17/04/2022
12/01/2022
Não conseguimos sair de nossa bolha emocional
C: Bom dia, Out! Li o texto sobre
se existe a cura emocional... É, aqui, não muda muito não; só os lugares, mas o
enredo é o mesmo e hoje ampliou, pois em nenhum lugar se encontra um só membro
que tenha essa clara percepção do viver. Tudo muito patético. Antes ainda
conseguia ver alguma coisa na TV; hoje, passo os olhos e só vejo bobagens, patetices,
e como alguém consegue achar sentido e graça nisso?
O: A patetice não está somente no
conteúdo da TV; se encontra em tudo, em todos os assuntos diários.
C: Sim, a patetice está em tudo. Acho
que estamos que nem a Elis Regina: vendo o mundo de um prisma errado.
O: Sei lá, só sei que não acho
saída. Não há o que mude nossa percepção e sensação e a inquietude, só aumenta.
Com o descondicionamento, a vida ficou sem um Norte. Antes tínhamos um norte
condicionado pela moda, mas o descondicionamento mostrou que esse norte era
ilusório; mesmo um norte para a cura da inquietude não existe mais. Como a Deca
não cansa de repetir, a coisa está punk! Antes dava para ter como um norte, a
tentativa de desfrutar do
nosso tempo com quem “imaginávamos amar” ou que “imaginávamos que nos amavam”.
Dava para acreditar ser um norte, o contato com a natureza, com os animais ou
com aquilo que acreditávamos ser Deus. Tudo isso foi percebido como ilusório,
até mesmo a ideia de “esforço” para ver os milagres da vida. Em nossa adolescência
espiritual, tentamos tudo isso que, em última análise, com o passar do tempo, se
mostrou insatisfatório, irreal. O que ficou é a inquietante percepção de que não
existe uma genuína e espontânea conexão com nada, todo tipo de relação exige um
esforço que acaba sempre na percepção do mesmo hiato, do mesmo isolamento
emocional, do mesmo vazio, da mesma falta de sentido real. Quem ainda não viveu
essa constatação de modo visceral, não tem como saber o que significa a
inquietude da qual falamos aqui, inquietude essa que não nos permite mais alimentar
qualquer tipo de crença ou achismo. O descondicionamento fez tudo cair de moda,
digamos assim.
MZ: Antes tentávamos em revistas, jornais, livros e crenças,
achar algo de diferente, mas nunca achávamos de fato e, com a minha idade, já
não alimento mais essa ilusão. Não tenho mais essa esperança.
C: Sim, o descondicionamento fez cair o norte de tudo,
deixando apenas essa inquietude, esse desassossego.
O: E
agora? É só isso?
MZ: Eu estou para lhe dizer que é só isso. Antes, as ilusões
me davam um certo alento, uma certa direção, mesmo quando eu pressentia que era
só mais uma ilusão. Agora, com essa desilusão, não tem mais para onde fugir. O
bicho pegou para mim, não vejo mais onde me agarrar. Quando você tem alguma
ilusão, você alimenta uma expectativa, mas agora, não tem mais nada disso, não
tenho mais esperança alguma. Também não dá mais para descarregar a inquietude
sobre os ambientes, pois eles não são a exata natureza do meu desassossego. Antes
alimentava até mesmo a esperança de encontrar alguém na condução, mesmo que
desconhecido, que me dissesse algo que me tocasse de fato, mas hoje, isso não existe
mais.
O: Só um milagre.
MZ: Milagre não sei se existe! Milagre não! Acho que tinha
que ser alguma coisa real; algo que fosse palpável, sentido.
O: O alcance dessa coisa palpável sempre foi uma expectativa
nossa.
D: Mas essa coisa palpável ainda é dos sentidos
condicionados; é algo da própria mente querendo encontrar algo conhecido dela.
Tudo isso está dentro do limitado e ilusório campo mental.
MZ: Nós não sentimos e não temos nem mesmo a honestidade
emocional para aceitar e afirmar essa nossa incapacidade de sentir genuína e
significativa afetação.
O: O que nos afeta de fato, são os chamados “defeitos de
caráter”, coisa como a intolerância, a impaciência, o ressentimento, a
desconfiança, a inveja, o ciúme, o apego, a dependência, a inferioridade ou
superioridade, a maledicência o sentimento de inadequação, só somos afetados
por esses tipos de coisas.
MZ: Fomos condicionados para pensar que realmente alimentamos
“bons sentimentos”, mas o que sempre tivemos foi uma qualidade de afinidade de
propósitos momentâneos; a partir do instante em que o propósito se modificava,
a afinidade sumiu do contexto, assim como a afetação que acreditávamos ter.
