24/03/2021

A necessidade de um poder de percepção superior

O: Sem uma percepção além da estrutura, permanecemos na estrutura e nas circunstâncias por ela estruturada.

F: Está tudo dominado pela estrutura e não tem sequer o que fazer.

O: Não conseguimos ver as circunstâncias de maneira nova, totalmente depurada da afetação adulterante do cálculo autocentrado, livre da dependência criada pelo medo do desamparo, da solidão e do ostracismo.

F: Sim, não vemos; é igual aquelas melecas... Por mais que você estica, a coisa permanece grudada. Pela mente condicionada, não há o que fazer, mesmo que não tenha medo. Nem medo sinto mais, já não sinto mais nada, zero.

O: Não creio que isso seja verdadeiro.

F: Não há a mínima possibilidade de sair disso.

F: Não sinto medo, mesmo que ele venha, com a observação passiva, ele some, passa. O medo já não tem o mesmo poder de antes, já não domina mais. Ele permanece em looping, se apresentando e morrendo com a observação.

O: Mas ele ainda está aí.

F: Agora não, não tem nada aqui, a não ser a sensação de saco cheio.

O: Se está de saco cheio, o que lhe impede de esvaziá-lo?

F: Está bem Out... Beleza que é assim... Aperta botão e pronto! Aqui não é assim não. Sorry! As coisas aqui ficam um tempinho. Borá sorrir na frente das câmeras, que bosta!

O: O que te impede de largar isso, ou de ver suas atuais circunstâncias de maneira nova?

F: Já vejo de outra maneira.

O: Tudo que é produto do cálculo autocentrado, não tem amor e, sem amor, só pode gerar conflito. Enquanto funcionamos no cálculo autocentrado, não há bem-estar, somente ajustamento, forçoso comportamento politicamente correto, o desgastante cumprir de protocolos; permanecemos no looping das circunstâncias sem amor.

F: Já não sou o politicamente correto, mas não tem por onde correr, permanece a velha inquietude. Pode morrer mesmo que acabou; só se ocorrer um “milagre”.

O: Sem uma percepção além da estrutura, permanecemos na estrutura e nas circunstâncias por ela estruturada, se relacionando com elas do mesmo modo estruturado.

F: Exato! Ainda bem que a vida trouxe uns caras como vocês para dar uns toques na coisa.

O: Talvez nem sejam as circunstâncias... Mas a necessidade de descobrir um novo olhar que não seja cálculo, ajustamento ou responsabilidade forçada.

F: Para mim, está mais do que claro que não são as circunstâncias.

O: Enquanto na estrutura, você pode até abandonar suas atuais circunstâncias, mas, inevitavelmente, estruturará circunstâncias igualmente vazias de real comunhão e sentido. Percebo que dentro da estrutura, não tem para onde correr.

F: Trata-se de uma só coisa. O que impressiona é que, mesmo com a observação, ela atraca numa coisa e fica, seja qual for a bola da vez. É sempre a mesma forma de funcionamento, apenas com roupagem distinta.

A: Exatamente,  permanece na obsessão da vez. A inquietude é medo.

O: Falta-nos a integridade da lucidez não emotiva. Carecemos disso.

F: Sei lá! Independente do nome, não tenho.

O: Tudo que fazemos está adulterado pelo cálculo, pela emoção reativa ou pela carga do passado, pela experiência do conhecido.

A: É o medo que nos impede de esvaziarmos o saco. O medo anda de mãos dadas com todas as outras emoções, que foram nomeadas, mas é uma só coisa.

F: Não esvazia porque o esvaziar é também um produto do cálculo autocentrado. Percebe? A estrutura parece não ter fim.

O: Mas estaria a resposta libertária na ação emotiva de esvaziamento do saco? Logo ali, a estrutura começa a estruturar novas circunstâncias que novamente trarão o mesmo conteúdo que cria o sentimento de estar de saco cheio.

F: Estamos mais do que conscientes de que não tem sentido sentir medo, mesmo assim, sentimos. Qual o sentido viver diariamente afetado por loopings de medo? E vivemos! Não há sentido, a estrutura calculista roda por si.

