tentativa de enredamento dos filmes e monólogos da estrutura.
F: Se entrar no filme, já era! Acaba
vivendi na abstração, na ficção, na dramaturgia criada pela estrutura.
O: A estrutura se fortalece pela
identificação inconsciente com seus enredos não solicitados.
F: Sim. Mas é uma inquietude absurda,
que enche o saco. Infelizmente, até aqui, é só isso que há.
O: Por isso que ela se agita cada
vez mais, quando percebe que está sendo percebida, que não está conseguindo nem
controlar o comportamento, nem uma ideia libertária.
F: Esse é um momento muito louco do
processo porque, antes, não havia a observação e a identificado era constante, tudo
que surgia nos filmes da mente e das emoções, era visto como algo real.
O: A observação passiva e não
reativa está arrancando o poder de controle da estrutura sobre nós.
F: Antes estávamos identificados,
colados como sendo esses filmes do imaginal sensorial condicionado. Agora o
conteúdo vem, fica um curto espaço de tempo, tipo um comercial, e some por si
mesmo.
O: A compartilhada estrutura
condicionada fez de nós seres imaturos. Precisamos de algo do tipo, "uma
explosão de maturidade".
F: Cai em algo parecido com o que
apontava o Segundo Passo das escolas de anônimos, mas nas devidas proporções, é
claro.
O: ...“Viemos a acreditar que
um poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade”... Mas
aqui, esse poder superior nada tem a ver com os preconceitos a respeito de um
Deus criado ou aceito em meio de profunda confusão. A sanidade é o estado de lúcida
e integrativa autonomia psíquica.
F: Nem me lembrava corretamente da
frase. Isso, sem o preconceito de Deus. Percebe-se que agora estamos nisso.
Isso está muito óbvio. Caracas! Meu pai!... Até estourou os miolos aqui.
O: Essa admissão veio precedida
da admissão de que somos impotentes perante a mecanicidade não solicitada do
fluxo do imaginal sensorial condicionado, que pela antiga identificação com tal
fluxo, adulteramos a nossa realidade, bem como a realidade de todos que tocamos
de modo inconsciente e inconsequente. Há também a percepção de que não há como
deixar de adulterar a própria realidade, bem como a de terceiros, se a
condicionada estrutura permanecer.
C: A estrutura condicionada é como
uma areia movediça: quanto mais você se mexe, mais se identifica e mais nela afunda.
O: Por isso digo que estamos
vivendo um processo consciente de "fundo de poço da estrutura"...
Estamos como que assistindo e sentindo até onde ela pode chegar com suas
projeções e impulsos emotivos reativos escapistas e separatistas. Tudo isso, feito
de modo silencioso, passivo e não reativo, visto que foi percebido que a
verbalização, o desabafo, é só mais um dos jogos da estrutura, jogo esse que,
numa observação mais profunda, só a alimenta.
F: A verbalização movimenta a
estrutura; a língua está ligada nela.
O: A estrutura criou o
condicionamento de que, pelo desabafo, pela confissão, pela verbalização, a
estrutura pode mudar. No entanto, o que se percebe é que ela só faz trocar as
vestimentas, os enredos criados pela própria estrutura. Por isso que digo
sempre que "bafo de boca não cozinha ovo". Mas é também preciso
perceber que ela também criou o condicionamento oposto: o voto de contrição, de
silêncio forçoso como forma de vir-a-ser algo diferente do que ela é.
Percebe-se os dois lados do condicionamento da mesma estrutura.
C: A estrutura condicionada cria
argumentos para se manter.
O: Mas, entre as duas formas de
condicionamento, parece-me que o silêncio é menos condicionante, visto que na
verbalização, quase sempre ocorre uma forma de doação psicológica de terceiros,
a qual, em última análise, é um fator de condicionamento.
F: Aqui é visto o mesmo. Mas o
próprio silêncio, se for usado como a verbalização, acaba dando na mesma. A diferença
que vejo, é que verbalizar via desabafo, causa uma identificação instantânea; o
silêncio também pode criar a mesma identificação.
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