O: Muito difícil as pessoas terem essa qualidade de
honestidade emocional para consigo mesmas, o mais fácil e mais corrente, é a
pessoa alimentar a negação, dizer que essa incapacidade de real afetação não é
uma realidade em seu viver, e que o que ela vive é a real afetação, o real
bem-querer, o genuíno amor.
MZ: Depois de tantos anos, vejo que o amor é só uma conversa
que todos fomos condicionados a alimentar. Você tem razão, ninguém ama ninguém,
mesmo dentro da própria família.
J: Triste mas essa é a realidade compartilhada!
D: Só temos o “bem-querer” condicionado ao processo
histórico, porque nem afinidade tem; não há afinidade real aqui e agora. Há uma
afinidade com a imagem que criamos e alimentamos, mas não conhecemos e não nos
demos a conhecer de fato. Na maior parte dos nossos contatos, não há nem
afinidade de propósito e nem o bem-querer real; o que há, por causa do
condicionamento ético, é uma simulação de afinidade e bem-querer. Mas basta riscar
a imagem, que a realidade dos nossos sentimentos se apresenta com toda
intensidade e não tem nada de real bem-querer ali.
O: A dificuldade de sair da negação e ver a realidade de nossa
qualidade emocional — a incapacidade de genuína afetação e conexão — existe por
causa que fomos condicionados a criar uma bela imagem de nós mesmos. Depois de
décadas alimentando uma falsa imagem de si mesmo, como aceitar com facilidade
que nossa realidade afetiva não tem nada a ver com tal imagem?
MZ: Sempre ficou no ar a aceitação de que não sentimos significativos
e afetuosos sentimentos, que não conseguimos sair de nossa bolha emocional,
porque se disséssemos isso para os outros, como já éramos mal-vistos, aí a
imagem se tornaria ainda pior. Isso é uma verdade!
Onde estão os membros recuperados da doença mental e emocional?
Por mais de 20 anos frequentei assiduamente várias irmandades de anônimos, dedicando-me não só ao estudo de suas literaturas, mas também me dedicando quase que exaustivamente aos trabalhos de grupo. Em todos esses anos, não encontrei um só membro na qual fosse clara a percepção de cura, ou seja, não me deparei com nenhum ser humano que tivesse realmente se libertado de sua personalidade egocêntrica, calculista, sedenta de poder, preconceituosa, separatista e cheia de crenças; não encontrei um que realmente soubesse o que é a aquisição do amor impessoal; o que vi foi uma dualidade onde parte se mantinha psicologicamente dependente ou num viver de isolamento emocional. Não encontrei um que realmente conseguia sustentar uma genuína intimidade, alguns até que conseguiam ir até a página dois, depois, sempre havia uma saída pela esquerda. Não encontrei homens e mulheres livres do medo, livres da excessiva preocupação consigo mesmo. Mas isso não se limitou aos grupos anônimos; nem no ambiente familiar, nem no ambiente social, me deparei com alguém realmente livre e feliz. Busquei então, por meio de uma longa pesquisa literária, encontrar relatos de homens que possivelmente tivessem se libertado de seu egocentrismo e o resultado não se mostrou diferente. Encontrei histórias de vários homens que até chegaram a ter grandes experiências religiosas, a qual alterou um pouco a qualidade de sua percepção de mundo, que lhes esclareceu o modo como o ser humano se encontra condicionado, mas de modo algum, os libertou de seu egocentrismo. Estudei a vida de homens com e sem fé em Deus, e em ambos os casos, a permanência do egocentrismo se manteve como um fator comum. Em vista disso, ficou a questão: será que a cura é de fato possível? Se é possível, onde estão os que a conseguiram? Alguns já tentaram me responder essa pergunta, sustentando mais uma crença que alimentaram nos grupos anônimos: que a recuperação é diária, e que é só por hoje, ou então, o velho chavão: “uma vez doente, sempre doente em recuperação”. Isso para mim não soa diferente de sustentar um conformismo num viver vazio e de sofrimento. Portanto, permanece a questão: existe cura, ou é só isso?