A: Sim, e o cálculo é medo em ação. Não faz sentido nenhum viver seno afetado pelo medo.

O: Nosso saco está cheio é do próprio olhar condicionado da estrutura.

F: Exato! Mesmo a mente vendo isso, ela não esvazia. Ela viu isso, está vendo agora mesmo.

A: O próprio cálculo da mente não é suficiente para esvaziá-la.

O: O que é preciso esvaziar, a meu ver, é o olhar da mente estruturada. Uma mente estruturada no cálculo, nunca saberá o que é comunhão real, nunca estará livre do processo adulterante do cálculo autocentrado. Uma mente sem real comunhão, como pode saber o que é bem-estar? Veja, não temos real comunhão com nada e com ninguém.

A: A estrutura tem que sofrer um impeachment.

O: Isso, algo assim, algo que não seja um produto dos seus cálculos.

F: Boa! Verdade! Isso faz total sentido!

O: Estamos presos num looping de cálculos autocentrados que impedem a real comunhão.

F: Somos insensíveis, pela compreensão conseguimos ver que o outro também tem isso, mas a reação emocional sempre nos joga para o lado do auto-interesse, para o cálculo autocentrado.

A: Tudo o que é causado pela estrutura condicionada é sempre limitado, fragmentado, destituído de real sentido.

O: Enquanto permanecemos nesse looping, não há como saber o que é autonomia psíquica, liberdade, sentido real de viver.

F: A sensibilidade da estrutura é forçada, calculada. Estamos fudidos! Pela estrutura condicionada, não vejo saída. Só não chuto o pau da barraca diante das minhas atuais circunstâncias, porque percebo que isso é só mais um dos impulsos emotivos reativos escapistas e separatistas da própria estrutura; é só mais um looping dela: largar relação, sair do emprego, mudar de cidade ou de país, etc., etc., etc.

A: Não tem ação libertária e integrativa por meio da estrutura.

O: Todos que funcionam dentro da mesma estrutura, alimentam o impulso calculista e separatista... riscou o cálculo autocentrado, ostracismo, cristalização da imagem previamente formada das pessoas e situações.

A: Fato!

F: A estrutura é única! Isso é fato mas, mesmo percebendo isso, ela permanece criando novas formas de looping, criando outra imagem para tentar sair da imagem. É como no filme “A Origem”...  Não tem saída! Já nem sabemos mais o que é sonho, se é dentro do sonho ou de um sonho dentro de outro sonho. Ferrou tudo!

O: A meu ver, sem a ocorrência de uma percepção libertária, integrada, não pontualizada, livre da emoção reativa, não saberemos o que é o viver correto, o que é comunhão, liberdade, felicidade, amor, vocação, ausência do cálculo autocentrado, permanecemos no looping.

F: Pode ser isso. Já nem sei!

O: A expressão "não sei", demonstra a ausência da percepção que integra à realidade.

F: Mas é real. Eu já não sinto o medo como antes, já não estou sendo dominado por ele. Não estou sendo hipócrita.

O: Sinto que precisamos de um contato com algo, em nós, que não faça parte da estrutura calculista.

F: Tem que ocorrer algo além da estrutura limitada que somos, senão, é isso.

O: Veja bem: algo "em nós"... não algo vindo do céu, de outra dimensão ou fora disso que somos. Creio que até aqui, dissecamos muito bem a estrutura e seu funcionamento, ao ponto de percebermos que, por mais esclarecida que seja essa estrutura, ela não tem como, por si mesma, superar sua limitação de percepção da realidade. Em vista disso, é preciso a manifestação de um poder superior de percepção à própria estrutura; algo que surja de alguma dimensão interna não tocada pelo cálculo, pelos preconceitos, pelas manias e tendências, pelas falsas dependências.

A: Isso!

F: Se vier do céu, tudo bem... Não interessa de onde vem. Já tivemos uma breve amostra de que aquele estado integrado de ser, não se limita nem mesmo ao nosso corpo.

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