10/01/2022
O looping sem fim de uma mente inquieta
O: Há momentos em que a
inquietude se torna quase que insuportável, acompanhada do amargor na língua,
de uma sensação de aperto e queimação no centro do peito; quando ela se
manifesta desse modo, não há nenhuma ação que se mostre com sentido, além de
que, a própria inquietude impede a concentração em qualquer ação que seja. Ela
vem acompanhada de um sentimento de total ausência de um norte no viver. O que
se apresenta como opção são sempre as mesmas atividades que já se mostraram
enfadonhas, entediantes, e você não encontra nada que responda e transcenda tal
inquietude. Trata-se de um momento em que a própria estrutura se vê
estrangulada, pois percebe que não há o que ser feito. A voltinha, o gole de
cerveja, o salgado ou o doce, a busca pela internet, as conversas pelo WhatsApp,
o Hobbie ou atividade do lar... nada! Por mais profunda que seja a conversação,
esta, também se mostra infrutífera. A estrutura assiste o próprio processo de
agonia sem resposta. Em tudo que ela olha, logo percebe as crenças, os cacoetes
de outras estruturas, com seus blábláblás que prometem por liberdade,
felicidade e paz. Ela percebe também em si, os seus cacoetes e impulsos para
atividades condicionadas que só podem trazer um prazer momentâneo, e percebe
que é mais de sua ilusão. Momento de tremenda inquietude, porque a estrutura vê
consumada todas as opções de apoio, de sustentação, de nutrição. Ela não
encontra respostas para a sua inquietude; nem respostas e nem opções de fuga. Ela
chegou no ponto em que se tornou claro demais que, vá aonde for ou faça o que
fizer, nada desfaz sua crônica inquietude de base. Ela não sabe como conseguir
paz, aquela paz que transcende todo entendimento.
C: Já acordo com esse sentimento
de desconexão e quanto mais observo, mais vazio fica. Vejo que chegar ao ponto
em que chegamos, a única opção é a observação.
O: Mas, você mesmo percebeu que a
observação só aumenta o vazio. Então, a observação seria mesmo uma opção? Quanto
mais observamos, mais coisas vazias observamos, mais a desconexão é percebida.
C: Não.
O: Quanto mais observamos, mais
impotentes nos sentimos. Por maior que seja a observação, não encontramos um
norte que se mostre assertivo, satisfatório.
C: Sim, ela só mostra o vazio de
tudo, por ser também um novo condicionamento, não transcende. Questiono se seria
ela o processo, observando o próprio
processo.
O: Mesmo a resposta a essa
pergunta, de nada serve, percebe?
C: Sim, mesmo com a resposta,
ficamos na mesma.
O: Cada percepção de um movimento
ilusório, mais inquietos ficamos, mais vazios... Cada percepção, menos norte. Você
só fica sabendo que não tem mais como andar por aquelas ruas, mas não se
apresenta o endereço certo. Isso aumenta ainda mais a sensação de que estamos
perdendo a vida, que a mesma está passando sem que saibamos o que é vivê-la em
sua plenitude, em seu sentido real.
C: Sem norte e com uma puta
sensação de que a vida está passando, a
velhice chegando, "porque o corpo começa
a sentir suas limitações". Com isso aumenta o vazio, o tédio.
O: Impotência total, nisso que
cheguei aqui e sem a compreensão do porque tivemos que passar por todo esse
processo de percepção do falso, para se ver limitado no falso, sem o
conhecimento do real. Todo um processo apenas para tomar a consciência plena de
que não sabemos o que é amor, o que é conexão, o que é liberdade, criatividade
genuína, o que é quietude, paz. Todo um processo que começou com o sentimento
de estarmos perdidos e que terminou no mesmo sentimento; o primeiro passo nos
levou ao último passo que em nada se difere do primeiro, a não ser na
confirmação de que estamos perdidos. Estamos como hamsters na roda da estrutura
condicionada... Looping sem fim de uma mente inquieta: tentamos encontrar um
eco que nos satisfaça, mas nunca o encontramos.
MG: Out! Gostaria muito de ter comentado
a respeito do último áudio que você subiu, intitulado “Então, viver é só isso?”,
mas neste final de semana foi bem complicado para mim, difícil, porque eu estava
no ambiente familiar, com aqueles assuntos corriqueiros, normóticos. Sei que eles
não têm culpa pela forma como eles veem o mundo, mas tive que fazer muita força
para poder me manter centrado e com a energia equilibrada; mesmo assim, o ambiente
me sugou muito... Eu estava ali no ambiente, com todos se mostrando felizes
naquele lugar bucólico para o qual fomos convidados, mas, eu me sentia
totalmente fora do contexto. Depois vou tentar colocar algo sobre o que senti
quando ouvi o áudio da sua conversa com Deca, porque foi exatamente, foi não, é
bem assim que me sinto. A minha sorte é que hoje eu não tive expediente de trabalho,
só volto amanhã, então, pude tentar me recuperar um pouco, apesar de ainda não
me sentir bem. Se eu me sentir melhor, tento relatar aqui os insights que me
vieram, só para expor o que senti ao ouvir o áudio com a troca de vocês.
O: Beleza! Ficamos no aguardo!
F: Tem jeito não, a cabeça só
pensa bosta! Se não derreter esse mecanismo mental, já era. Isso tem que ter um
jeito de sumir, senão, é só bosta aqui.
O: Isso ocorre em tudo...
Qualquer ocorrência faz a mente disparar com seus medos e preocupações
infundadas, assim como seus cálculos para tentar solucionar esses medos e
preocupações. Ela permanece sempre nesse mecanismo neurótico que só aumenta o
desassossego e o vazio. Ela permanece nesse looping sem sentido.
F: Esse mecanismo afeta tudo; tudo
também está zuado no país; tudo é reflexo desse mecanismo, reflexo da nossa
mente zuada.
O: A estrutura é socialmente
compartilhada, é multigeracional e transcultural; todos vivendo com base no
cálculo autocentrado.
F: Sim.
O: A estrutura só pensa no outro,
quando este outro lhe afeta de algum modo, portanto, na real, a estrutura não
pensa no outro, mas sim em seu próprio bem-estar.
F: Todos com base na mesma fonte.
O mínimo que você se identifica com o imaginal, no mínimo, ocorre a distorção.
O: Sempre o mesmo patético repeteco,
mesmas cenas com roupagens diferentes.
F: Vimos tudo, sobrou nada!
O: Só não vemos o real; o falso
estrala. E não adianta falar do que sentimos, porque a maioria não entende. Não
raro, recebo e-mails com receitinhas de como devo me comportar para ver beleza
e graça em tudo que está aí. Foda! Acabei de encontrar um colega aqui, que usava
muita droga, e começamos a conversar sobre um conhecido nosso, que foi
internado por três meses por causa de uma tentativa de suicídio, por não
aguentar o vazio do viver. A primeira coisa que o cara falou: também, tem que
ser internado mesmo, ele não se ajuda! Não faz nada para melhorar, não
frequenta uma igreja, uma religião, nada, não cultiva pensamentos positivos. E
eu perguntei para ele: você ainda toma suas pingas, não toma? Toma por causa da
pinga ou do efeito que ela causa ao aliviar seus conflitos? Ele respondeu: “Também
é isso. Mas pelo menos estou frequentando a igreja, onde estou aprendendo
coisas novas.” Então respondi: “Aprendendo coisas novas ou se condicionando de
novas maneiras?” Continuei dizendo que respeitava o momento dele, mas que eu já
havia tentado isso e muito mais, e que nada acabou de vez com esse vazio que
sinto até hoje. O cara ficou sem assunto, deu uma desculpa que precisava fazer
um lance e caiu fora. A maior parte das pessoas não consegue ver isso que
falamos, pois ainda não chegaram nisso, ainda estão tentando algo muito parecido
com o trajeto pelo qual também já passamos. Estão tão embotadas, tão
mecanizadas, que não chegaram nessa qualidade de sensibilidade, apesar de
acreditarem que são sensíveis. Elas não conseguem ler os próprios pensamentos,
não percebem que são controladas pelo fluxo condicionado e não solicitado. E
nós que percebemos isso e temos a coragem de falar sobre isso, somos rotulados
de "13", somos rotulados de pessoas muito “ácidas”. Por isso que não
dá para falar do “Clube da Luta”. Não tem jeito, se não ocorrer um milagre,
ficamos nisso. Entende agora o que os cristãos querem dizer pela espera da
segunda vinda do Cristo?
São poucos que conseguem ser
brutalmente honestos consigo mesmos, ao ponto de perceberem a total ausência de
conexão real, genuína e espontânea, seja com outro ser humano, seja com a
natureza ou mesmo com algum animal. Alguns filmes e séries até que tentam
apontar para isso, mas a maioria não pega o que o diretor está tentando apontar.
Na última temporada da série “Lúcifer”, há um personagem, a Maziken (Maze), um
demônio em forma de uma bela mulher, que sofre com a percepção de não conseguir
manter comunhão com nada, com ninguém.
Não tem como falar sobre o que
sentimos, com quem ainda se apega em algum tipo de crença, como por exemplo, a
crença em se dedicar um tempo ao Criador por meio da prece e da meditação. Se
não viu o falso disso, como vai ter afinidade com o que falamos? As pessoas não
percebem a crença como um objeto de fuga de si mesmo, uma fuga da realidade que
se mostra inquietante. Arranque a crença deles e você verá a realidade inquieta
que os move.